Memorial da Resistência traz olhar de mulheres em exposição sobre ditadura militar - Revista Esquinas

Memorial da Resistência traz olhar de mulheres em exposição sobre ditadura militar

Por Jean Vitor Schmidt, Larissa Gabriel, Maíra Oliveira, Maria Esther Cortez e Rafael Sotero : junho 12, 2024

Entrada da exposição no 3º piso da Pina Estação. Foto: Maria Esther Cortez/ESQUINAS

“Mulheres em luta! Arquivos de memória política” reúne documentos e depoimentos sobre a resistência feminina durante a ditadura

No dia sete de outubro de 2023 foi inaugurada a exposição “Mulheres em Luta! Arquivos de Memória Política”, no Memorial da Resistência, que divide o prédio com a Pina Estação. Localizado no Largo General Osório, 66, o edifício foi sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e, até hoje, é um marco da ditadura por ter sido local de tortura de muitos presos políticos.

Sobre a curadoria

A exposição, que ficará disponível até 28 de julho, conta com a curadoria de Ana Pato. O principal objetivo é mostrar como se deu a violência na Ditadura Militar brasileira (1964-1985) pela perspectiva de mulheres que viveram durante o período. Os arquivos também trazem dados da história recente até a atualidade, com o governo democrático, provando uma grande desigualdade de gênero que ainda persiste no país.

Com uma coletânea audiovisual de documentos, fotos, jornais e filmes da época do regime militar brasileiro, não existe uma ordem de visualização a ser seguida, mas é possível identificar uma linha do tempo entre os dois espaços conectados por um corredor. “O que eu mais gostei foi do recorte de começar na Ditadura e depois chegar na parte final, quando fala sobre as mães de maio. Quando vamos para outras salas, continuam com pautas atuais com os recortes de gênero e classes. Esse caminho que eles fizeram me chamou atenção”, comentou Milena Cunha, de 20 anos, estudante de comunicação da Universidade de São Paulo (USP), que estava explorando a exposição para um trabalho acadêmico.

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Mural de fotos de mulheres afetadas pela ditadura.
Foto: Maria Esther Cortez/ESQUINAS

Na primeira sala acessada pelo visitante, a história exibida nos documentos é centrada em Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente da “Casa da Morte”, em Petrópolis, local secreto utilizado para torturas de presos políticos. São expostas maquetes do sítio, documentos do julgamento de Inês, fotos de jornais, documentos oficiais estrangeiros, e documentários.

O acervo histórico ressalta a luta coletiva das mulheres brasileiras, partindo dos eixos: Luta por Memória, Verdade e Justiça e a Luta por Direitos. Um dos destaques da exposição é o filme Inês (1974), conduzido pela cineasta feminista Delphine Seyrig (1932-1990). Esse é um arquivo que denuncia os crimes de misoginia que o Estado praticou durante o período ditatorial no Brasil. Outro documento exposto é o da escritora Beatriz Nascimento, que exibe poemas sobre a resistência, o racismo e a violência na década de 80.

A partir da história de Inês, são mostrados outros diversos documentos e relatos de mulheres que passaram por momentos trágicos na ditadura. Em uma sala escura, próxima ao elevador, é exibido um documentário feito por Bianca Turner, que contém mais depoimentos de mulheres, algumas presas e torturadas nesse período, incluindo a ex-presidente Dilma Rousseff.

O vídeo introduz ao visitante questões contemporâneas, como a pauta de mulheres negras e transsexuais, criando uma breve introdução para a segunda sala, interligada à primeira por um corredor com fotos. Nela, estão representações de projetos comunitários e redes de apoio criadas por mulheres, que vem ganhando força e mostram a luta constante por meio de manifestações, muitas vezes impulsionadas e traduzidas através da arte. Os casos mais conhecidos e recentes expostos são os dos coletivos como: Movimento de familiares das vítimas do massacre em Paraisópolis, Mães da Leste e Mães de Osasco/Barueri e o Movimento Periferia Segue Sangrando.

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Diversidade nos relatos de mulheres vítimas da ditadura militar.
Foto: Maria Esther Cortez/ESQUINAS

Os visitantes têm a autonomia de decidir por onde começar a exposição, pela esquerda, a parte contemporânea no lado do metrô, ou pela direita, onde estão os documentos e relatos históricos. Para a visitante Lia Kuwano, 20, que estava acompanhada de seus amigos e começou a ver os materiais pelo lado direito, a experiência da exposição tem um impacto diferente em cada visitante. “O roteiro que a gente fez foi interessante porque teve uma construção, mas vendo ao contrário as pessoas vão ter outra visão da exposição.”

Valdiclei da Silva, 34, é pesquisador de personalidades históricas e pontuou como a expressão individual e o reconhecimento público vem, muitas vezes, através das manifestações artísticas. “Achei a exposição bastante impactante, é artística e política. Me apresentou uma abertura significativa para entender alguns processos que eu não conhecia.”

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A história do prédio

Por volta de 1942 à 1983, o atual edifício do Memorial da Resistência e da Pina Estação abrigou o Departamento de Ordem Política e Social. O prédio foi construído entre 1910 e 1914 para instalar o Armazém Central e os escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana.

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Fachada do prédio que abriga a Pina Estação e o Memorial da Resistência.
Foto: Maria Esther Cortez/ESQUINAS

O arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo, foi o responsável pela construção que adotava um estilo eclético. O prédio é conhecido por ter uma boa ventilação e muitos espaços livres, sendo dividido em quatro pavimentos. Ele fica localizado na Praça General Osório, no bairro da Santa Ifigênia, em frente à estação da Luz, antiga Estação Júlio Prestes, que também segue a mesma linha expressiva, com a arquitetura de uma estação ferroviária de época.

A Ditadura Militar brasileira durou do dia 01 de abril de 1964 ao dia 15 de março de 1985. Na época, o atual imóvel da Estação Pinacoteca, em São Paulo, era responsável por abrigar o DOPS, um dos principais centros de repressão e tortura no país.

O local, marcado por dor e sofrimento, atualmente é cheio de arte e vida. Anteriormente, o espaço contava com seis celas, onde eram colocados os presos políticos. Na arquitetura da Pina, quase tudo foi modificado para que o local se tornasse um museu. Hoje em dia, a única lembrança visível do período militar são as portas originais, em madeira e vigas de ferro.

Nos cubículos onde aconteciam as torturas existem quadros e fotografias de pessoas que ficaram detidas no lugar. Entre elas, estão nomes como Caetano Veloso e Gilberto Gil, antes de serem deportados.

No fim da Ditadura, o prédio passou a ser a sede da Delegacia do Consumidor de 1983 a 1998. Em 2002, o edifício reformado e tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo. No mesmo ano, se tornou o Memorial da Resistência.

Cultura: à serviço da sociedade

A exposição traz um recorte específico enquanto incentiva que o visitante tenha um amplo panorama sobre a ditadura pela ótica de uma figura pouco associada ao período: a mulher. Nomes como Inês Etienne, Beatriz Nascimento e até mesmo Dilma Rousseff, além de diversas outras mulheres que tiveram grande participação na luta contra o regime militar, não são mencionados com a mesma proporção que figuras masculinas que também foram detidas.

O visitante é convidado a refletir sobre problemas que perduram até os dias de hoje, como a idolatria do período ditatorial e das figuras que praticavam a tortura – como o torturador coronel Ustra. Além de “Mulheres em luta! Arquivos de memória política”, o Memorial da Resistência sedia simultaneamente outras exposições que abordam temas da resistência na ditadura militar de maneira mais abrangente.

O conteúdo é denso e demanda tempo de leitura atenta para cada área, caso sejam observadas na íntegra, mesmo que apresentem diferentes formatos. O Memorial de Resistência disponibiliza recursos de vídeo e áudio descrição, porém, alguns visitantes sentiram que a mensagem não estava sendo passada com uma linguagem acessível, como disse Lola Aguiar, 21, estudante da USP: “Os textos são bastante difíceis de ler. É uma exposição bastante cansativa, mas a abordagem conceitual é muito boa”.

Editado por Ludmila Borba

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