A alimentação como ato político - Revista Esquinas

A alimentação como ato político

Por Amanda Franco e Ivana Fontes : janeiro 23, 2019

Foto por: Engin Akyurt / Unsplash

Qual a importância de pensar no seu prato antes de comer

Elaine de Azevedo, após o Doutorado em Sociologia Ambiental e Sociologia do Conhecimento Científico, trabalhou no Departamento de Prática de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Hoje, pesquisa sobre os campos da Agroecologia e da Promoção da Saúde – a primeira voltada para o estudo da agricultura a partir de uma perspectiva ecológica. Também dá aulas na Universidade Federal do Espírito Santo e é autora do livro Alimentos orgânicos, publicado pela Editora Senac.

ESQUINAS Muitos desqualificam o discurso em defesa dos produtos orgânicos por causa do seu “preço superior e baixa produtividade”, como dizem. Como você lida com esse argumento?

É uma realidade que a gente ainda tem orgânicos que podem custar de 20% até 100% a mais do valor original. Mas o alimento orgânico, como qualquer produto mercadológico, entra nessa visão de oferta e demanda. Quando a oferta é maior que a demanda, ou vice-versa, você tem um produto mais caro. Então, é preciso que o consumidor que já pode comprar orgânico, que já tem condições de pagar um pouco mais, comprando, possa balancear essa relação entre oferta e demanda. Outra forma de fazer isso é com vontade política. Se a gente colocar o orgânico no nível institucional, ou seja, em prisões, escolas e hospitais, o agricultor terá garantia de venda por 12 meses e produzirá por um preço mais em conta para o consumidor. Aliás, é a venda direta em mercados locais, feiras, entrega de cestas ou então outras estratégias como a comunidade que sustenta a agricultura, que é aquela comunidade que compra do agricultor o ano inteiro, que já apoia a safra. Ela é uma parceira do agricultor. Esse valor um pouco aumentado que ele poderia ter acontece pela maior qualidade, porque ele protege o meio ambiente, dignifica o agricultor familiar. Qual é o valor de um alimento barato, que destrói o meio ambiente, que retira o agricultor de um processo positivo, que prejudica sua saúde? Eu costumo dizer que o que você não gasta na feira será gasto na farmácia, no seu seguro saúde.

ESQUINAS De que forma as políticas públicas voltadas aos pratos de comida, como você menciona, podem ser veiculadas nas mídias para se reverberar na sociedade?

Em qual mídia interessa divulgar o orgânico? E o agronegócio? Qual que é o interesse desses departamentos em divulgar o produto orgânico? Todas essas questões dependem de vontade política, de interferência de um governo que priorize a saúde do seu povo às relações com políticas econômicas e neoliberais. O problema do Brasil é de desigualdade, de falta de equidade social. Realmente, é nesse pé que a gente está. Tem uma interferência política que não permite que essas informações cheguem ao consumidor, mas existe um movimento paralelo: a corrente orgânica, o locavorismo [tendência que dá prioridade aos alimentos produzidos próximo ao lugar onde você está], a agroecologia, o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) produzindo comida.

ESQUINAS Como as políticas públicas podem contribuir para a produção de orgânicos, então?

Apoiando a agricultura familiar orgânica – e isso é a premissa básica. Há políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que está enfraquecendo, o Programa de Aquisição de Alimento, que está sendo desqualificado, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional, que não recebe evidência nesse governo [de Michel Temer]. Existem, sim, várias políticas de apoio ao meio ambiente, que tem que dialogar com as políticas de agricultura sustentável. Não adianta a gente pensar em conservar florestas sem pensar na pecuária. Bom exemplo disso foi o controle do tabagismo no país. Foi um programa que deu certo por ações coletivas, vontade política e pressão da saúde sobre a indústria do tabaco. Talvez não por boa vontade somente, mas porque começaram a vir os primeiros processos jurídicos que relacionavam o câncer de pulmão ao fumo. Então esses processos começaram a evidenciar que a indústria do tabaco estava matando pessoas. É o que deve acontecer, e já está começando, com a indústria do agrotóxico [a exemplo, tem-se o caso da Monsanto nos Estados Unidos].

ESQUINAS Quais os pequenos atos que você indicaria para quem está começando uma alimentação mais consciente?

Sempre que possível, compre o alimento orgânico. Assim como você está discutindo o meio ambiente, está repensando o uso do papel, do plástico das sacolas, da água, de roupas, do meio de transporte. A alimentação é mais uma dessas possibilidades. Mudar a alimentação gradativamente, inserir mais alimentos orgânicos, integrais, frescos, de agricultura familiar, é uma ação efetiva, que realmente é uma ação política. Você vai questionar a indústria do alimento industrializado que é prevalecente no país e tem seus interesses muito claros, a propaganda alimentar, os grandes lobbys dentro do governo, a bancada ruralista, a Frente Parlamentar da Agropecuária., tem o envolvimento da indústria agroalimentar… Então essas ações de por exemplo, usar práticas integrativas e complementares, medicamentos à base de plantas, também é uma maneira de encarar ou de enfraquecer e de democratizar o acesso à saúde. Basta vincular-se a associações de consumidores orgânicos para que se possa ter o alimento mais barato, plantar em casa, ter acesso a hortas urbanas que estão crescendo em escolas, optar por colégios que fazem esse trabalho, escolher os alimentos orgânicos e vegetais mais acessíveis. É preciso ter uma vontade interna para fazer essa mudança.