Gabriel Cruz Lima, aluno do 4º ano do curso de jornalismo, conta os bastidores de O Último Romântico, seu primeiro livro de contos
Eu sou o autor, mas eu não sou o autor do livro: O Último Romântico, lançado pela Bar Editora no dia 20 de agosto. Me explico.
Antes de ter minha publicação aceita, eu imaginava um livro coeso e isolado, produto de uma paciência sem limites nas idas e vindas do texto. Não foi o que aconteceu. O Último Romântico é minha realidade objetiva se sobrepondo à própria ideia anterior sobre a construção narrativa. Hoje acredito: a literatura é feita de atravessamentos. Me explico.
À beira do dia dos namorados, recebi um papel pardo com uma cartinha. Dentro do envelope uma capa feita à mão, dobradura preta e pink, escrita em Arial: O Último Romântico. A entrega era um presente muito singelo e simpático. Letícia, a moça com quem eu saía à época anterior à pandemia, reuniu todas as minhas publicações espalhadas pela internet e demonstrou algo até então ignorado por mim, eu tinha um livro. Mas será mesmo?
Um amigo meu de longas datas, Adriano Vilas Boas, também por acaso, me marcou, mais ou menos ao mesmo tempo, em uma publicação no Facebook de um colega dele, dono de uma editora. A imagem dizia: “Estamos procurando material”. Dessa vez, muito por causa do carinho do enamoramento, acreditei na possibilidade e enviei a tal coleção. Não escolhi a hora e a vez para ser publicado.
A primeira casa a acreditar no valor das minhas palavras, às vezes boêmias, ironicamente, se chama Bar Editora. Como me explicou Kleber Felix, o editor, logo na primeira conversa, a proposta deles consistia no autor pagar o preço de custo das publicações e se responsabilizar pela venda dos livros. Ele também me perguntou se eu tinha uma capa, uma ilustração, algo em mente para dar vida ao projeto. Perguntou se eu sabia de alguém para fazer o prefácio e se tinha alguma alguém para quem gostaria de dedicar o livro. Disse sim para tudo, anestesiado com a ideia de ter um livro publicado. Mesmo sem de fato ter a ideia de como se fazia uma capa, um prefácio, uma dedicatória, preço de revenda ou qualquer coisa que não fosse escrever os contos.
Do fundo da memória, busquei a artista de uma ilustração encomendada por mim com a caricatura do Machado de Assis. Georgia Ayrosa, autora desse pedido e colega distante de faculdade, topou. Daí foi simples. Ela leu o livro, soltou o punho e deu no que deu. Eu amo a capa desde o primeiro esboço.
Já no prefácio, optei por um velho amigo. Leopoldo Cavalcante, eterno revisor, era a única pessoa capaz de escrever uma das páginas introdutórias do livro. Ele é dos maiores apoiadores desde que O Último Romântico era ainda um recorte de baixa-autoestima e sabotagem. Dos que vivem para sempre em mim e poderiam escrevê-lo, tinha uma lista seleta: Tim Maia, Roberto Bolano e Leopoldo Cavalcante. Optei pelo melhor dos três.
Na dedicatória a escolha, conforme se decantava a ideia do livro, foi pelo simples: meu avô. Ainda muito novo, a despeito da diferença de personalidades e de visões de mundo, ele fazia questão de me levar à biblioteca e pagar as multas dos livros emprestados, quase sempre atrasados pelo meu esquecimento. No ocaso, ele fez questão de pedir: escreva um livro. Está aí a resposta para o divino e homenagem. Palavra não faz curva.
A ideia de uma publicação independente também me soou compatível com meu orçamento. Com o dinheiro da rescisão do meu último estágio e outras economias, consegui bancar uma tiragem de cem exemplares. O preço de custo de cada um dos livros da primeira centena saiu a R$ 13,40, enquanto o valor da revenda, avaliei em torno de R$25. Autores também precisam aprender sobre matemática para profissionalizar suas ideias.
Aprovadas as ilustrações, a diagramação, o prefácio, a dedicatória, o pagamento das edições e seus preços, faltavam a divulgação e as entregas. Como fazer tudo isso no meio de um dos maiores descalabros da história recente da humanidade, e, mais ainda, do Brasil?
A divulgação contou com uma minisessão de fotos caseira. William Moussa, meu amigo de apartamento e estudante de Multimeios na PUC-SP, se disponibilizou para um clique ou dois. Sob as lentes dele pareço até mais bonito no fim das contas. Coloco no Instagram e Facebook enquanto espero para anotar mais pedidos e finalizar o frete.
Como a greve dos Correios já se anunciava, e, sem rotas para um lançamento presencial, optei por um sistema de distribuição da casa. Dois amigos, Guilherme Colucci e João Pedro Morello, revezaram os respectivos carros em dois dias do final de semana para as entregas em São Paulo e Mairiporã.
Com o Kadett vinho do Gui, máquina apelidada de Love Machine, passamos a sexta-feira 21 pelos bairros e avenidas da cidade de São Paulo. A chuva contínua embaçando o parabrisa e a gente dentro do carro, ouvindo música em uma caixa de som improvisada, dividindo bolacha, pão e água, parando em cada um dos pontos mapeados, vez ou outra cumprimentando a distância quem podia pegar em mãos o livro. Era o lançamento possível.
“É ele que temos, então é com ele que vamos”, foi uma das frases ditas por toda a trajetória das entregas. Muito por mim, mas especialmente por João no dia seguinte às entregas de Guilherme. No trajeto até Mairiporã, minha cidade, revimos boa parte dos amigos de outros tempos: colegas de escola, primeiras paixões, família, professores e tudo mais atravessado pelas estradas. Ao som de Jorge Ben Jor e Stevie Wonder, passamos pela frente fria da Serra da Cantareira. Longe, bem longe, do ideal.
Dessa travessia, fico com algumas impressões ainda primárias. A literatura, do jeito que ela existe dentro de mim, é uma junção de fatores, sem ordem de importância e, mais ainda, interdependentes: leitura, escrita e solidariedade. Os primeiros dois itens me cabem como ofício, o terceiro me vem como o acaso e a graça de bons atravessamentos. Não fosse cada palavra já dita ou calada não seria possível compartilhar nada disso. Eu sou, mas eu não sou o autor de O Último Romântico.