Conversa de quadrinhos - Revista Esquinas

Conversa de quadrinhos

Por Gustavo Ramos : maio 16, 2018

Grandes nomes das HQs nacionais comentam sobre o processo e as dificuldades da produção de suas obras

“As malas serão consideradas pessoas”, diz Laerte Coutinho, de forma sarcástica, enquanto tenta ultrapassar, sem esbarrar em ninguém, uma mala perdida no meio do caminho até a mesa dos convidados no fundo da sala. Uma tarefa difícil, já que toda a loja estava lotada de entusiastas e leitores de quadrinhos animados para o debate proposto pela Editora Todavia que ocorreu no último sábado, dia 12, na Ugra Press, um simpático estabelecimento de quadrinhos dentro da Galeria Ouro Velho na Rua Augusta, 1371.

Com a presença de grandes nomes dos quadrinhos nacionais, como Laerte e Rafael Coutinho, Luli Penna, Bianca Pinheiro e Greg Stella, o evento permitiu que obras tão diferentes se encontrassem em um tema comum: os desafios do processo de produção das HQs. Com esses quadrinistas de diferentes gerações, o bate-papo foi mediado por André Conti, editor na Todavia.

Cartunista e chargista, Laerte possui mais de 40 anos de experiência na área. Durante a conversa, expôs as mudanças enfrentadas pelos artistas de quadrinhos com o passar do tempo. Tanto para a autora de Piratas do Tietê quanto para Luli Penna, ilustradora e cartunista, a demissão de desenhistas dos jornais e revistas levou os profissionais da área a procurarem outras formas de viabilizar a produção artística. “Eu não saberia o que fazer se eu estivesse começando hoje. Ainda bem que não estou começando agora, senão estaria provavelmente procurando um financiamento”, diz Laerte.

Quadrinistas reunidos na Ugra Press.
Divulgação.

A demissão de muitos cartunistas levou os artistas a procurarem novas formas de produzir, principalmente nos livros, em volume maior. A procura pelos quadrinhos se tornou algo mais recluso, não estando mais com o mesmo peso nas bancas de jornais. A produção agora tem outro perfil: as livrarias. Questionando o diminuto alcance dos quadrinhos nacionais, Penna nota como os preços dos livros são inviáveis para o consumo popular, “é muito caro para o leitor popular brasileiro. Quem tem dinheiro para comprar um livro desses?” questiona, enquanto segura seu imponente livro chamado Sem dó.

Para Rafael Coutinho, representando com Laerte o livro Baiacu, publicado pela Todavia, essas adversidades na produção do gênero fazem parte da essência dos quadrinhos nacionais. O processo de contornar os obstáculos como o tempo ou o financiamento necessário também faz parte do resultado artístico. “Tem uma coisa no quadrinho brasileiro que é isso mesmo, de sobrevivência, de achar espaço para se fazer”, diz Rafael, ilustrando o debate com suas histórias profissionais. Foram dez anos para fazer Cachalote e outros sete para produzir seu último livro, Mensur.

Outro destaque do evento foi o lançamento do livro Eles estão por aí, coautoria de Bianca Pinheiro, autora de Bear e do álbum Alho-Poró, e Greg Stella, escritor de Meu Pai é um Homem da Montanha e do fanzine Nas Dobras do Mundo. Os dois criadores contam que a ideia de escrever um livro surgiu da união de uma história pensada por Stella, após a Comic Con Experience de 2016, e o interesse de Pinheiro de ilustrar a narrativa.

O livro traz a jornada de criaturas que caminham rumo a um lugar. No percurso, encontram outras criaturas que envolvem o leitor em seus afazeres e dúvidas. Durante toda a obra, repleta comédia dramática, os autores brincam com a questão espacial, utilizando diferentes técnicas de perspectivas para narrar.

Na mesa de debate, as dificuldades na hora de produzir entram em cena, já que muitas vezes o processo é cansativo e, de acordo com a opinião dos convidados, uma luta entre o autor e a obra. A história deve se encaixar e ser contada por meio dos desenhos, que muitas vezes são refeitos diversas vezes até que cheguem ao resultado esperado.

“Enquanto estamos fazendo o livro, só queremos saber de fazer outra coisa completamente diferente daquilo”, ri Greg Stella, enquanto se lembra do incessante trabalho que teve no recém-publicado livro.

A tarde de sábado se encerra com muitas piadas sobre antigos trabalhos e ideias para novos projetos. O público participou ativamente do debate, propondo ideias e contra-argumentos que enriqueceram a conversa. A espontaneidade dos convidados gerou um clima de alegria, por mais que muitos temas abordassem problemas a serem enfrentados. “Acho que essa liberdade de se contar é uma força motriz nos quadrinhos, algo fundamental”, encerrou Rafael Coutinho, com um sorriso no rosto.