O Centro de Cultura Negras oferece na periferia de São Paulo um acesso à cultura, conhecimento e até mesmo diversão
Passando a catraca do metrô Jabaquara, há uma saída que leva diretamente para o Centro de Culturas Negras (CCN), localizado na rua Arsênio Tavolieri, número 45. A riqueza cultural do espaço se esconde por entre as árvores da rua estreita e tranquila, quase que pacata. Logo na entrada, encontra-se retratada em um desenho na parede a escritora Carolina Maria de Jesus, mulher negra, periférica, que se sustentava pela coleta de materiais recicláveis e ganhou notoriedade ao escrever sobre sua realidade. A área, há mais de 400 anos conhecida como “Sítio da Ressaca”, era um antigo quilombo e, hoje, preserva a memória afro-brasileira através de acervos, bibliotecas, atividades artísticas e esportes.
Na Virada Cultural, o CCN recebeu a cantora negra de samba, Grazzi Brasil, principal intérprete da escola Vai-Vai. Naquela noite, a estudante de pedagogia, Gisele Oliveira Costa, de 36 anos, saiu de Taboão da Serra, onde reside, para prestigiar a cantora. Mesmo morando a uma hora e meia do centro cultural, o espaço tem um valor significativo para ela.
Dentre várias condições que a motivam a frequentar o lugar, a Biblioteca Paulo Duarte é um dos principais. Negra e engajada nas questões raciais, Costa está estudando a construção de identidade negra dentro de uma escola de jovens e adultos para o Trabalho de Conclusão de Curso, e a biblioteca oferece livros sobre o tema que não se encontram em qualquer lugar.
Gisele estava com o marido e uma amiga. Ambos preferiram ficar de pé no salão, enquanto alguns colocavam as cadeiras de plásticos para se sentar. No palco, a banda se posicionava em meia lua, como uma roda de samba, e todos os instrumentistas estavam de branco. Não havia muita gente, mas os que estavam presentes aguardavam ansiosamente pelo show e interagiam entre si.
Quando Grazzi Brasil entrou no palco, com seu cabelo loiro trançado e vestido longo transparente de flores bordadas, sua voz enérgica fez aquele pequeno público vibrar. Logo na primeira nota da batucada, a estudante de pedagogia tirou o casaco de frio vermelho que vestia e começou a sambar. Sempre com sorriso largo no rosto e o batom cor de vinho, ela cantava junto com a cantora.
Gisele passou a infância no Jardim São Luiz, distrito pobre da cidade de São Paulo, e nunca viu um evento cultural acontecendo por lá. Por ser afastado de tudo, ela saía todos os dias às cinco da manhã para pegar transporte público. Para ela, é preciso melhorar a acessibilidade e o diálogo que centros culturais têm com as comunidades, a fim de atrair um público maior.
“Aquela moça é da Vai-vai”, disse Costa apontando e indo cumprimentá-la. Por gostar muito do gênero musical, ela participa de comunidades de samba. A estrutura tradicional de um show foi substituída por uma grande festa, onde todos pareciam se conhecer. De tão à vontade com a plateia presente, em um momento, a cantora tirou o salto alto. “Pra mim, já deu”, disse ela, rindo, enquanto levava o sapato para trás do palco. Descalça, continuou o seu repertório, cujas músicas eram acompanhadas pelo coral do público.
Ainda que alguns não se conheciam, aquele salão decorado com desenhos coloridos de homens, mulheres e crianças negras reuniu uma verdadeira comunidade que resiste através da arte e constrói a diversidade ao unir pessoas de diferentes etnias que, no final, se tornaram únicas. “Eles (espaços culturais) precisam pelo menos existir”, afirma Gisele Costa, que de lá voltaria para onde mora, a fim de assistir ao show do rapper Emicida.