A escassez de maquiagens dedicadas ao público negro revela o atraso e preconceito no mundo dos cosméticos
Na sociedade de culto à beleza e a padrões estéticos, maquiagem é essencial. Além de ter um poder visual transformador, a maquiagem é responsável por esconder as “imperfeições” do rosto, como descreve a maquiadora Priscila Monteiro, do salão de beleza Allummê Sallon. Ela comenta a relação entre os itens e as etapas de aplicação, sendo a base o item mais importante quando se trata da “cobertura na pele de imperfeições”. “A base precisa ser aplicada em uma camada fina para ter uma naturalidade melhor”, explica. Fica explícito que o papel da base na maquiagem é fundamental para obter o resultado final esperado.
Logo, para não ocorrer qualquer erro, é importante conhecer a própria pele em termos de tons e até oleosidade, a fim de utilizar uma base adequada. Entretanto, Monteiro traz à tona a discussão sobre a ausência de tons de base destinados para pessoas negras. “Quando vamos fazer a maquiagem, precisamos sempre misturar um tom com outro para trabalhar a pele negra”, revela a maquiadora sobre a falta de variedade, algo prejudica até a “naturalidade” do resultado final.
Em um país como o Brasil, onde mais da metade da população é negra, o mercado de maquiagem tem melhorado. Algumas marcas disponibilizam tons diversos, que, além de caros, são “muito difíceis de encontrar”, como diz Monteiro. “Bases com fixação boa, que não deixam a pele tão oleosa, têm boa cobertura e deixam a pele mais natural infelizmente são mais caras”.
Moradora do município de Campo Limpo Paulista, a cerca de 60 quilômetros da capital, a diarista Fabiana da Silva, de 36 anos, nunca achou uma base que combinasse perfeitamente com sua pele. “Ainda é muito difícil acharmos maquiagens para nós. Já procurei meu tom em diversas marcas populares, mas nunca deu certo”, reclama. Silva relata que os produtos que eventualmente são bons e harmonizam com seu tom de pele possuem preços absurdos e pouco acessíveis.
Ana Karoline Semolini, universitária de 18 anos, também encontra dificuldades ao se maquiar. Consumidora de produtos de beleza, diz comprar mais de uma base, com tons diferentes, para misturar e assim atingir a tonalidade esperada. “Não há opções”, enfatiza.
Tanto Silva quanto Semolini declaram que, por falta de opção, desistem de se maquiar. “No fim das contas, acabo não usando nada. Nós também precisamos de maquiagem”, queixa-se a diarista.
Fica evidente o racismo velado e em estado de inércia, sem mudança, no mundo de maquiagens e cosméticos. O maquiador Levi Ferreira se lembra de casos de clientes de pele negra que tiveram dificuldade em achar a cor correta e, no fim das contas, usaram tonalidades mais claras misturadas. “Hoje, de dez clientes negras, nove não usam a cor correta pois não encontram o tom exato de pele”.
Segundo a projeção da pesquisa “A distância que nos une – um retrato das desigualdades brasileiras”, publicada em setembro de 2017 pela ONG britânica Oxfam, negros estão em grande desvantagem em relação aos brancos em termos de renda no País. Considerando rendimentos como salários e benefícios sociais, a média de 2015 mostra que os brasileiros brancos ganham o dobro dos negros, enquanto 67% destes recebem até 1,5 salário mínimo (cerca de 1.400 reais). A pesquisa foi feita com base em dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Analisando oito marcas – quatro com o maior número de tons de base e quatro com bases de custo acessível para a classe C –, é possível perceber a lacuna existente para bases mais escuras com preços acessíveis. Foram investigadas as marcas MAC, Fenty Beauty, Quem Disse Berenice? e Maybelline, que possuem uma quantidade maior de tons da maquiagem, e Ruby Rose, Avon, Vult e Jequiti, dentre as mais acessíveis. Quando contatadas pela reportagem, as quatro últimas não se pronunciaram sobre o caso.
Algumas bases lançadas recentemente para tons de pele negros tiveram problemas de aderência e adaptação à pele, como conta o maquiador Ferreira. “Elas [as bases] acabam oxidando demais, indo para um tom avermelhado, alaranjado ou amarelado”, afirma.
A Fenty Beauty, marca de cosméticos da cantora e empresária internacional Rihanna, se envolveu recentemente nessa questão ao lançar 40 tons variados de base. O catálogo inclui uma paleta de cores que vai desde o chamado light, ou simplesmente “claro”, em português, até o deep, mais escuro, em tradução livre. A marca revelou o problema da escassez de uma maior diversidade de tons de base existentes, na qual todas as pessoas deveriam se sentir abarcadas pelo mundo da beleza, e não excluídas. Mesmo assim, a marca ainda está fora dos padrões nacionais ao não possuir revendedores brasileiros autorizados e com um preço de venda além da média, mostrando um caminho pedregoso a ser seguidos pelo mundo de cosméticos e maquiagens.