Dos tatames ao Instagram, Gabrielle Tairini relata sua trajetória com o brechó Wild Tropical - Revista Esquinas

Dos tatames ao Instagram, Gabrielle Tairini relata sua trajetória com o brechó Wild Tropical

Por Anna Casiraghi e Larissa Mariano : janeiro 26, 2022

Gabrielle durante um dia de garimpo.

Atualmente com mais de 21 mil seguidores nas redes sociais, Gabrielle decidiu abrir o seu brechó em 2020, após perder o emprego com o início da pandemia.

Domingo à noite. Logo mais, às 19 horas, inicia-se mais uma atualização do brechó Wild Tropical. Nos spoilers dados durante a semana pelos stories, você já viu a prévia de uma peça vintage linda, que desperta seu interesse. Com o perfil aberto, pontualmente no horário já começa a atualizar a página sem parar, na esperança de que consiga garantir o item que tanto gostou. Finalmente foi postado e, por um descuido, ou talvez um problema na internet, você acaba demorando um pouco mais para abrir a postagem, e agora não consegue disfarçar a decepção ao ver que chegaram na sua frente e já se formou uma fila de comentários “quero” na publicação. Por segundos, perdeu a peça que tanto queria.

Essa é uma cena comum para muitos dos atuais 21 mil seguidores da marca, que já conta com uma legião fiel de clientes, tornando o brechó cada vez mais disputado.

Dos tatames ao mundo da moda vintage

Aos quatro anos de idade, Gabrielle Tairini encontrou no Judô uma paixão que levou durante anos de sua vida. Ainda pequena, passou a participar de campeonatos e se tornou uma “mini atleta” sob o acompanhamento do pai, que era rígido ao analisar a evolução da filha no esporte. Com o divórcio dos pais, Gabi, como é carinhosamente apelidada, acabou se afastando dos tatames.

“Quando eu voltei, acabei lesionando o ombro e fiquei sem poder competir, mas eu queria continuar a viver naquele universo porque era algo que eu amava muito”, conta.

Após se recuperar da lesão, acabou se tornando professora da modalidade. Muito jovem, com apenas 19 anos, lecionava para as crianças da academia onde trabalhava.

Porém, com o início da pandemia de covid-19, a jovem acabou perdendo o emprego e teve que se reinventar para que pudesse garantir sua renda. Já familiar com o universo da venda de roupas, surgiu então a ideia para o Wild Tropical.

“No começo, como foi totalmente sem pretensão, eu compartilhava com os meus amigos mesmo. Eu não tinha vergonha, sabe? Tem gente que cria seu negócio e fica com vergonha de pedir para que os amigos compartilhem. Eu não, eu pedia para todo mundo”, relata Gabi.

“E aí foi vindo mais gente”

“Essas pessoas que compram comigo repostam a peça nos stories, e isso faz com que os outros conheçam o brechó e comprem também”, comenta Gabrielle sobre o crescimento da marca.

Gabrielle acredita que grande parte da popularidade do brechó acontece por conta da maneira que ela lida com os atendimentos. Por também ser consumidora, já tinha uma ideia do que gostava e não gostava, e se colocou no lugar das suas clientes na hora de realizar as vendas.

“Fui adicionando algumas coisas, vendo o que dava certo, colocava brindes. Depois, também comecei a promover algumas publicações, realmente para pegar mais uma galera desse nicho, e aí foi vindo mais gente”, ressalta a empreendedora.

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Gabrielle Tairini em dia de levar as encomendas no correio.
Acervo Pessoal

No período da quarentena, o número de vendas online aumentou exponencialmente e, para os brechós, não foi diferente. Para Gabi, as pessoas se tornaram mais abertas às novas opções de compra, o que facilitou o surgimento de novas lojas nas redes sociais.

“Acredito que muitas pessoas eram mais dependentes de lojas de shopping e, como não dava mais para ir nesses lugares, os brechós do Instagram começaram a ganhar um maior espaço”, analisa Gabi. “Muita gente teve a ideia de abrir um brechó, o que eu achei incrível”, comenta.

Marília Piccinini, coordenadora da pós-graduação de negócios de moda da FAAP,  também aponta como o período pandêmico influenciou o mercado de compras online.

“As pessoas quebraram seus preconceitos em relação às compras online. Quem não comprava, passou a comprar, e, quem já comprava, passou a explorar novas possibilidades. Como tínhamos muitos brechós online, eles se aproveitaram desse processo”, afirma.

“Ela fez e deu certo, né?”

Toda terça-feira, Gabrielle acorda às 6h da manhã e aguarda seu pai a buscar pontualmente às 7h. A maioria dos bazares abre às 9h, mas caso você chegue em cima da hora, as melhores peças já terão sido garimpadas. Mesmo sob o sol forte e com a possibilidade de não encontrar algo bacana e que case com a proposta do brechó, nada abala a força de vontade da ex-atleta.

“Tem lugar que não é muito organizado, são montanhas de roupas empilhadas, e aí eu passo uma, duas horas tentando achar algo legal nessa bagunça”, conta.

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Gabrielle durante um dia de garimpo.
Acervo Pessoal

O pai de Gabi, João Carlos, de 63 anos, ajuda a filha com alegria durante a garimpagem e a postagem das encomendas pelo Correios, e conta se sentir orgulhoso do negócio de Gabrielle. Ainda no início, ele foi um dos primeiros idealizadores do brechó.

“Dei para ela uma dica de pai. Falei para ela sair e comprar essas roupas usadas e vintage nos brechós e mostrar para as meninas que seguiam ela na internet. Bom, ela fez e deu certo, né?”, comenta João.

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Gabi realizando garimpagem de roupas em bazar.
Acervo Pessoal

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“Toda roupa tem seu jeitinho de voltar a ser usada”

Embora moda sustentável e cíclica não fossem temas muito presentes na vida de Gabi, hoje ela compartilha com seus seguidores a importância do cuidado com a roupa e como o tempo de vida do item pode ser melhor aproveitado. A empreendedora conta que passou a ter maior conhecimento sobre o tema durante sua trajetória de garimpo e curadoria.

“As pessoas deixam de dar valor a muitas peças boas e novas por detalhes completamente contornáveis, como furos, rasgos e pequenas manchas”.  Durante a semana, Gabrielle tenta mostrar para os seus seguidores todo o processo de curadoria e tratamento das roupas pelos stories do Instagram, mostrando que todas elas tem o seu “jeitinho” de voltar a ser usada.

“Até porque, aquele material não vai se desfazer logo, vai ficar rodando no planeta por muito, muito tempo”, enfatiza sobre o papel sustentável dos brechós.

Piccini também reflete sobre a importância de trazer à tona esses debates com as consumidoras, de forma a pressionar o mercado a buscar opções mais sustentáveis para o meio da moda.

“Eu acredito que a informação gera um ciclo positivo. Quando vira pauta, as próprias empresas favorecem que essas ações existam, e é por isso que é fundamental falar sobre sustentabilidade, entender o que ela significa e quais são os seus limites”, finaliza.

Caixa de bombom e senso de realização

Mesmo com todo o sucesso acumulado, tudo nem sempre fluiu tão fácil e de maneira imediata. Em algumas partes do caminho, Gabi enfrentou dificuldades que quase a fizeram desistir.

“Fiquei tão chateada por uma moça que marcou comigo no Tatuapé e não apareceu que fiquei pensando: ‘Não quero mais fazer isso, olha o que eu estou fazendo, saindo de lá longe e esperando aqui por causa de uma blusa de R$15’”, relata com tristeza.

Mas, a história de Gabrielle acaba por ter um final feliz. Nesse dia, ela tinha hora marcada com duas clientes e, após o cancelamento da primeira, seguiu para realizar a última entrega.

Ainda muito abalada, pensando em desistir completamente da loja, seu clima mudou totalmente quando encontrou a sua segunda cliente e foi presenteada com uma caixa de bombons. Lá, Gabrielle sentiu que seu trabalho estava realmente sendo valorizado, em uma proporção que nunca antes havia experienciado, e um simples gesto fez com que ela seguisse em frente com o brechó e conquistasse tudo que tem hoje.

“Esse foi o mais significativo, e eu sou muito grata por ela ter feito isso, algo simples que acho que ela nem deve imaginar o que representou para mim, mas fez com que eu não desistisse”.

Embora o negócio esteja cada vez mais tomando caminhos maiores, Gabrielle ainda relata ter muito medo do futuro, mesmo com tantos planos já esboçados. Além da confecção de peças autorais, a jovem também deseja registrar legalmente a marca sob o regime MEI. No entanto, Gabi ainda se sente insegura: em sua mente, ainda passa a possibilidade: “E se as pessoas pararem de comprar?”

“Eu espero do fundo do meu coração que isso continue dando certo, eu amo o que eu faço e espero que isso seja o suficiente”, finaliza a empreendedora.

Editado por Anna Casiraghi

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