A técnica do upcycling como uma alternativa para o consumo de moda sustentável
Todos os dias milhares de peças novas entram em lojas de fast fashion e outras milhares são descartadas após não terem sido vendidas. Em toda estação tendências são criadas e várias outras consideradas inadequadas pelos ditadores da moda. Diante disso, o nosso planeta é cada vez mais intoxicado com resíduos, afinal, de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente cerca de 15 a 20% do tecido é desperdiçado por peça produzida. Nesse contexto, o upcycling funciona como uma alternativa ao descarte.
Diferente da reciclagem que envolve a padronização e um pouco similar à customização, upcycling é o processo de criar novas peças usando roupas que seriam jogadas fora por conterem algum defeito, não terem sido vendidas ou qualquer outro aspecto que as torne “inadequadas” para retornar ao mercado.
“O que é um defeito? Por que algo considerado como um defeito é um defeito? Como um defeito pode ser um efeito?” Augustina Comas
Muita gente tem preconceito com esse tipo de produção por acreditar que usará roupas velhas, mas enquanto isso estilistas como Augustina Comas e Juliene Darin se aproveitam de trajes que seriam destinados aos lixões e criam verdadeiras obras de arte como trabalho. Elas alimentam suas lojas com um produto mais sustentável do que aquele vendido em massa. A iniciativa não para por aí e até a luxuosa grife francesa Hermès já adotou a técnica e cria artigos para casa com tecidos que sobram de xales, bolsas e vestidos chiques.
Em um estúdio no Butantã cheio de tons de azul, post-its coloridos e livros de moda, Augustina Comas transforma camisetas masculinas em shorts, saias, blusas e quimonos. A uruguaia sequer sabia que existia um nome para o que fazia e que isso era uma prática do universo sustentável quando, dez anos atrás, começou a trabalhar com tecidos e roupas que seriam descartados. Assim como ela, a professora do curso sobre upcycling e proprietária do ateliê ModaImagem conta que conheceu o método intuitivamente quando, há dezoito anos, teve que fazer um desfile com alunos que ainda estavam no segundo semestre e por isso não tinham muita prática. Então, uma amiga a cedeu 60 calças jeans e com elas os jovens fizeram vestidos, blusas, jardineiras e mais.
De acordo com Comas, a maior dificuldade em fazer upcycling é que você não desenha a peça e escolhe o tecido, mas está sempre dependendo do lote de peças disponíveis. Não há muita padronização. Você pega essa peça e dá um ressignificado a partir do que ela é, a partir de suas características.
Juliene Darin customiza as roupas que compra de brechós desde os doze anos de idade. Porém, tudo começou quando devido ao consumo excessivo, ela notou que não havia dinheiro para pagar o hotel de seu MBA. A partir daí Darin começou a vender suas próprias roupas em feiras de carros antigos. Hoje, a paulistana é estilista freelancer e possui um trailer onde comercializa peças compradas de instituições carentes e exércitos da salvação, após serem repaginadas com upcycling. Ela diz que o método mais ecológico ingressou de vez em sua vida ao questionar o trabalho que fazia para grandes empresas.
Propósito social
Apenas no Brasil, 170 mil toneladas de retalhos são produzidas por ano e 80% disso vai para os lixões, segundo Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas e uma curiosidade é que o upcycling também gera restos, de forma que novas peças possam ser criadas e o processo criativo vem do propósito da marca de resolver um problema de resíduo.
Apesar de ser uma ferramenta social por permitir um processo de criação por meio de roupas rejeitadas, entrevistadas como Darin alegam que é um meio elitista e que percebe por suas clientes; mais presentes no mundo da moda, frequentadoras de brechós e que costumam viajar para o exterior fazendo deste um nicho muito específico. Geralmente, as consumidoras já sabem do que se trata e estão em busca de uma moda mais sustentável.
A verdade é que o processo de upcycling, apesar de revolucionário por reinserir como “matéria prima” roupas que seriam destinadas ao descarte aumentando sua rotatividade e vida útil, geralmente elas apenas demoram mais para serem de fato jogadas fora e decompostas, especialmente com os hábitos de consumo de nossa sociedade. Entretanto, é importante ressaltar o fomento do debate do consumismo, dos resíduos, dos excessos e de como a moda pode existir de forma mais sustentável e ecológica. Além de ao ser aplicado, poder também ser uma forma de diminuir as desigualdades sociais e auxiliar na renda de comunidades carentes.