Em entrevista, a baixista da banda Supercombo dá detalhes sobre sua trajetória na música
“Eu não preciso ser sex symbol, eu sou musicista como os outros caras”, é o que afirma Carolina Navarro, mais conhecida como Carol. Seus olhos bem delineados são portas de entrada para conhecer uma mulher cheia de opiniões e sem medo de se posicionar. Isto se mostra ainda mais claro quando se descobre que Carol, no auge da sua adolescência, enfrentava um ambiente majoritariamente masculino: o mundo da música.
A musicista, de 30 anos, revela em entrevista a ESQUINAS que se interessou por essa área um pouco tarde, mas isso não fez com que seu talento fosse abalado. Carol é cantora e baixista, iniciou sua carreira com 17 anos na banda feminina Lipstick, onde ficou por 10 anos. Atualmente, participa da banda capixaba Supercombo, que conta com os sucessos como Piloto Automático e Amianto.
A entrevista teve como pano de fundo o próprio estúdio da banda de qual faz parte, em Moema, São Paulo. Carol tratou sobre vários assuntos em relação à banda e sua vida pessoal como suas participações em grandes festivais, o programa Superstar da Rede Globo em 2015, as composições e os temas delicados que são abordados nas músicas.
ESQUINAS Como os integrantes da Supercombo se conheceram?
Eu conheci o Leo [vocalista e guitarrista], na época eu tocava com uma banda que chamava Lipstick que era uma banda só de mina [sic]. A gente foi tocar no festival e ele estava tocando com uma dupla que chamava Dois e me entregou um CD, tipo aqueles de papelzinho. Eu escutei porquê eu achei as músicas, os nomes muito curiosos, achei incrível. A gente começou a se falar, virou amigo e na época ele já tinha a Supercombo, só que estava meio em segundo plano. Ele me apresentou a banda e eu já estava fazendo show com os meus projetos. A gente foi se conhecendo melhor até que um dia ele me ligou e falou: “Ó o baixista saiu, quero você, venha”. No começo eu ainda falei que estava com a Lipstick, não sabia se ia conseguir lidar com as duas, mas depois eu saí dela e estou até agora na Supercombo.
ESQUINAS Como é participar de festivais como Lollapalooza e João do Rock?
Eu levo em consideração que tipo todo show é show e todo show é importante. Todo show merece sua dedicação, geralmente eu não fico mais nervosa com isso, mas vai chegando uma semana antes desses festivais eu já vou ficando tipo com dor de barriga, fico pensando no figurino, começo a pensar no tipo de equipamento, o que eu vou mexer e arrumar. É muito legal que o ambiente de festival é muito incrível e é uma cobrança que a gente mesmo se dá de tipo “Meu, é um negócio muito grande a gente tem que fazer bonito e são muitas pessoas que você vai atingir, você tem que se preocupar com o que você vai falar”, mas é incrível. Tocar no Lolla para gente foi absurdo, a gente estava quase fazendo xixi antes de entrar no palco, de nervosismo, porque foi o primeiro festival internacional que a banda participou e depois disso só vieram festivais nacionais super legais e eu acho tão incrível pela interação das bandas e artistas que tem por trás e pelo o ambiente da galera que está lá para ver shows.
ESQUINAS Qual a sua música favorita da banda?
Cada época é uma [risos]. Eu gosto muito de Maremotos, que a gente acabou de lançar, mas tem uma outra que vai lançar em dezembro que eu sou apaixonada por ela, eu acho que tem muito a ver comigo e com as coisas que eu penso. Mas das antigas, eu gosto muito de Mulher da Vida, que é de um disco que eu não gravei, o Sal Grosso, e gosto muito de Memorial do Amianto. Algumas várias [risos].
ESQUINAS Qual a sensação de estar no palco e de ver pessoas que amam a banda? Você sente que algo mudou desde o começo?
Antes eu não tinha noção do tamanho e da proporção do meu trabalho, como ele tocava as pessoas. Hoje eu vejo gente escutando, mesmo as vezes, quem não conhece ou conhece três músicas e está lá assim sabe prestando atenção mesmo. É muito foda. Se eu estiver de tpm com certeza eu não vou conseguir cantar e vou ficar chorando, eu lembro da minha mãe e faz tempo que eu toco toda essa trajetória e é muito incrível. A gente tocou na Paulista um tempo atrás e foi um evento aberto lá na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). A gente falou: “Ah, Paulista domingo aberta geralmente vão pessoas deve aparecer umas duas mil”, apareceram treze mil pessoas e todas cantando. Foi um negócio que a gente se olhava e ficava: “Mano, que isso?”. Ficamos a semana inteira sem acreditar como isso aconteceu.
“Acho que é uma luta diária de tentar tirar esse conceito de ser um objeto, não uma artista
ESQUINAS Como funciona o projeto Session da tarde?
Há uns quatro anos atrás a gente começou a se enfiar mais no cenário underground do rock e conhecer as bandas né. Todo mundo se conhecia, mas era aquela coisa do trabalho não estar 100% consolidado. E a gente foi conhecendo a galera e vendo o tipo de sintonia que cada banda tinha, uma com a outra e com a gente. Decidimos fazer um som juntos e fomos fazendo, com o Scalene, com o Far From Alaska, e a gente resolveu levar para o estúdio as versões acústicas das músicas antigas que a banda tem que as pessoas não conhecem. Depois que a banda foi para o Superstar a gente chegou lá e já tinham três discos. Então a gente pensou em como fazer para as pessoas conhecerem as músicas antigas com formato mais atualizado, porque querendo ou não, o primeiro disco da Supercombo o Leo tinha dezessete anos e agora a gente está tudo com trinta, então é diferente o jeito que a gente sentia as músicas para o jeito que a gente queria fazer agora. AÍ a gente falou “Por que não fazer cada música com um artista diferente?” e aí começou uma maratona, toda terça feira eram dois artistas para gravar tudo de uma vez, tanto que nas Sessions eu estou com o cabelo curtíssimo sabe? O legal é que deu muito certo, tanto em relação ao vídeo como em relação aos stremeaning.
ESQUINAS Como foi participar do programa Superstar?
Ficamos sabemos na primeira edição, decidimos tentar, mas fizemos a audição e não rolou. Na segunda vez, a gente pensou: “Será que a gente vai mesmo? Será que é interessante”. Já tínhamos um trabalho feito, fãs e tal. Então pensamos: “Será que a gente vai lá e vai ser julgado?”. É meio estranho você está num lugar para ser julgado sendo que você já faz alguma coisa, é tipo você ser médico ir num reality show de médico e o cara falar “Você tem um super potencial para ser médico” e você responde “Então, eu já sou médico faz tempo”. Ficamos nessa preocupação, porque se você tem uma banda de rock e veio do underground, que obviamente é de onde todas as bandas de rock vem, a galera te enxerga como tipo: “Ah, se você está no mainstreaming, se você aparece na televisão eu não gosto mais de você porque você está tomando outra cara” e meio que não é isso. A gente ficou meio nesse tempo vendo se a gente ia ou não e resolvemos ir para ver como é. Só que dessa vez chamaram a gente, fizemos a audição de novo porque tinha que passar pelo processo e passamos. Começou e a cada ida no programa as redes sociais bombavam e tudo quadruplicava de número, foi muito incrível.
ESQUINAS Deve ser muito surreal ver o quanto a TV impacta…
Não impacta muito. É que a Globo é nacional, todo mundo vê Rede Globo, eu não tenho televisão, mas sei que a grande maioria da população assiste. E é isso né, a gente foi na Globo dois finais de semana e começou a viajar para tocar no Brasil todo, porque começamos a ficar conhecidos nacionalmente. A gente ia a almoçar nos restaurantes e as famílias reconheciam. É muito engraçado, porque passou da banda de rock underground que a família não gosta de ouvir para aquela coisa de uma banda familiar. Está na TV, está na nossa casa, então a banda é legal, meio que deu uma cara mais bonitinha para a banda. Não que a gente não seja [risos], mas as pessoas acham que banda de rock, é tudo “malucão”, drogado, e que só fala merda e não cara, é música, tipo, rock é MPB também sabe?
ESQUINAS Como é o processo de composição?
Desde o começo tudo é encabeçado pelo Leo. Ele é tipo um “piradinho” que vomita músicas. Se você for na sala dele e agora e perguntar por música nova ele tem dez já! Além do álbum pronto! O Leo é muito criativo e tem muitas ideias borbulhantes, então toda vez que a gente decide compor álbum novo ele fala: “Tenho isso aqui já, vê o que vocês acham”. Então a gente pega em cima das ideias deles e vai decupando. Nesse último disco foi um pouco diferente porque a gente resolveu fazer uma HQ, e por que não fazer o disco em cima dessa história? Então a gente está partindo dessa ideia de dar uma sonoridade para o visual, para os quadrinhos.
ESQUINAS Como é abordar assuntos delicados como eutanásia por meio da música?
Eu acho que uma coisa que a banda tem em comum é a gente gostar desse universo. Tanto que os filmes e as séries que gostamos, são todos muito densos e com essa temática de humanização, da dor do humano, de como a gente vive, pensa, sofre e ama. A gente não tem esse tabu para falar das coisas. Porque sim, vamos falar de eutanásia, de pessoas que estão em coma, do que é difícil, é a dor! O fato de superação disso, acho que a gente gosta de ficar retomando esse tema porque também sentimos essas coisas, é tudo um bando de deprê na banda [risos].
ESQUINAS Eu entendo os Maremotos (última música lançada) como inquietações e reflexos de uma angústia de todos, como foi escrever sobre isso?
Eu acho que cada música lançada eu sou aquele ator que vai entrar no personagem ficar nele até acabar. Tipo, a gente vai lançar o single, fazer o clipe, o roteiro e as entrevistas são baseadas nisso, eu começo a entrar nisso e fico pensando que a música é sobre mim. Eu chego em casa e penso que tudo vai passar e ficar tudo bem. Da mesma forma que a gente atinge as pessoas com isso, a gente tira da gente, toca nas pessoas e volta para a gente
ESQUINAS O que te motivou a tocar baixo aos 17 anos?
A minha história foi bem idiota na verdade. Eu entrei em uma escola de música para fazer aula de canto e decidi aprender a tocar violão porque para mim uma coisa está ligada na outra. Eu pedi para minha mãe me colocar na aula de violão, mas ela disse que eu desistia de tudo em que ela me botava, então comecei a aprender violão sozinha. Até que o dono da escola de música falou para mim que todo ano ele fazia audições para formar bandas e queria uma só com mulheres, mas faltava uma baixista e ele me chamou para fazer aula de baixo e eu entrei! Foi bem idiota assim [risos]. Na escola eu já era amiga de uma galera de banda, dos caras que tocavam, e não tinha menina que tocava. Aí um amigo meu estava vendendo um baixo dele e eu comprei. Foi isso.
ESQUINAS Como foi seu plano de ir para o YouTube?
A ideia partiu do Toledo [baterista], porque a gente começou a entender que tínhamos que ter um conteúdo para o YouTube, não só os clipes ou as Sessions. O Toledo teve a ideia de não dependermos de mais ninguém para fazermos programas, porque a entrada da banda na televisão é muito pequena. É mais fácil para as bandas que têm um formato mais como o reggae, o sertanejo ou pop chegar na televisão. Então o Toledo chegou com a ideia de a gente fazer o vlog, guardamos uma grana dos shows e compramos um monte de câmeras. Aí pronto, foi isso! No começo a gente ficava meio tímido, mas depois virou zoeira [risos]. Mas, foi indo, depois em toda situação a gente enfiava a câmera.
ESQUINAS Em um vídeo especial do seu aniversário ano passado, que foi o Cavaco responde, e em um momento você fala dos assédios em comentários. Como é lidar com isso, já que você é a única mulher do grupo?
Hoje em dia eu acho que nós, mulheres, já estamos calejadas com certos tipos de comentários. Antes eu dava risada de alguns comentários, hoje em dia eu já faço cara feia. O fato da galera enxergar você como “Ah, é a única menina da banda, tem que ser um sex symbol”, não! Eu não preciso ser um sex symbol, eu sou musicista como os outros caras. É foda que você tem que ir se dando o respeito para os outros tentarem enxergar em você esse respeito. Eu acho que os fãs entendem bastante isso, mas é lógico que tem os idiotas que fazem esses comentários. Tanto que no clipe de Maremotos, tem o comentário de um cara que ele colocou só um certo tempo do vídeo, e eu fui lá e coloquei. Era uma parte que quase aparece meu peito, sabe. Então acho que é uma luta diária de tentar tirar esse conceito de ser um objeto, não uma artista. Antes me falavam “Você toca igual homem”, e eu pensava que era legal, porque eu tinha a pegada, mas hoje em dia eu penso que não preciso tocar igual homem para ser boa, eu toco igual uma mulher e é assim. Mas a gente tem que se provar o tempo todo.
BATE BOLA, JOGO RÁPIDO
Uma mulher… Minha mãe.
Uma série… The Handmaid’s Tale.
Um livro… Eu estava até lendo, Outros Jeitos de Usar a Boca.
Um filme… Como eu adoro uma putaria, tem um que chama Love [Gaspar Noé, 2015].
Um sonho… Aquelas da paz mundial [risos]. Minha psicóloga me pergunta isso mas acho que voar, mas já voo.
Música é… É o que eu sou.