Lama, música e um não à guerra - Revista Esquinas

Lama, música e um não à guerra

Por Ana Carolina Idalençio : agosto 16, 2019

Estima-se hoje que mais de 500 mil pessoas se aglomeraram na pequena fazenda / Wikimedia Commons

Festival de Woodstock, marco da contracultura, completa meio século de existência

Há cinquenta anos, no dia 16 de agosto de 1969, uma sexta-feira, policiais e moradores da área de Bethel, Nova York, se reuniram para observar abismados a multidão de pessoas que se deslocava para a fazenda de Yasgur. Em dias normais, a fazenda era usada para produção de produtos lácteos, mas naquele final de semana, pelas próximas 65 horas, o local de cerca de 2 km² serviria de abrigo para o mais memorável festival que aconteceria até os dias de hoje.

A ideia do projeto foi fruto das mentes de Michael Lang e Artie Kornfeld, produtores musicais, que se uniram com os jovens empresários John Roberts e Joel Rosenman para realizar um festival de música. Inicialmente previam que o evento receberia no máximo 200 mil pessoas. Durante a comercialização dos ingressos, cerca de 186 mil foram vendidos pelo valor de 18 dólares. Mesmo assim, os idealizadores não acreditavam que esse número de pessoas realmente apareceria. John Morris, gerente de produção do festival e um dos primeiros a chegar de helicóptero na fazenda junto com o cantor e guitarrista Richie Havens, contaria mais tarde que o cálculo de presentes naquele momento era de 75 mil pessoas.

Mas as previsões estavam erradas e o número de pessoas continuaria a crescer durante as horas seguintes. E foi aí que os problemas começaram. O pessoal do evento não estava preparado para tantas pessoas e controlar aquela multidão se tornou um trabalho impossível. Muitos entraram sem ingresso e, quando o lugar começou a ficar realmente lotado, inúmeras pessoas que pagaram os 18 dólares – equivalente a 120 dólares nos dias atuais – ficaram de fora. No fim, mais de 500 mil pessoas se aglomeraram na pequena fazenda, segundo consta no site oficial do evento.

Fortes chuvas ocorreram naquele final de semana resultando em lamaçais que seriam descritos pelo guitarrista John Forgerty como uma cena dantesca. Mas lama nenhuma foi capaz de parar um público que pedia pelo fim das guerras. Os Estados Unidos estavam divididos nos anos setenta. O festival, mesmo que acidentalmente, fez com que pessoas que estavam do lado contrário à Guerra do Vietnã e o assassinato, no ano anterior, de Martin Luther King se reunissem.

A cantora Joan Baez, que fechou as apresentações daquela sexta, disse à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em 2006, que os erros de organização do evento e fatores meteorológicos foram cruciais para o sucesso do festival. “Sim, foram três dias extraordinários de chuva e música. Não, não foi uma revolução. Foi uma reflexão em tecnicolor manchada de lama. Woodstock também fui eu, grávida de seis meses, pregando sem cansar contra a guerra. Estávamos nos anos 60 e eu já era uma sobrevivente”.

No sábado, as pessoas começaram a ficar cansadas e não conseguiam se deslocar para dormir em outros lugares devido a quantidade de gente, muitas permaneceram os três dias na mesma porção de espaço. Mas atrações famosas como Janis Joplin, Jefferson Airplane, Santana e The Who animaram o segundo dia de evento. Joplin foi anunciada como headliner sem ter sido avisada de que tocaria lá – mais tarde uma amiga viria a convencê-la de que ela devia fazer o show. O terceiro dia, domingo, traria o tão aguardado Jimi Hendrix, atrasado. As chuvas não deram trégua nem para a última atração de todo o festival, que teve que esperar até que fosse seguro chegar ao local de helicóptero. O guitarrista faria uma das apresentações mais emocionantes do final de semana, tocando o hino nacional dos EUA de forma distorcida, imitando sons de guerra com a sua guitarra.

No livro Woodstock, Michael Wadleigh, diretor do documentário Woodstock – 3 Dias de Paz, Amor e Música, lembra a importância que o festival teve em distanciar-se do comercial e buscar uma reaproximação de outros tipos de valores. Segundo Wadleigh, o efeito obtido em Woodstock foi reflexo do descontentamento máximo com as tensões políticas da época no país e no mundo.

No aniversário de 50 anos do festival, lembra-se acima de tudo que a música uniu a juventude não conformada, por vezes chamada hippie como forma de acentuar ainda mais a clara divisão entre os norte-americanos. Acidente ou não, Woodstock foi um marco da música e da história que está ainda para ser superado.