Músicos independentes se reinventam na pandemia - Revista Esquinas

Músicos independentes se reinventam na pandemia

Por Gabriel Coca Matias, Isabella Souza Alves,  Letícia Galli Mitterbach, Luca Foggetti Nieri e Manuela Massera. : janeiro 19, 2022

Da gravação caseira ao TikTok: artistas encontraram novas alternativas na forma de produzir e distribuir música em meio à crise

factual

Um show musical sempre foi um programa especial. Desde a compra dos ingressos até as infinitas filas para chegar o mais perto possível do palco, o famoso frio na barriga era constante. Aglomerados, vencíamos. Mas, tudo mudou. Ingressos foram devolvidos, shows foram cancelados e acabou a multidão na plateia. O frio na barriga foi substituído por um frio na espinha. Sozinhos, perdemos.

Mas a criatividade de um artista sempre surpreende. Foi ela que permitiu que você sentisse uma felicidade diferente na companhia da live do Emicida. Não dançou escondido no quarto uma das diversas danças que viralizaram no TikTok? Com as restrições de distanciamento social, os músicos deixaram de frequentar lugares que são como um hábitat natural para eles: o estúdio de gravação e os palcos.

Saída em comum dos músicos consagrados e independentes

A pandemia impactou a vida não só de artistas independentes, mas também de nomes consagrados da indústria musical. Nem mesmo grandes nomes do estrelato como Paul McCartney escaparam. Sem excursões e shows à vista, o astro se recolheu em sua casa e produziu um álbum inteiro.

O disco de que estamos falando é McCartney III, o terceiro álbum de uma trilogia que o Beatle iniciou em 1970, quando ele lançou seu primeiro disco solo, feito em seu apartamento em Londres. Neste LP de 50 anos atrás, Paul toca todos os instrumentos e produziu o álbum inteiro, com exceção de alguns vocais gravados por sua esposa, Linda. Dez anos depois, lançou o segundo da trilogia, que foi também gravado em casa, em sua fazenda na Escócia e nele novamente toca todos os instrumentos.

Os dois discos foram feitos em momentos significativos da vida de McCartney: em 1970, o fim da banda que o levou para o estrelato e em 1980, nos momentos finais de sua banda, The Wings. Já em 2020, foi o lockdown e a vida confinada que contribuíram para Paul terminar a trilogia.

Gravar músicas em casa se tornou tão comum que até ganhou o seu próprio estilo musical: o bedroom pop. Esse tipo de pop, que se aproxima muito da música indie, também é conhecido como música DIY (Do It Yourself), ou faça você mesmo. Os artistas que aderiram a esse estilo são em sua maioria jovens independentes, nativos digitais e que aprendem a tocar instrumentos musicais e a usar programas para mixagem no computador. As músicas possuem uma sonoridade mais simples e que lembra o estilo lo-fi, um som com pegada retrô e marcado por sintetizadores.

Talvez o bedroom pop seja um dos ritmos que melhor representa a maneira como esses artistas estão produzindo na pandemia, como aponta um levantamento da revista americana Cosmopolitan. De acordo com ele, até agosto de 2020 mais de 145 mil faixas produzidas por músicos independentes foram postadas no Soundcloud, usando hashtags relacionadas ao momento da pandemia. Além disso, uma playlist criada pelo Spotify com músicas do gênero já alcançou 845 mil curtidas.

O artista mineiro Fabi Fabi, 21 anos, é um desses muitos jovens músicos independentes que compartilha do entusiasmo pelos potenciais das redes na produção musical:

A internet é como se fosse um mundo 2.0, atualmente, é praticamente um mundo paralelo […] é como se fosse realmente um espaço físico, e a gente tivesse se encontrando em um lugar, então eu estou indo pra faculdade eu vou para o Youtube, eu estou indo encontrar com meus amigos eu vou para as redes sociais

artista independente Fabi Fabi

Foto: Fabi Fabi/ Arquivo Pessoal

A distribuição de música independente

Apesar da facilidade que se tem hoje em dia para que artistas independentes consigam se lançar no mundo da música, a falta de um apoio da estrutura de uma gravadora dificulta as empreitadas pessoais como Fabi. Ele tem que fazer o trabalho de toda uma equipe, sozinho, cuidando desde a produção e divulgação de seu álbum até a interação com o público. “Fazendo tudo sozinho você entra em um estado de sobrecarga muito rápida. Dá pra fazer, mas eu sinto que em muitos momentos, pra mim, é como se fosse uma sobrecarga que não me permitisse ir para a próxima atividade”, relata o cantor Fabi Fabi.

Os desafios que os artistas independentes têm neste âmbito da distribuição de seus trabalhos é o que marca a diferença deles com os artistas do chamado mainstream. Para Gabriel Bernini, pesquisador musical e autor do livro “Ondas Sísmicas”, essa nova tendência de gravações caseiras pode até ser um meio “menos glamouroso” de se produzir música, mas não se pode aproximar os artistas grandes dos pequenos, especialmente porque a forma como esses músicos independentes divulgam seus trabalhos é muito diferente.

Bernini lembra como o disco de Adriana Calcanhotto lançado no ano passado só foi promovido por meio de um único show virtual, enquanto artistas pequenos têm que passar um longo período divulgando um mesmo trabalho para que consigam arcar com as despesas: “A Adriana pôde se dar ao luxo de “fazer a menor turnê do mundo”, como ela mesma se referiu ao único show em comemoração ao disco. Conheço artistas que estão há 5 anos divulgando o mesmo álbum – porque é isso, a pessoa vendeu o carro para pagar o disco, voltou para casa dos pais para poder economizar”.

Neste ano afastado dos palcos, as redes sociais têm tido um papel importante para que os músicos independentes divulguem seus trabalhos. Na entrevista que concedeu, Fabi contou que baixou o TikTok no começo da quarentena, procurando algo para se entreter. Ele então criou uma conta no app pensando em se solidificar nas redes. “Eu vou ter essa mega exposição com um vídeo meu que for bom no TikTok e é possível que essas pessoas me procurem nas outras redes sociais, porque nessas outras redes sociais eu tenho um contato mais direto para poder construir essa marca”, conta Fabi.

E deu certo! Hoje o artista tem 160 mil seguidores no TikTok, 10 mil no Instagram e 2.978 ouvintes mensais no Spotify. Foi por meio das redes sociais que ele fez a divulgação de seus singles “Xok”; “Tots” e o mais recente “The good movie”.

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A volta do vinil

Se o digital foi a saída para muitos, algo que já era uma onda irreversível, mas se acelerou com a pandemia, agora já surge uma tendência de rejeição de música via digital, afirma Fabi Fabi. O aquecimento do mercado de discos de vinil reflete essa mudança de comportamento atrelada a um ritual de ouvir música e uma tentativa de fuga do mundo digital, o que pode desfavorecer o mercado para músicos independentes, já que esse é um investimento alto.

Segundo o site The Vinyl Factory, as vendas de discos de vinil em 2020 nos Estados Unidos alcançaram um nível recorde, sendo que foi a primeira vez desde 1986 que o número de LPs vendidos foi maior que o de CDs. O pesquisador Gabriel Bernini afirma que as comunidades online de colecionadores têm contribuído para o fortalecimento das chamadas “bolachonas”. Ele é fundador do grupo de Facebook Amigues do Vinil, focado na discussão da música brasileira em vinil.

Para exemplificar como a cena tem crescido, Bernini lembra de um episódio recente envolvendo o lançamento em LP de três álbuns da cantora Marisa Monte: “Estamos vivendo um momento muito curioso em que uma tiragem de discos da Marisa Monte acaba em 1 dia – três mil discos vendidos em 1 dia. Isso NUNCA aconteceria há um ano”.

 O futuro dos músicos independentes

A verdade é que as mudanças acontecem naturalmente e fazem parte do ciclo da vida. Felipe Mascari, jornalista e apresentador do canal Rap TV, do Youtube, fala um pouco sobre isso: “Nos anos 90, você precisava produzir alguma coisa boa para vender CD; com um bom número de vendas e a sua arte se tornando mais popular, você ia parar nas rádios – e era obrigado a fazer um som que se adequasse à rádio. Hoje os movimentos são diferentes, muito por conta das redes sociais. O artista começa a trabalhar em cima das demandas das redes – e a que está mais em alta é o TikTok”.

A fala de Mascari não exclui a força do mercado e das grandes corporações para o controle dessas demandas: “É muito complicado essa questão toda que vem acontecendo durante a pandemia, porque foi tudo muito rápido, né? Não deu tempo dos artistas se planejarem – e quem se planejou e se beneficiou disso foram aqueles que tinham um grande staff por trás. É perigoso criar uma demanda artística que seja baseada apenas em algoritmos, parece que perde um pouco da espontaneidade da arte”, reflete.

Assim, é lógico que o período histórico em que vivemos interferiu nas mais diferentes áreas e criou infinitas ramificações do “novo normal”. O cenário musical é maior do que se imagina; para um show acontecer em uma casa noturna, é necessária toda uma produção por trás que envolve dezenas de pessoas, por exemplo; para que uma gravadora pequena sobreviva, é necessário que os artistas pequenos sobrevivam também. E, por mais que muitas vezes a balança se mostra desequilibrada, o futuro ainda parece promissor. A capacidade criativa do ser humano é infinita; por mais adversas que as situações foram se provando, lá estavam os mais variados artistas criando as mais variadas soluções. Se na natureza nada se cria, mas sim se transforma, no cenário da música independente não tem sido diferente.

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