Artistas desmistificam a quarentena como um momento de superprodução artística e falam sobre o momento que estão vivendo
Estão todos confinados. A casa de alguns artistas plásticos se tornou um ateliê. Muitos não conseguem produzir e tampouco vender suas obras, indo à falência. Outros, desesperados, anônimos ou consagrados, mal conseguem levantar da cama, tal é a ansiedade. A romantização em torno do isolamento de artistas não representa necessariamente a situação verdadeira. ESQUINAS conversou com a poeta Camila Assad, com Nicole Gonçalves, que trabalha com colagens, e com a desenhista e escritora premiada Isabela Sancho para entender como ficam os que dependem da arte durante a quarentena.
Nesse período, são anunciadas rifas de livros em apoio a escritores que se encontram em situação de vulnerabiidade por conta da quarentena; muitos deles, como a poeta Natasha Féliz, realizam lives para divulgar sua arte e se posicionam no Instagram por meio de tags como #quarentenaliterária e #quarentenapoética. Mas é irreal pensar que sairão muitas publicações, quadros e roteiros de filme desse período tão obscuro. Principalmente porque, desde antes dele, já se levantava o debate sobre questões inerentes aos tempos contemporâneos, como ansiedade, depressão e transtorno de pânico.
“Eu não consigo comparar a quarentena com férias”, afirma a poeta Camila Assad. Para ela, que se viu nula nas duas primeiras semanas de confinamento, não saber o que está por vir gera uma ansiedade que afeta a criação. “Senti que meus pensamentos estavam fragmentados, não conseguia formular frases muito conectadas. Afinal, tudo estava assim ao meu redor”, conta, revelando a ideia de contornar essa questão escrevendo um diário que a abriu, mais recentemente, para a escrita. “Não quero ser monotemática e só falar sobre o medo e o isolamento. Colei várias folhas de papel nas paredes de casa e comecei a escrever coisas que podem me fornecer ideias pra textos”, conclui.
Por outro lado, a escritora e desenhista Isabela Sancho e a artista Nicole Gonçalves encontraram brechas para produzir. “Tenho feito o mesmo que fazia antes da quarentena, que é encaixar a produção artística em meio à tripla jornada de trabalho: desenhar e tratar imagens à meia-noite e escrever durante o almoço, antes de dormir ou no meio da madrugada”, conta Isabela. Nicole diz que a quarentena traz feridas emocionais transformadas por ela em belas colagens e em outras experimentações fora de sua zona de conforto. “Sinto que nessas últimas semanas esse caos fez nascer mais uma versão de mim”, comenta.
É possível pensar em arte num momento desses? Camila, de prontidão, responde que é uma boa forma de combater o tédio e, por isso, voltou a desenhar e a pintar, coisas que havia deixado “em segundo plano nos últimos anos”. Para Isabela, tal questão depende de uma disponibilidade psíquica, afinal, nem todos conseguirão assimilar o momento em que estamos vivendo. Nicole conclui que tempo livre e de qualidade, para quem dispõe desse privilégio, é essencial para investir em “qualquer coisa que faça bem”. “Precisamos disso para produzir, é necessidade humana”, completa. Como escritora, Isabela concorda e afirma: “O lugar que vejo a arte ocupar é próximo da sobrevivência emocional e da resistência política”.
“Meu pensamento é muito voltado para o coletivo”, diz Camila. A poeta diz estar sofrendo por saber a dificuldade que seus editores e colegas artistas enfrentarão nesse período. “Ao assistirem um filme, por exemplo, as pessoas não pensam em quantos profissionais estão envolvidos nele. Esse é um momento para apoiar os artistas independentes, os projetos de catarse, fazer valer a nossa voz, ajudar com um simples compartilhamento. Aqui temos um paradoxo: se a arte pode oferecer um escape mental para esse momento, por que os artistas não são valorizados?”, questiona.