Candomblé, Messiânica e Judaísmo: conheça diferentes percepções religiosas sobre a morte na pandemia - Revista Esquinas

Candomblé, Messiânica e Judaísmo: conheça diferentes percepções religiosas sobre a morte na pandemia

Por Lara Eimi Asano e Paola Orlovas : setembro 29, 2021

Placa de tombamento histórico do terreiro terreiro Axé Ilê Obá.

Além de adaptar rituais para as medidas de isolamento, religiões enxergam a pandemia e suas consequências de maneiras distintas

Eny Marcia Ruggerini, Ministra da Igreja Messiânica Mundial do Brasil e médica aposentada, conheceu a vertente religiosa há 35 anos. Desde então, passou a buscar pela compreensão da vida a partir da filosofia de Mokiti Okada, fundador da Igreja Messiânica Mundial, considerada uma das novas religiões japonesas. Para ela, seu papel como Ministra se junta com seu conhecimento científico para criar novas perspectivas, que não lhe foram ensinadas ao longo de sua formação como profissional da saúde.

Pandemia e religiões

Há mais de um ano, o mundo vive as consequências da pandemia, que fez com que práticas religiosas se adaptassem para sobreviver. Nesse período em que o luto se tornou cotidiano, a religião foi vista como uma saída e um suporte.

Para Eny, o que é vivido no Brasil e no mundo com a covid-19 está ligado a registros que se encontram não apenas no nível material, mas também no espiritual. De acordo com ela, os comportamentos e ações da sociedade se acumulam e trazem consequências espirituais que se manifestam como desastres – no caso, a pandemia.

Já Paula Egydio, do terreiro Axé Ilê Obá, acredita que o momento atual inaugura uma nova era para a Terra. Esse momento não teria vindo para exterminar, mas para provocar reflexão sobre o cumprimento da missão de cada um. A Iyalorixá — nome do Candomblé para o cargo conhecido popularmente como “mãe de santo” —acredita que a nova fase também sirva para reafirmar o papel que a religião desempenha em períodos em que a dor mostra a importância de cuidar da espiritualidade.

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Placa de tombamento histórico do terreiro terreiro Axé Ilê Obá.
Acervo Pessoal

Religiões com o passar do tempo

Além disso, Paula pensa que a nova era também viria para reafirmar o papel que a religião possui em períodos como esse, em que a dor mostra a importância de cuidarmos da espiritualidade. Não é apenas sobre a dor, mas também sobre valores conturbados e deturpados do ser humano, obstáculos da vida, e agora o desequilíbrio emocional em massa, que faz com que as pessoas tenham um cuidado maior com a vida espiritual.

A busca por religiões como apoio por meio de rituais e orações se faz presente nos momentos de aflição do ser humano há muito tempo. Ao se falar de morte, o papel das crenças religiosas como pilar de sustentamento espiritual e emocional evidencia-se ainda mais com ritos feitos antes, durante e após a passagem do sujeito.

De acordo com André Luiz Muniz Garcia, professor da UnB na área de Filosofia da Religião, a percepção das religiões cristãs a respeito da morte, por exemplo, foi se modificando à medida que figuras como o pensador Santo Agostinho passaram a contextualizar as Escrituras ao tempo em que viveram. Outra mudança importante, segundo André, é a profissionalização religiosa da morte, prática realizada por clérigos, pastores e especialistas em atos fúnebres, desenvolvida entre os séculos XVI e XVII e que se faz presente até hoje.

Eduardo Gross, professor do departamento de Ciência da Religião da UFJF, complementa ao dizer que o homem busca superar a morte, mesmo ciente de que sua vida terá um fim: “Trata-se do ser humano enquanto consciente de sua finitude e como ser em busca de respostas quanto ao sentido de sua existência finita. As religiões são parte fundamental da elaboração dessa questão e das criações simbólicas que o ser humano desenvolveu a partir dela”.

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Novos tempos, novos caminhos

De acordo com Gross, é preciso que as religiões continuem se adaptando, tanto ao tempo de pandemia quanto à atualidade como um todo: há necessidade de adequar ritos e manifestações religiosas para que caminhem junto ao desenvolvimento científico.

O rabino Yossi Alpern — cujo nome significa “acrescentar”, de acordo com ele — da Beit Chabad de São Paulo, é um exemplo de adaptabilidade. Sua entidade, embora ortodoxa e tradicional, busca trazer a religião para a casa de quem não pode visitar a sinagoga por causa das restrições da pandemia.

São distribuídas sacolas para idosos e famílias judaicas que comemoram o Shabat em suas próprias casas. “Sexta-feira à noite é o nosso sábado, o Shabat, e nós fazemos uma refeição festiva com um pão trançado e velas. São mais de 20 mil famílias que, desde abril do ano passado, recebem cestas toda sexta-feira. Começamos a produzir o pão trançado, a comprar velas e, toda semana, nós entregamos as sacolinhas. A sacola em si não custa muito, ela é baratinha, porque tem dois pães, duas velas, e uma folha com uma mensagem de ânimo”, ele conta.

“Qual é a ideia? A pessoa pode ter tudo na vida

e não ter nada porque ela não tem um abraço.”

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Pães que são distribuidos por voluntários para o Shabat judaico.
Acervo Pessoal

O rabino Yossi não deixa de lembrar que a palavra correspondente para “vida” em hebraico, haim, conta com o sufixo “im”, que sinaliza o plural. Para os judeus, não se trata de vida, no singular, mas de vidas. O mesmo senso de coletividade é expressado pela Ministra da Igreja Messiânica Mundial do Brasil, Eny, que diz que sempre deve-se pensar na felicidade e no bem estar do próximo.

Eny é coordenadora do setor de Espiritualidade e Saúde da Fundação Mokiti Okada, e também tomou passos importantes para sua comunidade durante a pandemia. Ela conta que a busca de estudantes de medicina pela relação da área com a espiritualidade aumentou nos últimos tempos. Atualmente, ela tem sido convidada por universidades a falar sobre isso e, mesmo sendo uma disciplina optativa, os alunos cada vez mais querem compreender a questão da espiritualidade na saúde.

A Ministra enxerga uma mudança no posicionamento da comunidade médica frente ao assunto, que muitas vezes teve de ser abordado com certa delicadeza por parte dela durante suas palestras devido ao conflito entre a religião e a ciência. “Antigamente, eu era chamada para falar pela Igreja, mas tinha de falar com cuidado sobre a espiritualidade com o médico. Agora, ainda sou chamada para falar pela Igreja, mas está sendo interessante acompanhar esse processo evolutivo na humanidade, a própria busca dela por retornar a esse conhecimento e a essa prática. Podemos juntar a matéria com espírito que dá tudo certo”. Já Mãe Paula aponta que o papel do líder religioso é “dar amor, cuidar, aconselhar e direcionar o filho”.

Editado por Enzo Volpe

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