Principal templo budista da América Latina faz cerimônias online, mas fiéis sentem falta da energia do contato físico - Revista Esquinas

Principal templo budista da América Latina faz cerimônias online, mas fiéis sentem falta da energia do contato físico

Por Beatriz Cresciulo, Carolina Ferraz, Letícia Ang e Luis Enrique Lo : novembro 18, 2020

Templo Zu Lai está fechado por tempo indeterminado, mas mantém atividades online e nas redes sociais

Localizado no município de Cotia, a cerca de 30 quilômetros da cidade de São Paulo, o templo Zu Lai é o principal ponto de encontro de budistas na América Latina. Em tempos normais, o espaço chegava a reunir até 50 mil pessoas, incluindo fiéis e turistas. A pandemia da covid-19, no entanto, transformou essa realidade. Para evitar aglomerações e preservar a segurança de todos, o templo fechou por tempo indeterminado e precisou se adaptar e reinventar suas atividades com o uso das redes sociais e cerimônias transmitidas online.

 

“Juntos até certo ponto”

Os seguidores também tiveram de ajustar as novas experiências a suas rotinas, já que, para eles, a religião e a fé são componentes intrínsecos à vida. Em alguns casos, o cenário atual serviu para reaproximar os fiéis do budismo, como foi o caso de Jorge Medauar. “A pandemia me levou de volta à espiritualidade, até porque tive a perda do nosso mestre, em maio.” O publicitário conta que a circunstância do distanciamento propôs um engajamento maior da parte dos religiosos. “É preciso que haja uma entrega, uma intenção verdadeira. Quem pratica o budismo tem compromissos com o Buda, a Shanga e o Dharma, isso não pode falhar”, diz.

Ainda assim, Medauar acredita que os métodos desenvolvidos para manter o contato com o templo não atingem o patamar do envolvimento das cerimônias presenciais. “Nada substitui o contato físico, a energia que circula entre as pessoas”.

Segundo o professor e teórico da comunicação, Prof. Dr. Luis Mauro Sá Martino, a pandemia cumpre um papel fundamental na medida em que legitima as transformações que ocorriam paulatinamente. “Religião, mídia e tecnologia caminham juntas há muito tempo. O que mudou nos últimos meses foi a velocidade da mudança: o que era opcional virou a única alternativa”, comenta. O professor ressalta que a tecnologia promoveu um ambiente favorável para a realização das atividades requeridas na teoria. “Cerimônias religiosas estão ligadas à ideia de ‘estar junto’. A palavra ‘igreja’ vem do grego ‘ekklesia’, que significa ‘assembleia’. No online, estamos juntos também, mas só até certo ponto. Falta a presença física, a voz e o olhar da outra pessoa ao lado”, pontua.

 

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Desafios do Templo Zu Lai

Em um cenário de ajustes constantes, a monja Miao You, do Templo Zu Lai, explica que as redes sociais foram uma alternativa viável para manter as atividades religiosas, garantindo a segurança e a saúde de todos. “A partir do momento que o Templo, antecipando as medidas político-jurídicas, ficou fechado, a solução foi tirar da gaveta um antigo projeto da área de comunicação, que era o uso mais ostensivo da internet”, afirma.

Ainda assim, a instituição enfrentou dificuldades na adaptação para o modelo digital. De acordo com a abadessa, os problemas de conexão com a internet foram uma barreira enfrentada pela organização e os fiéis: “Notamos muita oscilação no tráfego de dados e eventual ausência inesperada de sinal. Percebemos que queixas quanto a isso são muito frequentes no País”. Além disso, os mestres precisaram se inteirar das informações necessárias para estabelecerem um bom processo comunicativo com os seguidores no âmbito digital. “Nossos monges precisaram se tornar hi-tech subitamente e isso foi um desafio superado por eles”, avalia.

Sá Martino relembra que essa adaptação ao distanciamento não foi uma realidade encarada somente por parte dos idealizadores das cerimônias online, mas também pelos religiosos: “O desafio pode ter sido a velocidade da adaptação. Para alguém acostumado a participar presencialmente, viver sua crença olhando para uma tela pode ser bem complicado”, classifica.

A instituição vem enfrentando outro obstáculo: a arrecadação de dinheiro, já que o impacto financeiro foi mais uma consequência da pandemia. Mas a contribuição de benfeitores e a contenção dos gastos com o fechamento do templo contribuíram para que o templo conseguisse se manter durante o isolamento social. “Com o fechamento do restaurante, cafeterias, lojinha, cancelamento de cursos e retiros, certamente houve uma redução drástica nos valores destinados à manutenção do Templo e às obras sociais. Porém, também houve redução de despesas”, pondera Miao You.

 

Digital é tendência na religião?

De acordo com o professor, a tendência é que as instituições religiosas retornem ao modelo tradicional quando puderem. As atividades no ambiente digital provavelmente serão mantidas, mas com caráter complementar. “A experiência religiosa muda nas mídias digitais, e isso não é de hoje. Vale saber se as mudanças para o online durante a pandemia vão substituir a presença física, a proximidade e o contato com os outros”, analisa.

Medauar também acrescenta que, por ora, esse modelo segue válido. Segundo ele, essa foi a melhor saída encontrada. Entretanto, a experiência da ‘ekklesia’ ainda é muito importante: “Você tem que praticar em qualquer hora e em qualquer lugar, de modo que vale assim ou presencialmente. Mas eu acho que nada substitui o presencial”.