Consciência Negra: como a mídia molda a percepção pública? - Revista Esquinas

Consciência Negra: como a mídia molda a percepção pública?

Por Caroline Almeida, Gabriela Belchior, Maria Luiza Malafaia e Nicole Chris : novembro 21, 2023

Representatividade negra na mídia Foto: Gabriela Belchior

A elevação de vozes e exploração do impacto da representatividade negra na mídia para a construção da identidade e transformação da percepção pública

No cenário de uma sociedade caracterizada pela diversidade, o Dia da Consciência Negra se destaca como uma data de reflexão. Neste contexto, lhe convidamos ao debate sobre a questão: como as narrativas desenvolvidas pelos veículos e portais de comunicação moldam a percepção pública em relação à comunidade negra?

Refletindo a diversidade racial na mídia

Ao observar o tempo, é notória a transformação na representação da comunidade negra pelos meios de comunicação. Em épocas passadas, eram escassos os espaços destinados ao protagonismo preto.

As pessoas negras foram reduzidas a papéis secundários estereotipados, na maioria das vezes sendo ligadas a pobreza e a criminalidade. Sendo limitados a personagens menores e sem relevância, escreviam suas histórias com a ausência de sua própria narrativa de identidade racial.

Entretanto, com o avanço do tempo e da internet, as mídias sociais surgiram como espaço para que debates raciais se tornassem cada vez mais relevantes e necessários, gerando, consequentemente, uma transformação e conscientização significativa crescente dentro desses meios, seja através de páginas ou de influenciadores no meio digital.

Aos poucos, a indústria televisiva, cinematográfica e digital tem voltado os olhos para a pauta de forma que as produções se afastem cada vez mais de narrativas e personificações preconceituosas e estereotipadas.

O hairstylist especializado em cabelos cacheados e afros, William Bispo, conhecido como Manga Rosa, atua na área há mais de 20 anos. Em suas redes sociais, com mais de 20 mil seguidores, William tem como missão compartilhar seus trabalhos na intenção de elevar a autoestima da mulher negra.

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William tem como missão compartilhar seus trabalhos na intenção de elevar a autoestima da mulher negra.
Foto: Gabriela Belchior/Esquinas

Manga comenta como certos tipos de representatividade antigamente, quando não caricatas, reforçavam estereótipos sobre a população negra, o que certamente deu base e fortaleceu a construção sólida de ideais racistas na sociedade.

“Nas novelas tratavam muito os negros como bandidos, babás ou faxineiras, por não verem que os pretos podem estar em qualquer lugar e profissão”, relata William. Assim como ele, muitos foram impactados com a ausência do protagonismo negro, fato que influenciou diretamente no desenvolvimento da autoestima da comunidade, uma vez que a televisão era uma das únicas mídias presentes.

A mídia como reflexo da sociedade

A representatividade apresentada pela mídia não chegou sempre da melhor forma, pelo contrário, muitas vezes auxiliou diretamente na perpetuação do racismo estrutural.

A modelo e influencer digital de 18 anos, Yasmin Vieira, enfatiza que a representação constante de pessoas negras em papéis de violência ou criminalidade contribuem para a edificação de preconceitos.

“Você que é branco e vê uma novela que coloca os pretos nos papéis de bandidos, barraqueiros, vai dar a entender que todos que têm a pele retinta são assim. Uma criança branca vai relacionar que os pretos são ruins, e uma criança preta vai achar que não vai chegar a lugar nenhum. Nos filmes de agora são a mesma coisa, têm poucos heróis e princesas pretas, estão apenas cumprindo as cotas”, afirma ela.

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“Nos filmes de agora são a mesma coisa, têm poucos heróis e princesas pretas, estão apenas cumprindo as cotas”
Foto: Maria Luiza Malafaia/Esquinas

Essa perspectiva eleva a influência significativa que a mídia possui na formação de valores e atitudes dos indivíduos, desde a primeira infância até a fase adulta. A sociedade absorve essas representações de maneira negativa, mesmo que inconscientemente, resultando em falas e atitudes racistas.

A falta de representatividade em protagonismo positivo, como heróis e princesas pretas, continuam a alimentar a narrativa de que determinados grupos são incapazes ou não merecedores desses espaços. Assim, a mídia não vem só como um reflexo, mas também como uma arma de construção e manutenção de uma sociedade permeada por preconceitos raciais.

Representatividade e autoestima

A mídia tradicional frequentemente falha ao refletir a representatividade da sociedade. O Brasil conta com 56% da população negra autodeclarada e, apesar disso, nos meios televisivos não há tamanha diversidade, o que auxilia diretamente na construção e perpetuação do racismo estrutural.

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A influenciadora expressa que a falta de representatividade fez com que ela demorasse para entender seu lugar na sociedade. Durante a infância, percebia que quase não tinham personagens negros e, quando tinha, nunca era o protagonista. Além disso, momentos como esse a faziam lembrar que constantemente ia ao banheiro para tentar abaixar o volume de seu cabelo e que, na sua rodinha de amigas, nunca era escolhida pelos meninos.

Na opinião do hairstylist, a mídia tem culpa de muitas mulheres não gostarem dos seus cabelos, já que o padrão durante muito tempo se baseou em pessoas brancas de cabelo liso. Em sua adolescência, relata que era o único preto de sua rua e que sofria com baixa autoestima. “Falar disso mexe muito comigo. Eu tive meu momento de querer alisar o meu cabelo e ser branco”, desabafa William.

A jovem também afirma que mesmo com o papel significativo da mídia na construção da autoestima da mulher negra, o processo de auto-aceitação é singular e individual. Ela se coloca como linha de frente no propósito de se tornar uma referência para a futura geração de meninas negras.

Construindo pontes: avanços e desafios

A busca por representatividade negra na mídia envolve uma série de obstáculos em diversas esferas, que pouco a pouco terão de ser superados.

No cenário esportivo, para o ex-jogador do Corinthians, Mário Custódio Nazaré, mais conhecido como Marinho, a representatividade na mídia ainda é pouca, o que influencia de forma direta na formação dos sonhos de jovens na comunidade negra. O jogador traz o próprio exemplo contando que tinha o desejo de se tornar goleiro, mas acabou sendo pressionado a ir para a linha, pois não acreditava no seu potencial.

“Na época, tinham poucos goleiros negros e o pessoal falava que goleiro negro não vingava. Então acabei saindo do gol e indo para linha, mesmo tendo condições de me tornar profissional”, relata Marinho.

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“Na época, tinham poucos goleiros negros e o pessoal falava que goleiro negro não vingava.”
Foto: ESQUINAS/Nicole Chris

Marinho enfatiza os obstáculos enfrentados pelos negros para obter reconhecimento, ressaltando que muitas vezes são limitados ao campo esportivo, enquanto outras oportunidades em outros espaços lhes são negadas.

Ele destaca a importância e urgência da mídia em abrir espaços para a descoberta de novas personalidades e oportunidade de valorização de pessoas negras em lugares além do âmbito esportivo, derrubando o estigma de que “negro só serve para esportes”.

Para ele, uma visão mais inclusiva por parte da mídia é essencial no combate ao racismo.

A representatividade e a autoestima estão entrelaçadas de maneira intrínseca. Ao reconhecer a importância da representatividade na construção da autoestima, se abre caminho para uma sociedade mais justa, inclusiva e que celebra a riqueza da diversidade.

A jornada em direção a uma representação igualitária é também uma jornada em direção ao fortalecimento e ao orgulho das pessoas negras em sua herança, identidade e contribuições únicas.

Apesar dos avanços, persistem os desafios. A falta de representatividade em certos setores e a persistência de estereótipos exigem esforços contínuos para criar mudanças duradouras. A promoção de oportunidades para criadores negros, a abertura de espaços em todos os meios, a valorização de histórias autênticas e a conscientização sobre a importância da comunidade negra são passos cruciais para o futuro e representam parte do que o dia 20 de novembro nos faz refletir.

Editado por Daniela Nabhan

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