Estudo aponta aumento no nível de estresse e ansiedade em cerca de 61% dos profissionais de comunicação na crise sanitária
Quando se questiona jornalistas o motivo de terem escolhido essa profissão, é comum escutar frases como “sempre amei escrever”, “sou muito curioso”, “gosto muito de ouvir e contar histórias” e outras sentenças similares. Porém, nada disso passava pela mente da jornalista e pesquisadora Gabriela Oliva, quando estava no início de sua carreira e experimentando a real prática jornalística em um estágio proporcionado por uma grande empresa do ramo.
Em um certo dia, uma crise de ansiedade levou a jornalista carioca a desabafar com uma colega de faculdade sobre as condições do seu trabalho naquele período. Entre choros e uma respiração entrecortada, ela compartilhou sobre um caso de assédio que havia presenciado, a carga horária excessiva de seu trabalho e a dificuldade em conseguir dias de folga.
Os desafios dos novos jornalistas
As observações e o relato motivaram Oliva a investigar o assunto. Em 2020, a incógnita se materializou em forma de pesquisa. O estudo “Histórias Cruzadas: A saúde mental do jornalista brasileiro dentro das redações”, realizado no Instituto Brasileiro de Medicina e Reabilitação.
Então, de abril a junho daquele ano, a jornalista conversou com 21 profissionais com idades entre 22 e 82 anos, onde descobriu que os aspectos da carreira que afetam a qualidade de vida e o bem-estar mental são: as jornadas excessivas, demissões em massa, salários atrasados, assédios morais e verbais, a velocidade como um fetiche dentro da profissão, sobrecarga de funções, falta de elementos de apoio dentro da instituição jornalística, violência física, verbal e virtual, entre outros.
A pesquisa identificou que cerca de 70% dos entrevistados afirmam ter diagnóstico de transtornos psicológicos. Número que impressionou ainda mais a pesquisadora quando constatou que, dos entrevistados, 76,2% responderam que não existe um canal para tratar de saúde mental nas empresas jornalísticas. Nesse aspecto, 42,9% dos profissionais interrogados afirmaram que as instituições encaram a saúde mental como um tema regular.
Outro elemento intrigou a jornalista: “Apesar do perfil variado dos entrevistados, todos compartilham uma dor em comum: uma experiência negativa em relação à saúde mental no jornalismo, envolvendo um cotidiano de trabalho exaustivo e um ambiente profissional sem acolhimento” explicou Gabriela Oliva em entrevista para ESQUINAS.
Entretanto, o cenário que já levantava preocupação, se agravou durante a pandemia da covid-19. Dados apurados pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) indicam que 61% dos jornalistas reportaram aumento da ansiedade e do estresse desde o início da crise.
A prática jornalística na pandemia
Desde que a crise sanitária atingiu o Brasil, em meados de março de 2020, muito se falou sobre saúde mental. A recomendação dos profissionais de saúde para amenizar o medo e a ansiedade foi acompanhar o noticiário com menos frequência. Mas, como um jornalista poderia aderir essa prática?
Para redatores como Alana*, de 25 anos, que trabalha na redação de um jornal de tiragem nacional e cobre assuntos de diversas editorias, a rotina consiste em acordar cedo todos os dias para ler as notícias publicadas, com direito a finais de semana recheados de reportagens longas e outros conteúdos densos. Porém, apesar da jornalista ser uma grande admiradora da leitura, a pandemia tornou o hábito uma tarefa difícil. “Eu tenho sentido bastante a impossibilidade de me desligar do noticiário. Acredito que em outras profissões, se você não quer saber sobre determinado assunto, você pode escolher não acompanhar, mas, para nós, isso não é uma opção”, comenta.
Alana também explica que seguir essa recomendação, poderia afetar diretamente na sua relação com o trabalho: “Se eu fico um final de semana offline, me prejudica muito quando chega segunda-feira, porque não sei o contexto das notícias e não consigo produzir com rapidez”.
O jornalista Miguel*, de 31 anos, editor de todo o setor de política de uma revista de grande porte, também relata o mesmo problema. Contudo, ele pontua que a questão não é somente sobre o volume de informações, mas também sobre o teor delas: “Do ponto de vista mental você fica louco. É difícil e complicado ver o noticiário todo dia falando de gente morta e da falta de compromisso do governo, principalmente se você tem que lidar com o fato de alguém da sua família estar doente”.
O medo da morte atinge os jornalistas tanto em relação à família e aos amigos, quanto por si mesmos. De acordo com um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o Brasil é o país que registrou o maior número de jornalistas mortos por covid-19 no mundo. Foram 169 óbitos registrados de abril de 2020 a março de 2021.
Nessa questão, os profissionais acabam precisando com a sorte. Isso porque, ao contrário de Alana, nem todos puderam adaptar seu trabalho ao modelo de home office, como é o caso de Miguel.
Ele lembra que no início da pandemia estava trabalhando em uma emissora que não permitia o trabalho em casa. Ao surgir outra oportunidade, se viu obrigado a deixar sua casa, no estado de São Paulo, para se mudar para Brasília. Agora, o jornalista alega conseguir trabalhar de casa com mais frequência.
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Miguel é responsável por cobrir uma quantidade de âmbitos da política de Brasília que ao seu ver, deveriam ser apuradas por pelo menos sete pessoas. Então, devido a sobrecarga e ao isolamento, o jornalista diz que uma das coisas que mais sente falta é o ambiente da redação. “Eu saio eventualmente, mas com muito medo de ficar doente. Então saio o mínimo possível, não me encontro com colegas e tenho que viver em um turbilhão de notícias trabalhando sozinho dentro de casa. Não tem cabeça que aguente”, conta o editor.
Com o medo de sair de casa, há também a dificuldade de encontrar fontes para seus trabalhos. Estando em uma região nova, o ideal seria poder conversar com as pessoas na rua, no Senado, na Câmara dos Deputados e outros. Nesse contexto, ele afirma se sentir em desvantagem quando comparado com outros veículos de notícias, que normalmente possuem uma equipe para abordar o assunto.
Miguel explica que ao tentar trabalhar sozinho na pandemia, ele vive um dilema: “Dar um furo de reportagem ou morrer de covid-19?”. Como fruto de todas essas complicações, o jornalista afirma ter começado a fumar, dormir mal e ter abandonado a prática de exercícios físicos.
O silêncio emocional dos jornalistas
Todos os aspectos conturbados do jornalismo são selados e guardados pela questão do silêncio emocional. Apesar do estudo apontar que os danos vão dos estagiários até os editores-chefes, pouco se fala sobre essas dificuldades enfrentadas pelos jornalistas para exercer suas funções.
O medo pode ser um dos principais fatores que interferem no crescimento do debate no meio jornalístico. Ao compartilharem suas experiências, jornalistas como Miguel* e Alana* optam pelo anonimato por temerem que suas declarações possam comprometer de forma definitiva suas carreiras.
Na visão da pesquisadora Gabriela Oliva, para entender essa questão, se deve mergulhar em outros aspectos sociais: “O silenciamento emocional seria, de certa forma, uma autocensura, mas também uma limitação por fatores externos, como a nossa cultura patriarcal que se caracteriza, entre tantas coisas, pela condenação de ações e emoções”.
Nesse aspecto, a experiência de Alana parece confirmar essa declaração. “Dentro das empresas ainda é um grande tabu falar que você precisa de uns dias fora porque você não está se sentindo bem ou está ansioso. Para amigos que passaram por isso foi um grande constrangimento ter que falar da situação”, afirma a redatora.
Em uma tentativa de amenizar o mal-estar mental dos jornalistas, a pesquisadora Gabriela Oliva propõe o repensar do cotidiano das redações, para que haja uma abordagem mais empática e responsável socialmente.
Entre as possíveis medidas está a criação de um ambiente de escuta para os profissionais de comunicação dentro das empresas e workshops sobre o tema, que são fundamentais para a reeducação das instituições jornalísticas, segundo Oliva. “Para o jornalista, é importante a organização pessoal e coletiva, seja dialogando com os superiores, colegas de equipe ou associações para refletir sobre os possíveis caminhos para a melhoria das condições de saúde e trabalho na profissão”, conclui a pesquisadora.