Dia da Imprensa: “É preciso ter coragem, força e vontade para ir à rua”, diz repórter da Globonews - Revista Esquinas

Dia da Imprensa: “É preciso ter coragem, força e vontade para ir à rua”, diz repórter da Globonews

Por Isadora Costa, Julia Bonin e Lorena Lindenberg : junho 1, 2022

Foto: The Climate Reality Project/Unsplash

Após recorde de ataques à imprensa no último ano, jornalistas relatam os principais desafios da profissão no Brasil atual

Não existe ao certo uma data para o surgimento da imprensa no mundo. A comunicação sempre esteve presente, mas foi por volta do século XV que o jornalismo começou a se consolidar da forma que conhecemos através da invenção da máquina de imprensa por Gutenberg, que trouxe uma mudança na forma de se pensar e fazer jornalismo. Por meio dela, a disseminação da informação ficou muito mais fácil, panfletos e escritos passaram a ser impressos, alcançando, assim, uma parte maior da população.

Desde então, a sociedade se transformou e, consequentemente, o jornalismo também. O surgimento de novas ferramentas, como a internet, mudou não só a comunicação, mas as relações sociais, incluindo a opinião pública sobre o papel da imprensa nos dias atuais.

Ataques à imprensa

A FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) é uma entidade que visa a defesa do jornalismo, bem como da liberdade de imprensa e da democracia. Desde a década de 1990, a instituição realiza o Relatório Anual da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, pesquisa que coleta dados de denúncias feitas aos sindicatos de jornalistas e à própria federação.

O relatório de 2021, indicou mais um recorde no número de casos de violência direta contra jornalistas e ataques aos veículos de comunicação. Apesar do crescimento em relação ao ano de 2020, a curva ascendente desses ataques ainda preocupa os profissionais da área.

A censura e a descredibilização da imprensa foram as categorias mais recorrentes, totalizando 430 casos registrados no período de um ano. A violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa também bateram recorde, com 140 episódios de censura e 58 agressões verbais e ataques virtuais.

Além disso, a televisão ocupa o segundo lugar no ranking de violência por tipo de mídia, ficando atrás somente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) — empresa pública federal que aglutina diferentes mídias, como TV, rádio, site e agência de notícias e contou com 138 casos de censura em 2021. Na televisão, foram registrados 94 casos de agressão direta de jornalistas.

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Gráfico produzido pela FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas.
Reprodução / FENAJ

Risco iminente

No dia 12 de maio de 2022, a repórter Paula Araújo e a repórter cinematográfica Patricia Santos sofreram uma tentativa de atropelamento enquanto gravavam o programa “Em Pauta”, da Globonews. Em entrevista para ESQUINAS, Patricia conta que ficou apavorada.

Ela e a colega gravavam um link ao vivo na Avenida Cupecê, zona sul de São Paulo, quando um carro parou no semáforo e o motorista verbalizou ofensas e aumentou o som do carro em uma tentativa de impedir a repórter de falar. Patricia revela que “a orientação é sempre ignorar”, e foi o que elas tentaram fazer. No entanto, quando menos esperavam, o carro avançou de ré sobre a calçada e, por pouco, não atingiu as jornalistas. Apesar de estarem concentradas devido ao trabalho e aos fones que utilizavam no momento, Patricia conseguiu perceber o avanço e alertou Paula para que ela saísse a tempo.

A dificuldade de separar o profissional da emissora foi o principal motor do ataque, que foi o terceiro episódio de violência contra profissionais da Rede Globo em São Paulo ocorrido nos últimos sete meses. Além da violência física, Patricia conta que também sofreu ataques virtuais. O caso repercutiu entre profissionais da área, que pediam mais segurança no trabalho, e ela postou opiniões nas redes sociais, onde recebeu mensagens culpabilizando ela e a emissora pelo ataque. “Eles não enxergam você como um profissional, e sim através da ideologia da empresa, que nesse caso é a Globo. A gente é sempre atacado na rua”. A repórter ainda indica que a empresa está proporcionando cursos de proteção para os profissionais do jornalismo e que “é preciso ter coragem, força e vontade para ir à rua”.

Assim como Patricia, vários outros jornalistas passam por situações parecidas todos os dias. Débora Lopes, repórter do The Intercept Brasil, diz que é necessário proteger o emocional e a vida pessoal o máximo possível. “Os ataques feitos à imprensa nos últimos anos são lamentáveis. Eles partem do mesmo grupo que nega a ciência e põe em xeque a democracia. Para eles, é importante desvalorizar o trabalho jornalístico. Para isso, eles recorrem a todo tipo de desinformação, mas principalmente ao ódio e ao descrédito como ferramentas.”, afirma a jornalista.

Além disso, Débora conta que se preparar para a repercussão das reportagens é importante, pois os jornalistas tornam-se alvos fáceis tanto nas redes sociais quanto nas ruas. “Ser jornalista no Brasil, hoje, é saber que você pode ser xingado, agredido, ter seus dados pessoais vazados, ter sua vida e da sua família ameaçadas. Isso já aconteceu comigo e com inúmeros colegas de profissão”, completa.

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Falta de regulamentação da imprensa

Pode-se perceber também, com o passar dos anos, uma crescente falta de regulamentação da profissão. Um exemplo dessa insuficiência seria a escassez de um conselho de jornalistas. Analisando tal situação, Franklin Valverde,  presidente do conselho de ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), reitera que, embora exista uma comissão de ética que cuida dos ataques contra a imprensa, ela não possui a capacidade de realizar fiscalizações.

Somada a essa questão, o órgão é vinculado a sindicatos e também não possui pleno poder de agir e tomar medidas efetivas contra tais ataques. Ele ainda afirma: “A pena máxima que se pode dar para alguém que infringe o código de ética do jornalismo é a expulsão do quadro do sindicato. Se o jornalista em questão não está sindicalizado, então a medida é completamente ineficaz.”

Assim, é inexistente um conjunto profissional de membros periodistas os quais consigam gerenciar melhor as crises vividas pelos profissionais. “Não temos um conselho de ética, temos uma comissão de ética. Seria bom se tivéssemos um conselho, algo profissional. Isso ajudaria muito na defesa da profissão e na ética da prática profissional”, afirma Valverde.

A não-obrigatoriedade de um diploma de jornalismo para exercer a profissão é outro ponto que corrobora para a desvalorização da imprensa, segundo o presidente do conselho de ética do SJSP: “No Brasil, depois que a exigência de diplomas específicos parou de ser necessária, o jornalismo virou ‘campo de qualquer um’, e isso afeta demais a qualidade profissional do jornalismo exercido no país”.

A repórter Patrícia dos Santos crê que a internet teve um papel fundamental no estímulo da descredibilização do setor: “A credibilidade que existia antigamente no jornalismo foi quebrada pela internet, porque há uma impressão de que todo mundo pode falar e dar notícias”. Para ela, o diferencial do jornalista é o compromisso com a verdade, e é isso que o torna tão essencial na sociedade.

Editado por Nathalia Jesus

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