Todo produtor de conteúdo é jornalista? Entenda - Revista Esquinas

Todo produtor de conteúdo é jornalista? Entenda

Por André Taheiji, Clarissa Palácio e Isabela Tumolo : abril 27, 2022

Foto: Austin Distel

Internet torna difuso o limite entre produtor de conteúdo independente e jornalista; saiba como o jornalismo pode se posicionar no contexto de plataformas

Quais são, afinal, os limites entre ser um jornalista e um produtor de conteúdo? A internet facilitou não apenas a disseminação e o acesso à informação, mas também a produção de conteúdo de diversas modalidades. Nesse contexto, será que todo influenciador ou produtor de conteúdo independente compartilha informações de rigor jornalístico? A internet evoluiu muito desde sua popularização e incorporou diversas tecnologias. Facilitou-se demais, por exemplo, a criação de um veículo de comunicação em pouquíssimos cliques – seja um blog, podcast ou canal do youtube, entre outros -, o que transforma radicalmente o jornalismo em formato, significado e sentido. 

Ainda que seja uma discussão densa, a mais imediata das consequências dessa delimitação nebulosa já se mostra preocupante para democracias em todo o mundo: a desinformação. Hoje em dia, qualquer um que queira ligar seu microfone, câmera ou digitar algumas palavras já passa a disseminar informações na rede e, se assim pretender, pode até mesmo constituir um veículo formal de notícias. Com essa facilidade, cresce também a quantidade de informações desencontradas – mal redigidas, apuradas ou deliberadamente mentirosas – veiculadas nessas mídias: um levantamento feito pela associação Avaaz, uma popular plataforma para mobilização social global através da internet, mostra que 7 em cada 10 brasileiros se informam pelas redes sociais e 62% já acreditaram em alguma notícia falsa.  

O cenário apontado pelo relatório da Avaaz pode levar ao pessimismo – a produção de conteúdo independente, entretanto, pode transmitir informações de extremo rigor jornalístico, ainda que os responsáveis não sejam formados na área. É o caso do Xadrez Verbal, podcast de geopolítica e história que é um dos mais populares do gênero no Brasil. Matias Pinto, fundador do programa e historiador, diz que exercer o papel de jornalista não demanda necessariamente um diploma. “No podcast, a gente realiza um trabalho jornalístico, apesar de nós não sermos da área. Sempre colocamos isso de forma bastante aberta”, afirma.  

Formação e compromisso

O Xadrez Verbal, apresentado por Matias, Filipe Figueiredo e Atila Iamarino, está há 7 anos no ar e se manteve em evidência mesmo quando a popularidade dos podcasts no Brasil ainda era tímida. Para Pinto, a difusão pela internet diversifica as vozes na esfera pública e representa uma alternativa aos meios mais antigos: “O podcast surge para democratizar o debate político Na minha área [política internacional], vejo que novas vozes se inserem na discussão a partir de podcasts, o que acaba justamente dando espaço para novos interlocutores — fugindo, assim, do escopo da mídia tradicional”. 

Tomás Chiaverini, fundador do podcast Rádio Escafandro, é jornalista de formação e traz uma perspectiva distinta sobre o tema. Para Tomás, a atuação do jornalismo na produção de conteúdo não se altera nem em forma, nem em conteúdo. “Eu acho que a função do jornalista, a princípio, não muda. Continua sendo jogar luz, trazer informação e informação de qualidade — bem apurada, com vários lados escutados, checagem de informação e várias fontes confiáveis”, afirma o podcaster. 

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Ainda segundo Chiaverini, a convivência entre produção de conteúdo independente na web e mídias tradicionais leva a uma competição pautada sobretudo pela qualidade da informação disseminada. “Um dos grandes desafios do jornalismo hoje é mostrar que ele é diferente, sendo uma fonte mais confiável que o ‘tiozão do zap’. Inclusive, esse é um movimento que a gente tem feito como produtores independentes de conteúdo”, complementa o jornalista. 

Responsabilidade da informação

Em contrapartida, profissionais dos meios tradicionais de comunicação apresentam uma maior resistência quanto à relativização do jornalismo. Phelipe Siani é jornalista e, hoje em dia, atua como apresentador na CNN Brasil, já tendo trabalhado como repórter e âncora de diversos programas na TV Fronteira, SBT Brasília e TV Globo São Paulo. Para ele, “o jornalismo vai muito além de disseminação de informações. O tratamento irresponsável desse conteúdo, porém, é danoso para a sociedade como um todo”. 

Independente da formação do profissional ou da mídia selecionada para fazer o compartilhamento das informações, a responsabilidade com dados verídicos e informações bem apuradas é essencial para a criação de uma comunicação democrática e socialmente confiável. Quem se propõe a fazer jornalismo em uma perspectiva contrária a esses princípios, como bem assinala Siani, pode prejudicar toda a sociedade.   

Para Tomás Chiaverini, a desinformação “é uma situação com a qual sempre tivemos que lidar. Sempre tivemos o jornalismo mal feito, sensacionalista, mal apurado – a diferença é que agora a quantidade é muito grande. Mas, de novo, a gente tem que continuar batendo nesta tecla de que a origem, a fonte, é importante”. Para Phelipe Siani, o jornalismo não se distingue pela responsabilidade da comunicação, uma vez que a natureza da profissão não comporta informação de teor deliberadamente enganoso. “Em linhas gerais, se é irresponsável de fato é qualquer coisa, menos jornalismo. E isso não pode existir num veículo que se diz responsável”, ressalta o apresentador. 

Um levantamento realizado pela Globo com o Ibope mostra que 57% dos brasileiros ouviram ao menos uma vez um episódio de podcast, sendo a modalidade que mais cresceu durante a pandemia. A facilidade na produção, em razão do formato de áudio, coloca essa mídia como um bom exemplo da produção de conteúdo flexível no contexto digital. A facilidade na disseminação de informação, como vimos, apresenta riscos pela escala do alcance nas plataformas.

Não apenas os produtores, contudo, têm responsabilidade: uma regulação pode partir dos próprios usuários, que devem se atentar ao tipo de informação que consomem e se ela está de acordo com o código de conduta adequado. O media literacy, isto é, a alfabetização midiática, pode ajudar também a policiar as condutas de outros veículos – mesmo os tradicionais -, que estão também sujeitos a cobranças por transmitir informação de forma responsável. Essencial mesmo, portanto, é discutir os papéis do jornalista em relação à sociedade e que tipo de qualidade desejamos para a informação que circula em massa.

Editado por Juliano Galisi

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