Mídia impressa entra em queda na região metropolitana de São Paulo e jornais são obrigados a fechar ou se manter apenas online
Há quanto tempo você não pega em um jornal impresso? Não é incomum, ao perguntar para parentes mais velhos, ouvir que passavam um bom tempo pela manhã lendo as notícias. Na região metropolitana de São Paulo, não poderia ser diferente. Maior centro econômico do país, onde habitam mais de 20 milhões de pessoas, essa região faz parte da história da mídia impressa, com jornais conhecidos nacionalmente.
A região viu o surgimento de grandes jornais, como o Diário do Grande ABC (Santo André, com cobertura de todo o ABC), o Correio Paulista (Osasco) e o Folha Metropolitana (Guarulhos), essenciais para a difusão de informação e urbanização de suas respectivas cidades. Estes três, hoje, são vistos como relíquias, já que grande parte dos jornais impressos da região metropolitana de São Paulo entraram em decadência nos últimos anos. Muitos faliram, como o Diário do Comércio, Jornal da Tarde e o Notícias populares.
Jornais impressos em queda
A decadência dos jornais impressos começa entre o fim da década de 1990 e início dos anos 2000, com o avanço da internet. Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE, confirma o fato: “O desaparecimento ou a redução no número de jornais impressos está diretamente relacionado às inovações tecnológicas e ao avanço da digitalização. Há também questões relativas a custos de produção, cadeia logística e, principalmente, a concorrência com as mídias digitais e o caráter instantâneo da disseminação de informações.”
Com a enorme variedade de meios de informação que temos atualmente, e, principalmente com as redes sociais desde meados de 2010, os jornais impressos vão perdendo seu lugar. Segundo o projeto Mais Pelo Jornalismo, 2.352 mídias jornalísticas fecharam no Brasil de 2014 a 2024. A facilidade em se ler uma notícia pelo celular – ou até mesmo ouvir -, sem ao menos precisar sair de casa, atrai as pessoas, em especial os mais jovens.
As questões financeiras também entram em cena quando se fala da queda dos jornais impressos. Segundo a BrasilGaf, gráfica que atua na região metropolitana de São Paulo, para se imprimir um jornal com 12 páginas, o custo é de quase R$2.000,00 a cada 5 mil unidades, valor que pode variar a depender do tipo de folha usada e estilo do acabamento. Segundo o mídia kit de jornais regionais, um anúncio no impresso pode variar entre R$100 e R$1000. Isso é, para que o veículo possa imprimir uma tiragem, eles precisam de, pelo menos, dois grandes anúncios todos os dias.
Júlio Leal, dono do Portal Opinião, de Barueri, sentiu na pele a dificuldade em relação aos valores de impressão de jornais “por conta da internet, o número de anunciantes caiu exponencialmente, o que dificulta a impressão de jornais, o custo não é baixo; as notícias se tornaram frias e desinteressantes.” Hoje, o Portal Opinião atua somente no on-line.
Em 2020, com o início da pandemia de Covid-19, a crise da imprensa local na Região Metropolitana de São Paulo se intensificou. De acordo com o portal Atlas da Notícia (Projor/Volt Data Lab), 98 veículos jornalísticos locais encerraram suas atividades na Grande São Paulo entre 2020 e 2023 — a maioria deles, jornais impressos. O Lockdown reduziu o tráfego urbano em todo país, o que prejudicou a venda dos jornais impressos e inviabilizou a distribuição de jornais gratuitos. Com a economia em crise, muitas bancas fecharam, temporariamente ou definitivamente, e equipes editoriais locais foram desmobilizadas.
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Há chance para os impressos?
Atualmente, a distribuição de veículos jornalísticos impressos se faz de maneira desigual pela Região Metropolitana de São Paulo. De acordo com o Atlas da Notícia, de 80% a 90% dos jornais da Região Metropolitana de São Paulo estão concentrados na capital, enquanto o restante do território apresenta uma cobertura limitada e que sofre pela completa ausência de informação local, formando os desertos de informação ou então os quase desertos, representados por municípios como Embu das Artes, que observa a maioria das redações da cidade fechar.
Por conta da lacuna de informação deixada pelos veículos jornalísticos tradicionais, surgiram muitos dos portais de notícias online e, hoje, eles representam o principal meio de informação dos moradores da região. Devido aos custos mais baixos para produção e veiculação das matérias, além de dispersão e possibilidade de atualizações instantâneas, o formato digital tem ganhado cada vez mais público, o que torna a mídia impressa menos competitiva. Esse fato fez com que muitos dos veículos que originalmente tinham tiragens, migrassem definitivamente para o formato online, principalmente após a pandemia.
Leal não vê futuro na mídia impressa e chega a dizer que os jornais “vão sucumbir diante da tecnologia e praticidade das redes sociais.” Jefferson Mariano também cita o uso de aparelhos móveis como um dos fatores que têm influenciado na diminuição dos veículos impressos, mas faz uma ressalva: “Atualmente no Brasil, de acordo com a Pnad Contínua, quase 97% dos domicílios possuem telefones celulares. Esse avanço fez com que parcela expressiva da população passasse a ler e receber informações por meio desse mecanismo.”
É necessário destacar que, por conta das singularidades demográficas e territoriais do Brasil, jornais digitais se mostram muito mais democráticos que os impressos, por conseguirem chegar a um território e população mais abrangente, de forma gratuita. Além disso, por precisarem de um tempo de edição maior, os jornais impressos acabam em desvantagem quando comparados aos online, já que não conseguem acompanhar o ritmo de produção de seus concorrentes.
Segundo pesquisa realizada pelo Atlas da Notícia, em 2023, pela primeira vez, o número de portais de notícias online superou o impresso, tornando-se a principal forma de se consumir informações em São Paulo: 35% online contra apenas 29% impresso.
Mas, para quem ainda prefere ler o jornal em papel, nem tudo está perdido. Apesar da praticidade oferecida pelo digital, o jornalismo impresso também tem se reinventado. A fim de resistir à migração para o modelo online, de veículos mais tradicionais, como Folha de São Paulo, O Globo e Estadão, até aqueles conhecidos apenas regionalmente, passaram a apostar em três estratégias principais: conteúdo nichado, cobertura comunitária e produtos mais aprofundados com análises profissionais.
Pesquisas recentes, realizadas pela ANJ (Associação Nacional de Jornais), apontam que o público tende a aumentar seu nível de engajamento conforme o produto consumido seja mais nichado ou corresponda a interesses próprios de sua comunidade. Esse vínculo é essencial para a sobrevivência de uma empresa, já que é ele quem determina o tamanho do mercado consumidor do produto, além de também servir de métrica para patrocínios e publicidades.
O engajamento no jornalismo é demonstrado de forma diferente em veículos impressos e digitais. A simples interação com o conteúdo online através de um comentário ou curtida é o suficiente para que a adesão do público com um veículo se revele. Essa conexão é facilmente mensurada e acontece em tempo real.
Quando se trata de uma mídia impressa, o único dado que a empresa dispõe é a quantidade de jornais vendidos. Logo, a fidelidade com o jornal é o principal meio de dimensionar o seu público. Em veículos comunitários, que abordam temas que fazem parte do cotidiano de uma comunidade específica, outra marca de conexão são as recomendações, meio que não pode ser aferido, mas que aumenta potencialmente o nível de envolvimento da comunidade com o jornal.
Produzir um conteúdo nichado, que abranja temas regionais e ofereça riqueza de detalhes, estabelece um vínculo instantâneo com o público, aumentando o engajamento do jornal e construindo uma comunidade própria. Atualmente, muitos jornais de fora da capital paulista utilizam dessa tática para resistirem à extinção do formato impresso, como é o caso do Jornal de Barueri (Barueri), Jornal da Cidade (Arujá) e o Jornal Primeira Impressão (Caieiras).
Outra forma de se enfrentar o avanço da mídia digital é investir em conteúdos bem apurados, aprofundados e com análises. Apesar de esses serem passos básicos do jornalismo profissional, não é a prática adotada por muitos dos portais de notícias online. Uma redação que tenha como princípio a produção voltada à boa execução do jornalismo, a longo prazo, constrói maior credibilidade e, com isso, também passa a criar conexão com seu público, o que faz com que o veículo sobreviva à nova realidade que é a publicação digital.