Crise na aldeia yanomami: Garimpo ilegal e as consequências do colonialismo interno - Revista Esquinas

Crise na aldeia yanomami: Garimpo ilegal e as consequências do colonialismo interno

Por Amanda Paviliao, Gabriel Alvarado, Gustavo Bucchi, Murilo Frota, Thiago Sangiacomo : julho 24, 2023

A violência, é claro, recai em dobro no corpo feminino indígena/Foto: Mídia Ninja

Desde fome, doenças e perdas de território, o avanço do garimpo ilegal no Governo Bolsonaro deixou graves consequências para aldeia yanomami

Nos últimos tempos, manchetes jornalísticas e manifestações em redes sociais sobre a situação da aldeia yanomami ganharam destaque no cenário sócio-político brasileiro. Os casos são graves, com diagnósticos de desnutrição, malária e doenças respiratórias que cercam a região e, por consequência, colocam o povo em risco de vida. Foram mais de 570 mortes infantis no período de 4 anos, sendo 99 delas somente no ano passado. 

A causa dessa crise já foi desvendada por cientistas e tem um nome bem claro: garimpo ilegal. A partir dos últimos anos, sobretudo 2022, o garimpo ilegal, que busca por metais preciosos nas terras, avançou na área onde vivem os yanomamis e deixaram, com isso, muitas decorrências negativas. Para começar com a grande quantidade de homens invasores, que de acordo com o Ministério Público Federal, as terras foram invadidas por mais de 20 mil que trabalham com o garimpo. É realmente um número muito alto se considerarmos que a população yanomami é composta por 30 mil indígenas. Não dá para competir. 

Mas, além da invasão, o garimpo espalha pelas aldeias outros problemas sérios, como a contaminação das crianças por mercúrio, o que gera nas crianças indígenas sintomas graves como pneumonia, diarreia, queda de cabelo e até mesmo a morte. A amamentação dos bebês, inclusive, também passa a ser arriscada, uma vez que a infecção é transmitida pelo leite materno. 

Esse mesmo uso do mercúrio também contamina os solos, o que deixa a terra improdutiva para agricultura e mata peixes no rio. Os animais terrestres, que por ali viviam, hoje já fugiram para as redondezas em busca de outro território. Assim, os casos de desnutrição e morte por fome aumentam e tomam conta da aldeia. 

A violência, é claro, recai em dobro no corpo feminino indígena. Há relatos que mais de 30 mulheres estariam grávidas, vítimas de estupro por garimpeiros em Roraima. Todos estes relatos foram comunicados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) em uma reunião realizada em conjunto com o governo federal. 

Yanomami: descaso do governo anterior e mudanças

De acordo com um levantamento realizado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e Associação Wanasseduume Ye´kwana em 2021, foi constatado um aumento de 30% no garimpo ilegal na Floresta Amazônica durante o ano de 2020, período marcado pela pandemia do coronavírus. O estado de emergência de saúde pública, declarado pelo Ministério da Saúde em janeiro de 2023, pode ser resultado das ações do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O governo de Jair Bolsonaro enviou cartas à ONU garantindo que o povo Yanomami estaria sendo cuidado e que projetos estariam em andamento para melhorar sua saúde. No entanto, essa realidade contrasta totalmente com o que estamos testemunhando atualmente, com fome e doenças sufocando os Yanomamis. 

Contudo, no final de 2022, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal fizeram uma operação contra suposto esquema de desvio de medicamentos para crianças Yanomamis. As investigações apontaram que 10 mil crianças ficaram sem remédio, tendo apenas 30% de remédios entregues para a população local, desviando cerca de R$600 mil.

Ainda em contraponto, segundo o Ministério Público Federal em relatório divulgado em janeiro deste ano, foi relatado “grave situação” dos Yanomamis devido a omissão do estado, citando cobranças feitas por eles ao governo federal entre durante os anos de 2019 a 2022. Outro ponto destacado pelo Ministério Público foi o projeto de lei que visava legalizar a exploração mineral e de recursos hídricos nas terras indígenas. 

A má relação entre Jair Bolsonaro e os povos indígenas não é algo recente. Já em 1993, quando ainda era deputado, Bolsonaro propôs o fim das terras Yanomamis, alegando que o local era “rico em madeiras nobres e metais raros”. Na visão dele, a existência da área era inconstitucional por “criar distinções entre brasileiros” e impedir a exploração dos recursos naturais presentes na região. Os quatro anos de seu governo apenas destacaram e agravaram todos esses acontecimentos.

O relato do governo entra em contraste direto com as chocantes imagens que circularam pelo mundo, retratando crianças indígenas sucumbindo à fome. O Ministério de Saúde decretou emergência de saúde pública no local, ao todo mais de 1000 pessoas morreram em terras Yanomamis durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Agronegócio e garimpos ilegais 

O maior beneficiário desse descaso do governo com os indígenas foi o agronegócio, que cresceu seu PIB em 8,3% em 2021, atingindo seu maior índice em quase 20 anos. O número de garimpos também decolou no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a área desmatada saltou de 48,72km² em 2017 para 114,27km² em 2021. 

Esse mesmo agronegócio, um grande pilar da economia brasileira, é um dos geradores do garimpo ilegal na região. Em uma comparação entre 2020 e 2021 feita pelo Relatório de Anual do Desmatamento no Brasil, as duas regiões que mais sofreram desmatamento são os mesmos locais que rapidamente depois são transformados em commodities agrícolas, especulação fundiária e pasto. 

Em tese, as gigantes empresas do agronegócio bloqueariam a compra de gado feita por garimpeiros ilegais. No entanto, as investigações da Polícia Federal (PF) e de ONGs já conseguem comprovar que grande parte das empresas compra mesmo dentro da ilegalidade ambiental. Em 2021, por exemplo, foi feita uma auditoria do Ministério Público Federal (MPF) cujas pesquisas concluíram que um terço do gado comprado pela JBS, no Pará, teve suas áreas derrubadas ilegalmente. 

Ainda assim, os avanços para proteção das terras indígenas são lentos e, mesmo que seja feito, é difícil reverter a situação ambiental. Suas urgências são pouco ouvidas pelo governo não só agora, mas desde sempre. De acordo com Renata Albuquerque, Supervisora do Laboratório de Relações Públicas e Opinião Pública e Professora Associada na Fundação Cásper Líbero, “os indígenas são vistos como se fossem um outro na humanidade”

Mudanças no comportamento com os indígenas 

A crise que assola essas comunidades levou a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a denunciar veementemente o abandono dos povos tradicionais por parte do atual presidente Jair Bolsonaro. 

De fato, não é um assunto tão presente na grande massa. Mas será que caso fosse, as atitudes do antigo governo seriam iguais? A doutora Renata Albuquerque traz a sua visão sobre o caso; “Primeiro que eu tendo a achar que num contexto atual, ainda é difícil de imaginar que cenário é esse de comoção, da opinião pública, de uma comissão efetiva da opinião pública em relação à questão indígena, porque os problemas que os povos indígenas enfrentam são geralmente pensados enquanto problemas dos povos indígenas, não enquanto problemas do Brasil.”

Ela defende que sempre que tratamos de assunto envolvendo povos indígenas, falamos como se fossem outra realidade:

“A mídia estava tratando desse assunto como se fosse uma questão dos salvem os Yanomamis e não o Brasil. Não é o Estado que está quebrado, o Estado está funcionando perfeitamente bem, só não está dando conta do Yanomâmis. O que pra mim, né? Me parece um pouco estranho.”

Em maio deste ano, o Governo Federal reforçou o combate ao garimpo após novos ataques às terras Yanomamis. Desde a chegada do presidente Lula ao poder foram destruídos 327 acampamentos de garimpeiros, 18 aviões, 2 helicópteros, centenas de motores e dezenas de tratores, balsas e barcos.

As terras Yanomamis também são frequentemente visitadas pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que afirmou recentemente que a situação dos Yanomami só irá ter fim quando os garimpeiros forem retirados do local.

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Colonialismo interno

O termo “colonialismo interno”, cunhado pelo sociólogo Rodolfo Stavenhagen, descreve a opressão e exploração que ocorre dentro de um país entre grupos étnicos, culturais ou regionais distintos. Essa dinâmica de poder estrutural de dominação resulta na marginalização de certos grupos dentro de seu próprio território, sendo tratados como cidadãos de segunda classe e enfrentando discriminação, desigualdades socioeconômicas e restrições em relação a seus direitos civis e políticos.

Tendo  isso em mente, a invasão das terras dos Yanomamis para o garimpo ilegal é um exemplo flagrante de colonialismo interno. Este conceito se aplica nesse contexto pois envolve a dominação e exploração de um grupo étnico e cultural por outro grupo dentro do mesmo país, resultando em consequências devastadoras para a aldeia Yanomami.

A presença massiva de garimpeiros ilegais evidencia a desigualdade de poder e a opressão sofrida pelo povo indígena. A violência contra as mulheres indígenas é outro aspecto alarmante, já que essa violência evidencia a opressão e a marginalização que as mulheres indígenas enfrentam, reforçando a dinâmica de poder desigual presente nesse contexto de colonialismo interno.

O descaso do governo anterior, sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro, em relação aos povos indígenas e o estímulo ao agronegócio contribuíram para a intensificação do garimpo ilegal e a degradação das terras yanomamis. A falta de medidas efetivas para conter a invasão e proteger os direitos e o território dos Yanomamis demonstra a perpetuação do colonialismo interno, onde as necessidades e demandas dos povos indígenas são negligenciadas em prol dos interesses econômicos e políticos de outros grupos.

A mudança de governo, com a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, trouxe uma postura mais firme no combate ao garimpo ilegal e na proteção das terras yanomamis. A destruição de acampamentos de garimpeiros e a implementação de medidas de fiscalização são exemplos de ações que visam mitigar os danos causados pelo colonialismo interno. No entanto, a situação requer esforços contínuos e uma abordagem mais abrangente para enfrentar as raízes profundas desse problema e garantir a preservação dos direitos e da cultura dos Yanomamis.

Editado por Mariana Ribeiro

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