Easie: imigrante haitiano procura melhores condições no Brás - Revista Esquinas

Easie: imigrante haitiano procura melhores condições no Brás

Por Eduarda Vieira e Raphael Miras : agosto 10, 2023

Créditos: Reprodução/ Eduarda Vieira

Conheça Easie, imigrante haitiano que busca melhores oportunidades e atua como vendedor de roupas no Brás

Na região do Brás, em uma rua movimentada da cidade, o sol brilha intensamente, iluminando as cores vibrantes dos estandes ambulantes. Pessoas caminham apressadas, enquanto outras se distraem observando uma variedade de produtos exibida ao longo da calçada. Um estande com calças expostas em um estilo único nos chamou a atenção, e, curiosos, resolvemos nos aproximar. Logo encontramos Easie, um  haitiano de 30 anos que cuidadosamente organizava as roupas em diferentes pilhas. Ele nota nossa expressão de interesse e se aproxima sorrindo amigavelmente, nos mostrando os mais diferentes tipos de calças e nos auxiliando a encontrar algo que se adequasse ao nosso estilo e tamanho. Enfim, nos afastamos com a sacola, com a sensação de que aquela compra não apenas acrescentaria no guarda-roupa, mas também apoiaria um talentoso haitiano empreendedor.

Assim como Easie, diversos estrangeiros vão para outros países, incluindo o Brasil, encontrando na venda de roupas uma possibilidade de sustento e independência financeira. A grande maioria trabalha em estandes ambulantes localizados em áreas movimentadas da cidade, mercados locais ou até mesmo em suas próprias lojas físicas. Além disso, alguns deles também utilizam as redes sociais para potencializar o comércio e, portanto, atingir um público mais amplo, contribuindo assim para a diversidade cultural e o  enriquecimento das opções de moda na comunidade local. Ademais, existem aqueles que aproveitam a oportunidade de compartilhar a cultura do seu país e promover o entendimento da herança haitiana.

Apesar das dificuldades financeiras e das limitações educacionais, constantemente esses estrangeiros imigraram ao Brasil com o objetivo de mudar a qualidade de vida e buscar novos conhecimentos que possam aprimorar suas habilidades. Easie é um belo exemplo disso. Ele chegou em território brasileiro no início de 2023 e inicialmente foi acolhido pela Instituição Missão de Paz, localizada no bairro da Liberdade, onde recebeu abrigo, alimento, aulas de língua portuguesa e auxílio para tirar os documentos. No terceiro mês, conseguiu um emprego temporário como auxiliar de limpeza do estádio do Corinthians, mas, infelizmente, não durou tanto tempo. Assim, foi necessário procurar novas oportunidades, até que, com o auxílio dos frequentadores da igreja da Paróquia Nossa Senhora da Paz, Easie conseguiu juntar algumas peças de roupas e foi até a região do Brás a fim de vendê-las.

Atualmente, ele se juntou com outros dois amigos, e, juntos, estão impulsionando o comércio de roupas. Sua principal meta é arrecadar dinheiro para trazer seu filho de 4 anos e sua esposa que está em sua cidade natal, Porto Príncipe.

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Embora tenha o crioulo haitiano como língua materna, Easie já demonstra conhecimento básico do português, tendo realizado cursos de idiomas e participado de aulas de integração oferecidas pela comunidade local. Ele está sempre se empenhando em melhorar sua fluência no idioma, para se comunicar de forma mais eficaz e aproveitar as oportunidades disponíveis.

Seu interesse pelo estudo é notável. O vendedor tem o sonho de cursar contabilidade, mas, com mensalidades caras, o desejo se tornou inalcançável por agora. Mesmo com inúmeras responsabilidades, ele ainda  reserva um tempo para estudar para o ENEM. Easie diz ter facilidade com as matérias, porém a falta de domínio da língua portuguesa na hora da redação o preocupa. Apesar disso, o haitiano segue a fim de aprimorar suas habilidades e se qualificar para posições mais especializadas.

Ele ainda ressalta o quão difícil é a distância entre a família, que se comunica por telefone. Desde que teve que partir para o Brasil em busca de melhores oportunidades, sua esposa e filho ligam frequentemente demonstrando saudade, carinho e preocupação. Eles sempre foram muito próximos e cuidadosos uns com os outros, e, apesar do afastamento, esse afeto não mudou.

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A haitiana Phahidra com o smartphone em uma chamada transnacional. O aparelho ajuda a reduzir distâncias entre famílias que vivem em países distintos.
Foto: Rafaela Etchebere

A esposa está recentemente desempregada, assim como diversas mulheres haitianas que enfrentam desafios significativos quando se trata de participação no mercado de trabalho. Easie diz que a desigualdade de gênero é uma questão predominante no Haiti, e que em algumas cidades normas culturais limitam as opções de trabalho, uma vez que espera-se que as mulheres desempenhem papéis tradicionais de cuidadoras da família e do lar. Mas, apesar desses obstáculos, elas demonstram resiliência e determinação quando conseguem ingressar no ramo, encontrando maneiras de se envolver em atividades empreendedoras, trabalhos informais e pequenos negócios que possam sustentar a família. Além disso, desempenham um papel importante em setores como agricultura e comércio local, mostrando habilidades e talentos notáveis que contribuem para o desenvolvimento de um país melhor.

Ainda, ele comenta sobre os desafios socioeconômicos do país, como altos índices de pobreza e a falta de infraestrutura, que afetam a disponibilidade de empregos e oportunidades para toda população. De acordo com dados do Banco Mundial, mais de 60% dos haitianos vivem  abaixo da linha da pobreza, com mais de 24% vivendo em extrema pobreza. A falta de oportunidades econômicas e emprego formal é um desafio significativo. Easie diz que desde pequenos eles são ensinados a sair do país de origem, uma vez que o acesso limitado a recursos básicos, como água potável, alimentos, moradia adequada, serviços de saúde e educação de qualidade contribuem para uma situação precária no Haiti. A miséria é multifacetada e está ligada a uma série de fatores, incluindo desigualdade socioeconômica, instabilidade política, desastres naturais e a falta de infraestrutura adequada.

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Mulheres haitianas trabalhando em conjunto em um mercado de bairro.
Foto: David Snyder

Os desastres naturais, como terremotos e furacões, foram muito mencionados por Easie, pois, de acordo com ele, são um dos principais fatores que contribuem para a agravação da situação de pobreza no Haiti. Localizado na região do Caribe, o país está situado em uma zona sísmica ativa, tornando-o propenso a abalos sísmicos. O haitiano conta que o terremoto mais devastador ocorreu no dia 12 de 2010, causando destruição na capital Porto Príncipe e em outras áreas próximas. Estima-se que mais de 230.000 pessoas tenham falecido e centenas de milhares tenham ficado feridas. O impacto foi intenso, deixando milhões de pessoas desabrigadas e causando danos generalizados em infraestrutura, como prédios, hospitais e escolas. A reconstrução requer esforços contínuos e cooperação tanto do governo quanto da comunidade internacional, visando a construção de uma infraestrutura resiliente e a implementação de medidas de prevenção e preparo para desastres naturais.

A instabilidade política e a corrupção também são ressaltadas pelo homem, que diz que a falta de governança efetiva e má distribuição de recursos contribuem para a perpetuação da desigualdade e a exclusão de grandes segmentos da população. Ele nos relembra o caso que ocorreu no dia 7 de julho de 2021, quando o presidente Moïse foi assassinado, agravando ainda mais a situação de instabilidade no país. Desde então, o Haiti enfrentou um vácuo de poder e uma série de desafios políticos, incluindo disputas sobre a sucessão presidencial e a formação de um governo estável. Ao comparar com a política brasileira, Easie diz que nos considera quase que uma democracia, pois sua terra natal tem enfrentado intensos períodos de instabilidade política, golpes do Estado, disputas eleitorais controversas e violência política, dentre inúmeros outros problemas. Ele também diz ter pensando que a vida aqui seria mais fácil e a considera melhor em comparação à vida que tinha no Haiti, visto que pelo menos no Brasil a infraestrutura não é tão precária quanto a que ele estava acostumado em seu país, afirma o haitiano.

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Terremoto deixou 1,5 mortos no Haiti.
Foto: Ketzer Douzable

Questionamos também sobre o preconceito, e, felizmente, Easie não tem nenhuma situação para contar. Por outro lado, seu amigo Sekani, 45, que está a mais tempo no Brasil, afirma ser vítima de discriminação racial, xenofobia e estereótipos negativos. Juntos, os dois ainda comentam sobre como se sentiram representados pelo caso Vini Jr, que alcançou repercussão internacional, sendo um exemplo de sucesso e superação para eles, mas ressaltam que a representatividade deve incluir não apenas indivíduos de destaque, e sim a luta coletiva por justiça social, igualdade e respeito para todas as pessoas negras.

O haitiano, então, foca em alcançar seus objetivos de trazer sua família para o Brasil e conseguir passar em uma universidade pública para estudar contabilidade. Ele se mostra determinado a encontrar oportunidades de trabalho, empregos estáveis e acesso à educação de qualidade, algo inacessível para certas classes sociais em seu país de origem. Antes de vir para o Brasil, Easie trabalhava como vendedor de temperos no Haiti e adquiriu habilidades práticas na área de vendas, mas está disposto a explorar novas oportunidades de emprego e se adaptar a diferentes setores para garantir um futuro melhor para si mesmo e para sua família. Por fim, diz ser grato pelas oportunidades que o Brasil oferece e está sempre disposto a fazer o que for possível para que ele possa viver junto com sua família.

Editado por Daniela Nabhan

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