Não-binárie e a moda: desconstrução e expressão - Revista Esquinas

Não-binárie e a moda: desconstrução e expressão

Por Camila Lutfi Khoury Portella Talarico, Giulia Maria Howard Cattani Simões, Juliany Machado Rodrigues e Maísa Alves Balsan : janeiro 10, 2024

Bandeira que representa as pessoas não-binárias/Foto: Florencia Salto, Reprodução

Entenda como a moda pode se tornar um mecanismo de pessoas não-binárias se verem e se colocarem no mundo atual

Joo Leite, de 22 anos, dançarina e não-binária, diz que a moda é uma forma de se entender, se expressar e se libertar. A roupa, em geral, fez bastante diferença para sua descoberta como pessoa, dançarina e artista.

“Me inspirei em mulheres e fui testando em mim. Eu não tenho disforia de gênero, gosto do meu corpo do jeito que ele é, até porque eu consigo moldá-lo da forma que eu acho boa. Para mim, é um corpo desconstruído.”

Liberdade e construção da própria personalidade são concepções que Brunno Almeida Maia, pesquisador em filosofia e teoria de moda pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende ao analisar a moda não-binária. Segundo o pesquisador, ela “representa uma possibilidade para a indústria repensar não só as estruturas construídas socialmente, mas as relações de poder – sobretudo as pressionadas ainda num patriarcalismo no qual o masculino/homem prevalece e o feminino é subjugado”.

Ele ainda comenta que, ao longo da história da moda, a binariedade foi construída com “definições nítidas” do que era considerado moda masculina e feminina, gerando um estranhamento com a expressão queer. Maia explica que a possibilidade de criação de uma moda não-binária surge a partir da teoria queer da filósofa Judith Butler, contestando a ordem estabelecida e construída socialmente.

“Segundo a teoria, fomos condicionados a performatizar ou a identidade masculina ou a feminina – e expressá-las. Por exemplo, azul é para os meninos e rosa para meninas; ou seja, esse enunciado é uma forma de fazer com que o indivíduo se lembre o tempo inteiro qual identidade de gênero lhe foi atribuída socialmente e a performatize, reiterando essa identidade”, comenta. 

Quando o queer vai contra isso, utilizando-se da vestimenta para expressar sua identidade visual e gênero, ele realiza um trânsito entre a concepção do que é masculino e feminino. Joo, por exemplo, relata que, no começo, usou cropped como “uma quebra de tabu” e, conforme o tempo foi passando, experimentou calcinhas hot pants – modelo com a cintura mais alta e comprimento mais curto. 

Força e resistência

“Tem roupas que eu coloquei que fizeram eu me gostar e ver que a imagem no espelho bate com o que gostaria que fosse. Não é tanto sobre o caimento, mas sobre o que a roupa expressa”, destaca.

Joo explica que a moda agrega muito na sua personalidade e é um símbolo de força e resistência.

Em complemento às experiências de Leite com a moda enquanto veículo de expressão, Runner Maciel, psicólogo especializado na análise da comunidade LGBTQIAPN+, revela que é muito impreciso afirmar que todas as pessoas não-binárias recorrem à moda para expressão da sua identidade de gênero: “tentar definir isso seria quase como encaixar essa identidade num padrão, o que não acontece.”

Assim, o psicólogo explica que os indivíduos não-binários não precisam e nem sempre terão uma aparência andrógina, por exemplo. Não há regra para delimitar a expressão e isso por si só não é capaz de definir ou mesmo revelar a identidade dessa pessoa.

VEJA MAIS EM ESQUINAS

Brechós: uma “brecha” para moda sustentável?

Arrume-se comigo: o impacto das redes sociais na indústria da moda

“A roupa pode virar uma insegurança”: como a moda pode reforçar padrões nas universidades

Moda não-binária e inclusão

Em relação à disponibilidade de roupas, a dançarina diz que, por vezes, não se identifica com nenhum dos setores das lojas e já se viu gostando de uma roupa do setor feminino, mas não conseguindo nada do seu tamanho. Enquanto isso, o setor masculino oferece opções extremamente estereotipadas e ela acaba optando por roupas unissex.

Brunno Maia ressalta que a inclusão precisa ser feita não somente com modelos nas passarelas e campanhas, mas no processo de criação, produção e consumo da indústria da moda, dando espaço criativo a esses “corpos desviantes”. “Para uma transformação da sociedade, esse tipo de produção precisa passar pela massa”, conclui. 

Apesar de tudo isso, para Joo, usar roupas mais curtas em seu dia a dia ainda é um receio:

“Tem a questão do mundo em que a gente vive e eu sinto que eu ainda tenho que manter uma neutralidade em alguns momentos. Eu consigo me manter feminina, mas eu não posso chamar muita atenção. É saber equilibrar minha segurança com minha liberdade.”

Maciel reforça que o perpetuamento de determinados estereótipos confere poder às pessoas. “Se você se veste de maneira heteronormativa, é muito mais provável que você receba maior consideração positiva de outras pessoas. Esse fato é importante, pois é assim que a misoginia sustenta a LGBTfobia”, finaliza.

Editado por Mariana Ribeiro

Encontrou algum erro? Avise-nos.