“Para tirar uns 200 reais é preciso ralar umas 12 horas”, protesta motorista de aplicativo - Revista Esquinas

“Para tirar uns 200 reais é preciso ralar umas 12 horas”, protesta motorista de aplicativo

Por Gustavo Aurélio : março 25, 2021

Paralisação de motoristas pedia fim de plataformas de desconto, reajuste de tarifa e segurança para os trabalhadores

ATUALIZAÇÃO: texto atualizado às 20h30 de 25 de março com a resposta da empresa 99.

No início da carreira nos aplicativos, “as pessoas aceitam qualquer coisa”. Essa é a explicação de Jonatas Barros, 57 anos, para o fato de que “a maioria dos motoristas antigos adere à paralisação, mas os novatos não”.

No ramo há mais de cinco anos e insatisfeito com suas condições de trabalho, Jonatas é do time dos antigos, que foram às ruas e paralisaram suas atividades em todo o Brasil em 17 de março de 2021. O evento foi organizado com antecedência, motoristas influentes nas redes sociais divulgavam o movimento desde fevereiro.

Os trabalhadores protestaram, entre outras coisas, pelo fim das plataformas Uber Promo e 99 Poupa – modalidades de viagem criadas pelas empresas Uber e 99, respectivamente, que realizam corridas com preços 15% a 20% mais baixos. O alto custo dos combustíveis e o reajuste das tarifas também revoltam os motoristas, assim como a falta de segurança durante o trabalho.

Veja mais em ESQUINAS

Breque dos APPs: entenda as reivindicações dos entregadores

“Desliga o aplicativo e vai pra Cuba”: as ofensas ao desabafo de um motoboy na pandemia

“Não merecemos ficar duas horas em um trabalho para ganhar de 8 a 10 reais”, diz motoboy de aplicativos delivery

Menos lucro, mais gastos

As empresas criaram as novas plataformas com a intenção de atrair clientes com viagens mais baratas. Porém, para muitos motoristas, como Jonatas, essas modalidades não são rentáveis. “Você tem que fazer o percurso mais rápido, no menor tempo, para ver se ganha porque o combustível está caro”, explica. Por essa razão, muitos motoristas cancelam viagens tipo Uber Promo e 99 Poupa. “Não afeta a nossa taxa de cancelamento porque é uma coisa ridícula. Se você ficar aceitando, é absurdo”.

Segundo ele, os passageiros tiveram grande adesão às modalidades de desconto, o que colaborou com a redução de lucro dos motoristas. Do que recebem, descontam o combustível para reabastecer os veículos e, no caso de Jonatas, a taxa de aluguel do automóvel. “Hoje, para tirar uns 200 [reais], é preciso ralar umas 12 horas”, diz. O negócio já não é rentável para ele e um grupo de colegas: “Essa semana três entregaram [carros alugados], e eu vou ser o quarto”.

O pedido de reajuste da tarifa recebida pelos trabalhadores também motivou a paralisação. “A tarifa está cinco anos atrasada, desde o início eles não aumentaram nada”, diz Jonatas. “No começo, a Uber ficava com 20%, independente do tamanho da corrida, e pagava o resto para a gente”, agora o cálculo é feito por quilômetro rodado e pelo tempo da viagem, o que também prejudica os motoristas.

A falta de segurança dos trabalhadores também foi pautada na manifestação do dia 17. O cadastro mais seguro dos passageiros, com reconhecimento facial e código de segurança, é uma reivindicação antiga de quem trabalha no setor. Porém, algumas mudanças já foram feitas, como o mapeamento de áreas de risco, “a 99 mostra que você está em uma região perigosa”. Jonatas reconhece esses avanços, mas o motorista, que já foi assaltado duas vezes enquanto trabalhava, acredita que as plataformas ainda têm muito a melhorar nesse quesito.

Impacto da pandemia para os motoristas

Neste mês de março, os primeiros decretos de quarentena no Brasil completaram um ano. Jonatas afirma que desde então o movimento não é mais o mesmo: “As corridas caíram muito, não tem mais o fluxo de pessoas indo para o trabalho”.

Para continuar em atividade, ele conta que desenvolveu estratégias. Uma delas foi se manter próximo de hospitais, buscando aproveitar a grande circulação de pacientes e profissionais durante esse período. “Eu sei até o horário de troca de funcionários”, diz o motorista.

Trabalhando com os aplicativos de transporte, ele está constantemente na rua e em contato com pessoas. Como a atividade representa um risco à saúde, as empresas disponibilizaram álcool em gel, desinfetantes, máscaras e proteções de acrílico para os carros. Além disso, o limite de passageiros foi alterado, são permitidos somente três clientes por veículo, todos no banco de trás. “Sobre isso, eu bato palmas para eles”, diz Jonatas.

ESQUINAS contatou a Uber, que não respondeu até a publicação desta reportagem e a 99, que notificou:

“A 99 esclarece que está aberta ao diálogo e prioriza a melhoria contínua dos ganhos dos motoristas parceiros. A empresa viabiliza parcerias e condições especiais nos preços dos combustíveis, manutenção de carros e aluguel com agências para reduzir os gastos dos parceiros. Um exemplo é que, desde o início de março, o valor do desconto na rede Shell dobrou de 5% para 10%, iniciativa que deve durar até a segunda semana de maio, e está disponível via aplicativo Shell Box e pagamento com Cartão 99. A empresa trabalha para aumentar a eficiência da rotina dos parceiros e parceiras da plataforma reduzindo os custos associados à atividade”.

Encontrou algum erro? Avise-nos.