Em Várzea Paulista (SP), docentes se mobilizam para possibilitar o acesso de estudantes às aulas virtuais. Professor idealizador da corrente de doação lamenta “exclusão social grave” por causa de nova realidade escolar
Leomilton Schimit, de 38 anos, ensina Geografia, História e Sociologia para os 7º, 8º e 9º anos da Escola Estadual “Idoroti de Souza Alvarez”, em Várzea Paulista (SP), município na Região Metropolitana de Jundiaí. Durante a pandemia, o historiador e teólogo de formação conseguiu arrecadar 30 celulares para seus alunos que não conseguiam acessar as aulas online propostas pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Para isso, o “professor Leo” batia de porta em porta dos interessados em fazer a doação de um celular. “Não é fácil se desfazer”, ele garante. “Doar alguma coisa é o maior gesto porque estamos pensando no outro”, afirmou o docente.
Em 20 de maio, o primeiro celular foi entregue ao jovem Wallyson, que já estava presente nas aulas virtuais do dia seguinte. Poucos dias depois, Leomilton entregou mais 20 aparelhos arrecadados.
“PROMETI DAR UM JEITO”
Para Leomilton, “não era surpresa” notar a quantidade de alunos sem responder às tarefas virtuais da escola. Com a pandemia da Covid-19, ele analisa que a exclusão social se agravou: “No submundo da exclusão, existe uma faixa sem celular”, apontou em referência às políticas de educação adotadas pelo Governo do Estado.
Em abril de 2020, o governador de SP, João Doria, anunciou a criação do aplicativo “Centro de Mídia”, que possibilitaria o acesso à Educação a Distância (EaD). Em parceria com cinco operadoras de telefonia, o aluno não teria que gastar sua própria internet para acessar os conteúdos educacionais, já que os mais vulneráveis poderiam dispor de um chip distribuído pelo Estado.
Mesmo assim, o professor relata que, sem celulares e, por vezes, residindo em áreas em que a internet não chega, esses alunos perdem o contato com a escola. Para ele a distribuição de chips não é suficiente. Depois de conversar com um estudante sobre o motivo de não entregar os exercícios virtuais, descobriu que sua família tinha somente um celular. Por esse motivo, o jovem teria que esperar o pai chegar do trabalho para poder usar o aparelho. “Estava quase chorando [quando o aluno contou a história]. Prometi dar um jeito e arrumar um celular para ele”, lembrou o futuro idealizador do programa de arrecadação de celulares.
O que Leomilton fez, em seguida, no dia 28 de abril, foi gravar um vídeo e compartilhá-lo nas redes sociais: “Se você puder me ajudar de alguma forma, eu fico muito grato. Eu preciso somente de um celular nas mãos desses alunos”, pede ele em um trecho da gravação que originaria o movimento de arrecadação. Passado o tempo, ele afirma que a proporção tomada pelas doações foi gigante: “Sempre está ligando uma pessoa ou outra”.
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“TODOS NÓS TEMOS MEDO”
Para recolher os aparelhos, Leomilton conta agora com a ajuda de outros professores, mas lembra que não gosta de inserir muitos na arrecadação por temer o alastramento do coronavírus. “Todos nós temos medo. Nossa insegurança e nosso emocional já são muito abalados mesmo sem a pandemia”, descreveu.
O docente encontrou o apoio de colegas professores que “abraçaram a causa”. Uma delas, Daniele Avanti, 34 anos, coordenadora pedagógica e bióloga de formação, confessa que “não imaginava tanta repercussão de uma publicação”. Ela conta que, em 2020, tentou conseguir celulares para os alunos, mas que somente quatro foram doados. Neste ano, com um maior número, os chips de internet já foram colocados nos aparelhos — que também foram logo cadastrados nos sistemas de educação a distância da escola.
A arrecadação repercutiu tanto que garantiu lugar no jornal local e, depois disso, na Globo e Record. “São muitos jornais ajudando bastante”, ela esclarece, enquanto explica que a visibilidade também trouxe mais doadores. “Estamos em uma região periférica. Existe muita dificuldade com o acesso [às aulas] e pouquíssimos têm computadores”, afirmou sobre a região da colégio, o Jardim América III.
Ela detalha que, quando os estudantes têm celulares, os aparelhos são frequentemente “piratas” e, que por isso, não possuem as lojas de aplicativo para instalar o programa “Centro de Mídia” do Governo do Estado.
“QUERO QUE TUDO PASSE”
Ultrapassando as 450 mil vidas perdidas por coronavírus no Brasil, o País se afunda e se afoga em um mar de vírus. Os maiores prejudicados: negros, pessoas de baixa escolaridade e pobres — segundo o estudo Social Inequalities and Covid-19 Mortality in the City of São Paulo, publicado no International Journal of Epidemiology em fevereiro de 2021.
“Não vejo aspectos positivos [das aulas online na pandemia], não consigo ver. Falta relacionamento humano e contato. O aluno se sente confiante na presença do professor”, ponderou o professor Leomilton. Observando um cenário de exclusão digital, o professor aumenta a meta de arrecadação para 50 celulares, seguindo o levantamento feito na escola sobre o número de dispositivos eletrônicos na casa de cada família.
Agora, o docente torce para que o período de pandemia acabe o quanto antes: “Quero que tudo passe o mais rápido possível”. Ele ainda confessa que quer poder abraçar os alunos, cumprimentá-los “olhos nos olhos” e conseguir colocá-los para cima: “Tenho esperança, sim. A educação abre a mente e mostra o futuro”, assegura.
Para os estudantes, a vontade também não é diferente. Em entrevista, Letícia Silva, 21 anos e ex-aluna de Leomilton, demonstrou apenas afeto pelo antigo professor e profunda admiração pelos esforços somados em busca de tornar o ensino mais acessível. “Eu acho muito importante mesmo que os adolescentes estejam focados na matéria dos professores de forma online, mas sei que muitas pessoas não têm acesso. Eu espero que essa ação continue fluindo cada vez mais. Ele é espetacular.”
Hoje, Letícia trabalha como assistente de operações, mas teve a experiência de ter “Leo” como professor durante o ensino médio e elogiou as habilidades do profissional em sala de aula. “Ele foi muito atencioso e estava sempre à nossa disposição. Nossos trabalhos foram incríveis e fomos muito bem educados por ele, um excelente professor”, esclareceu.
COM A PALAVRA, A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Questionada sobre o funcionamento dos chips e sobre a situação dos estudantes sem aparelhos celulares, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afirmou que checará se houve falha com o funcionamento dos chips de internet entregues aos alunos mais vulneráveis da Escola Estadual “Idoroti de Souza Alvarez” — onde trabalha o professor Leomilton. Mesmo assim, o órgão alega que, até o momento, nenhuma queixa foi formalizada a respeito de problemas com os dispositivos.
A secretaria ainda defende que transmite as aulas online por meio de redes sociais, aplicativo e dois canais de televisão, disponibilizando também material impresso para estudantes que não consigam acompanhar o aplicativo “Centro de Mídia”.
Os estudantes da rede estadual de São Paulo tinham até a sexta-feira, 30 de abril, para confirmar interesse nos chips com 3 GB de internet e participar do programa Além da Escola, que abrange alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio.
Leia, na íntegra, a nota de resposta da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo:
A Diretoria Regional de Ensino (DRE) de Jundiaí informa que um professor da escola citada gravou um vídeo solicitando a doação de celulares usados para colaborar com os alunos que estavam com dificuldades para entregar as atividades aplicadas pelo Centro de Mídia (CMSP). 26 aparelhos celulares em condições de uso foram doados e serão entregues aos alunos no decorrer da semana.
Com relação ao funcionamento dos chips distribuídos aos alunos mais vulneráveis da unidade, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informa que irá checar se houve algum tipo de falha. Cabe destacar, porém, que até o momento nenhuma queixa foi formalizada, por professores nem por estudantes, com relação a problemas nos chips.
Vale reforçar que CMSP transmite aulas ao vivo para todos os ciclos por meio do aplicativo, redes sociais e também através de dois canais de TV aberta — a fim de contemplar o maior número de estudantes. Além disso, as escolas fazem a distribuição, mediante agendamento, de material impresso exclusivos para aqueles que têm dificuldades em acompanhar as aulas via CMSP.
A Seduc-SP fez a distribuição de 500 mil chips com 3G de internet patrocinada pelo governo estadual para os estudantes de pobreza e extrema pobreza matriculados na rede. A iniciativa faz parte do Além da Escola, que contempla e oferece, por meio da utilização de metodologias híbridas de ensino, a orientação semanal de estudos em grupos menores com professores da rede, além da distribuição de chips de dados móveis.
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