Quais os estereótipos criados em torno da etnia e cultura cigana? - Revista Esquinas

Quais os estereótipos criados em torno da etnia e cultura cigana?

Por Jean Vitor Schmidt, Larissa Gabriel, Maíra Oliveira e Maria Esther Cortez : junho 7, 2024

Acampamento Nova Canaã, Rota do Cavalo, Sobradinho I, Brasília. Foto: Divulgação/Caminhos Ciganos

Mesmo com o passar do tempo, as etnias ciganas Rom, Sinti e Calón continuam sendo vítimas de preconceito e esteriótipos

Não se sabe ao certo de onde surgiram as comunidades ciganas, já que as lendas e histórias dessa comunidade foram passadas oralmente por gerações. Pesquisadores acreditam que o surgimento desses grupos aconteceu na Índia ou no Iraque, devido a semelhanças de língua e crenças. Apesar de ter influenciado várias culturas ao redor do mundo, como a dança Flamenca na Espanha, a história cigana é marcada por momentos de perseguição e preconceito que se estendem até hoje.

Roy Rogeres Fernandes Filho, comunicólogo e cigano pertencente a etnia Calón de tradição circense, explica que existe uma luta constante para a desconstrução dos estereótipos relacionados a esse grupo, e a mídia tem contribuído para reforçá-los. “Infelizmente, a representação dos ciganos na mídia hoje não é muito diferente de como sempre foi. As representações físicas a partir das linguagens culturais e artísticas também seguem sendo baseadas na cigana Esmeralda de O Corcunda de Notre Dame. Ou seja, que utilizam determinadas vestes e instrumentos.” Roy também considera que os reality shows ciganos, como “Meu Grande Casamento Cigano”, transmitido pela emissora TLC, trazem uma espetacularização desses estereótipos.

O comunicólogo acredita que quase todos os ciganos já sofreram algum tipo de preconceito baseado em lendas antigas que denotam a visão negativa acerca dessa cultura. Como exemplo, Roy cita o fato de acharem que os ciganos roubam crianças ou que não tomam banho. Apesar de ainda haver um longo caminho para desconstruir estes estigmas, ele já vê progresso. “Não é fácil, o que posso dizer é que a gente tem dado  alguns passos importantes. Por exemplo, desde 2018 nós fomos incluídos nas cotas da Universidade do Estado da Bahia, a UNEB. Entre outras conquistas pontuais, como uma lei de saúde da população cigana nas diretrizes prerrogativas do SUS”, completa.

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Acima, Roy Rogeres Fernandes Filho.
Foto: Bárbara Jardim/Acervo Pessoal

Para Aluízio de Azevedo Silva Junior, pesquisador, jornalista e cigano pertencente à etnia Calón, a imagem dos ciganos também é muito estereotipada no Brasil. “Um exemplo é do Machado de Assis com a personagem Capitu, ao descrever que ela tem olhos de cigana oblíqua e dissimulada. Sidney Magal, ele não é cigano, mas se apropriou da nossa cultura, tem fama e ganha dinheiro.”

De acordo com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais de 2011, 291 municípios brasileiros disseram possuir acampamentos ciganos. O país é lar de três grandes grupos: os Rom, os Sinti e os Calón. A etnia Rom é o grupo originado no norte da Índia ainda no século VI, que atravessou o Oriente Médio e chegou na Europa no século XVI. A etnia Sinti é encontrada principalmente na Alemanha, Itália e França, onde também é conhecida como Manouche. E os Calón, palavra que deriva do Romani caló, que significa negro, passaram pela Turquia, Grécia, Espanha e Portugal até chegarem ao Brasil. O nome da etnia faz referência ao tom de pele do povo Calón. No entanto, muitas imigrações para as Américas e outros países da Europa evidenciam a miscigenação.

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Aluizio de Azevedo conversa com Rosan Mifalu, de etnia Rom da Hungria, e Monet Françoa de etnia Manush de França em Saintes-Maries-De-La-Mer em frente à catedral onde sai a peregrinação de Santa Sara kali.
Foto: Divulgação/Caminhos Ciganos

As etnias também são dividas em subgrupos, e os costumes e tradições, como o nomadismo, religião e vestimentas, não são homogêneos. “É preciso sempre ter muito cuidado para falar de cada grupo, para não generalizar e cair no estereótipo de novo. Reparamos que o mesmo acontece com os grupos indígenas aqui no Brasil”, comenta Aluízio. O povo cigano é rico em diversidade e, para Roy, é a distinção que faz dessa comunidade  um “baú de riquezas e heranças com valores inestimáveis”.

Aluízio ilustra o quão grande é a influência dos ciganos no Brasil, principalmente da etnia Calón:

“Eles influenciaram muito na música. Minas Gerais e Bahia são estados que têm muita influência na comida. A expressão “baixo calão” vem da língua falada pelos Calón. A contribuição foi em vários aspectos, não só culturais, como históricos, socioeconômicos, porque os ciganos fizeram por muito tempo a circulação nas cidades e nos comércios.”

Não é preciso ir muito longe para encontrarmos representantes da etnia cigana. Elvis Presley e Charlie Chaplin eram descendentes diretos da etnia Rom. A mãe de ambos os artistas compartilhavam o mesmo sobrenome: Smith. Além dos astros do rock e do cinema, o 21º presidente do Brasil Juscelino Kubitschek também vinha de uma família cigana por parte de seu bisavô materno Jan Kubíček. Apesar do Brasil ter sido o único país a eleger um presidente cigano, JK não falava abertamente sobre o assunto a não ser na presença de outros ciganos, devido ao estigma que o povo sofria na época.

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Alguns grupos ciganos chegaram ao Brasil ainda durante o período da colonização portuguesa, como exilados de Portugal. Presentes na sociedade brasileira há anos, eles sempre foram vítimas de perseguições e discriminação pela população do país. O principal estereótipo que o grupo carrega é a questão da bruxaria, por conta do misticismo e da criminalidade. “A gente ouve várias coisas como: “cuidado com cigano, eles vão te roubar!” ou “são feiticeiros, vão ler sua mão”, compartilha Aluízio. Para o jornalista da etnia Calón, comentários como estes são genéricos e carregam uma grande intolerância da população do Brasil: “Os ciganos estão sempre vinculados ao imaginário social dos brasileiros. A mídia reforça muito a ideia desse preconceito. Um exemplo foi a novela “Explode Coração” TV Globo, que generalizou muito, se inspirando apenas em uma etnia cigana.”

Durante a Primeira República e o governo de Getúlio Vargas houve uma  perseguição institucional aos ciganos. No Estado Novo (1937-1945), foram criados decretos de lei que visavam o controle da imigração e entrada de estrangeiros no país, como decreto-lei nº 406, de 4 de maio de 1938. Esses atos geram consequências até os dias atuais.         ciganas

Ainda hoje, em 2024, o IBGE não quantifica os indivíduos que se identificam como ciganos no Brasil. Como os povos se encontram normalmente em acampamentos, entram no Censo como moradores em domicílios improvisados. A falta de recorte étnico e o  pouco conhecimento sobre a cultura cigana são os principais fatores pela exclusão dos grupos ao redor do país. Ao serem vistos com olhares preconceituosos, eles passaram a viver  afastados da sociedade como uma forma de segurança.

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Dois ciganos de etnia Calon andam de carroça no município de Tangará da Serra – MT.
Foto: Divulgação/Caminhos Ciganos

Há quem diga que no passado era mais comum ver pessoas de etnias ciganas, Aluízio explica o porquê.  “Existe uma dificuldade de viver em barraca, não tem luz e nem água encanada. A polícia não considera como um lar, então acaba sendo um território ilegal.” O jornalista ainda completa que durante anos seu povo foi proibido de andar em bando, falar a língua nativa e até mesmo praticar ofícios tradicionais. “O Brasil, por ser colônia de Portugal, aplicou as mesmas leis durante anos. Foi o que ficou. O estado brasileiro tem uma dívida de reparação histórica, a sociedade como um todo apoiou isso. Por esse motivo, hoje existe a necessidade de políticas afirmativas”, afirma.

Apesar de achar difícil descrever as culturas ciganas em uma só frase, Aluízio as resume em um provérbio: “O céu é o meu teto, a terra é a minha pátria e a liberdade é minha religião”.

Editado por Ludmila Borba

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