“Sempre que um homem senta do meu lado, me sinto insegura”: medo de assédio muda tipo de roupa no transporte público - Revista Esquinas

“Sempre que um homem senta do meu lado, me sinto insegura”: medo de assédio muda tipo de roupa no transporte público

Por Caio Manzano, Gabriela Guedes, Giulia Peruzzo, Giuliana Lima Miranda e Gustavo Rosmaninho : março 14, 2024

O assédio é uma violência contra alguém, independente de gênero e idade, por meio de falas, ações e gestos. Foto: Elias Boberg/Pexels

A violência e o assédio podem afetar a forma que as pessoas, principalmente as mulheres, se vestem no transporte público de São Paulo

Vários fatores podem influenciar na escolha da roupa no começo do dia. A temperatura, eventos, e até mesmo os sentimentos. Mas um ponto importante, e por vezes até intrínseco, é a possibilidade de sofrer algum tipo de importunação. O assédio no transporte público na cidade de São Paulo assombra mulheres diariamente. De acordo com a pesquisa anual do IPEC, 39% das mulheres da cidade de São Paulo afirmam que o local que se sentem mais inseguras é o transporte público.

O número de casos de assédio registrados é proporcional à insegurança das mulheres em utilizar o metrô, já que 67% das paulistanas relatam terem sofrido esse tipo de violência. A insegurança e a possibilidade de experienciar abusos pode afetar o modo como as pessoas se vestem, principalmente as mulheres. 

ESQUINAS entrvistou quinze pessoas que utilizam a linha verde do metrô de São Paulo para perceber como esse fenômeno acontece. A maioria das mulheres entrevistadas já presenciou um caso de assédio. Elas afirmam repensar a roupa usada para frequentar o transporte, optando por peças que escondam o corpo, com a finalidade de evitar serem vítimas.

Por outro lado, os homens entrevistados relatam que o motivo de serem cautelosos ao se vestir, quando são, está relacionado a outro tipo de violência: um possível assalto. Além disso, relatam não presenciarem abusos com a mesma frequência que as mulheres relatam.

assédio

O assédio acontece predominantemente com pessoas do gênero feminino, principalmente mulheres negras e jovens.
Foto: Tomaz Barcellos/Pexels

Vitória, uma jovem de 20 anos estudante de direito, frequenta o transporte público todos os dias. Mesmo com a familiaridade do ambiente, ela diz não se sentir segura. “Sempre que um homem senta do meu lado, me sinto insegura, independente da idade. Afinal, a gente não sabe a índole da pessoa.” Apesar de preferir não ter a sua imagem registrada, ela diz que muda a roupa na hora de pegar transporte público. “A gente sempre toma um certo cuidado, pra não acontecer e evitar, mas a gente sabe que pode acontecer de qualquer forma.”

Ela aponta a importância da presença do namorado, uma figura masculina, para que se sinta protegida. “Se eu não tô com meu namorado, eu uso uma certa roupa por um cuidado próprio. Se eu tô com ele, me sinto mais confortável em usar certas roupas. É triste isso.” Ela nunca presenciou assédio e diz que tem medo da reação que teria ao presenciar.

“Eu sempre evito estar perto de homens, e tenho até medo da reação que eu teria se alguma coisa acontecesse. Minha mochila sempre fica de lado ou de frente.”

Seu namorado, Jarbas, tem 19 anos, e também diz não se sentir seguro nos transportes públicos. “Por ser homem, eu vejo como funciona o olhar dos homens para as mulheres. Não dá pra se sentir seguro.” Quando questionado se ele acha que a forma como as mulheres se vestem justifica alguma forma de assédio, rebate: “Acho que a roupa não justifica de jeito nenhum.”

Esses episódios podem gerar a discussão sobre o que configura um caso de assédio. O assédio é uma violência contra alguém, independente de gênero e idade, por meio de falas, ações e gestos. Segundo o site do Governo Federal, o assédio pode ser classificado de duas formas: assédio moral ocorre a partir de ameaças de integridade física ou psíquica, o uso da hierarquia como abuso de poder e chantagem; já o sexual, ocorre através de incitações sexuais inoportunas, comportamento agressivo ou abusivo que possa gerar desconforto, danos físicos e psicológicos.                                                                     

O transporte público acaba se tornando um ambiente “propício” para a violência, considerando serem locais utilizados diariamente e com grande número de pessoas. O assédio acontece predominantemente com pessoas do gênero feminino, principalmente mulheres negras e jovens.

“As situações de assédio que as mulheres experienciam em ônibus e metrôs não são apenas violências, mas uma violência de gênero de dimensões étnico-raciais e faixa etária”, diz a pesquisadora e cientista política Maria Eduarda de Moraes Torres, integrante do Observatório de Segurança Pública da Unesp.

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Das pessoas entrevistadas, a maioria na faixa etária acima de 50 anos relatam não sofrerem importunação e afirmam que a escolha da roupa pode justificar o abuso sofrido. Entretanto, com um contexto histórico de objetificação e opressão dos homens sobre as mulheres, a pesquisadora analisa a problemática de outra forma: “O problema ultrapassa grandemente a dimensão individual ou de vestimenta, principalmente ao entender a raiz do problema como violência de gênero”, afirma.

O transporte público segue por cinco anos consecutivos como o local no qual as paulistanas mais acreditam poder sofrer um assédio. Uma das dificuldades enfrentadas pelas vítimas é na denúncia do ocorrido. Apesar de existirem centrais de suporte, o problema persiste, sem perspectiva de redução. “Em 2021 foi apresentado um projeto de lei (projeto 81/2021) que estabelece um protocolo de segurança para vítimas desse tipo de violência, porém ainda não foi aprovado”, reforça a especialista.

Além de localizar os principais alvos e apresentar um foco em infraestruturas que forneçam suporte às vítimas, Maria Eduarda pontua a importância em analisar a violência para além dos transportes públicos. “Seria necessário pensar em políticas públicas que considerassem a violência de gênero de maneira séria e como parte das relações da nossa sociedade. Cabe, também, pensar no lugar das masculinidades e questionar os atores dessas violências.”

Editado por Mariana Ribeiro

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