Você já parou para pensar no que realmente significa ser um cidadão nos dias de hoje? Quais são as diversas faces do engajamento cívico e qual a importância dos indivíduos na elaboração de políticas públicas?
Segundo o site oficial da Secretaria de Justiça e Cidadania do Paraná, o termo latim civitas (cidade), precursor etimológico de “cidadão”, surgiu na Grécia Antiga para designar a pessoa grega de nascença. Em Roma, no entanto, a palavra era empregada no sentido de identificar os direitos políticos de cada pessoa. Sem dúvidas, o conceito de cidadania evoluiu ao longo dos séculos e continua a moldar nossa sociedade de maneiras profundas e variadas.
Para elucidar toda esta temática, ESQUINAS conversou com o professor Felipe Valente, historiador formado pela UFF (Universidade Federal Fluminense) com 13 anos de experiência na educação pública e privada. Segundo Valente, “esse conceito [de cidadania] se estabelece a partir de uma alteração de um padrão a partir de conflitos”. “Veja”, diz, “não há grandes transformações sociais, sob o ponto de vista histórico, que não venham em decorrência de conflito”
De fato. Foi durante a Revolução Francesa que o conceito passou por uma de suas mais significativas transformações. Assim sendo, o termo “cidadão” passou a demonstrar uma igualdade de direitos perante o Estado, independentemente da posição social.
“A partir da Revolução Francesa, esse conceito passa a tornar viva a ideia de felicidade como meta objetiva e dá luz à lógica produtiva do capitalismo, isto é, à consolidação da propriedade privada. Desse ponto, floresce a intenção de transformar o súdito em cidadão, com responsabilidades e direitos a zelar” – Felipe Valente.
Não foge à realidade. Se ser cidadão (ou a consequência de ser) significa uma pessoa em pleno gozo de seus direitos políticos, veja, há uma troca. O cidadão recebe o benefício da possibilidade de participar, mesmo que infimamente, das decisões macropolíticas do país; em contrapartida, assina um pacto governamental pelo cumprimento de deveres que já lhe transpassam o período histórico presente.
Descrever a influência da Revolução Francesa sob esse paradigma é descrever, nas palavras do professor, a importância do Iluminismo. Em sua avaliação, o arcabouço jurídico atual e a visão que pauta a relação do indivíduo para com o Estado são “heranças” dessa corrente filosófica, representada por autores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. A vertente de promoção da liberdade, do uso da razão sobre a fé e da crítica às benesses concedidas quase irrestritamente à nobreza foi crucial na elaboração do ideal em questão.
A perspectiva jurídica apresentada à ESQUINAS por Carolina Neves, formada em direito pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), contribui com a ótica histórica de Valente. Segundo Carolina, o conceito de cidadania está ligado aos “direitos civis e políticos concedidos pelo Estado aos cidadãos”.
No contexto jurídico, esse tópico envolveria, por exemplo, questões de salário, relações sociais, entre outras. Ela destaca que a cidadania é um princípio fundamental no arcabouço jurídico brasileiro, estabelecido pela Constituição Federal de 1988 como um dos pilares da ordem democrática do país. Além disso, Carolina ressalta a evolução da cidadania no que diz respeito aos direitos das mulheres.
“No passado, as mulheres enfrentavam restrições significativas em relação ao exercício de seus direitos. No entanto, ao longo da história, as conquistas das mulheres contribuíram para uma sociedade mais justa e igualitária”, diz Carolina.
VEJA MAIS EM ESQUINAS
O marco temporal: um projeto parado no tempo
“Eles ensinam a gente a amar o próximo”: por dentro dos abrigos que acolhem moradores da Cracolândia
Exploração e humilhação: o que soa comum a estagiários?
O cidadão no Brasil
No Brasil diversos são os obstáculos encontrados na divulgação e aplicação dos direitos do cidadão, desde o período colonial, como explica o professor Valente:
“Os caudilhos e coronéis sempre agiram exatamente onde falta o Estado. A grosso modo, agiam como justiceiros, capazes de juntar exércitos de 400 pessoas para fazer guerras civis (farroupilha, por exemplo). A partir disso, cria-se uma cultura muito paternalista e opressiva no que diz respeito a direitos. Paternalista, porque o raciocínio é o de ‘então eu não preciso de direitos, eu preciso ser cuidado’, porque ao longo da história é assim que foi se estabelecendo; e opressiva, pois essa mesma mão que ‘cuida’ é a que explora e oprime o trabalhador rural e vai gerando laços de dependência onde, historicamente, esses trabalhadores se fazem dependentes destes que lhe oprimem.”
Ao comparar as constituições brasileira e americana, outro empecilho é notado. “Desde sua independência, os Estados Unidos têm o mesmo pacto federativo. O Brasil passou por pactos federativos diversos: fomos império, um arremedo de República, uma ditadura, um pouquinho de democracia, outra ditadura e depois uma democracia bem cambaleante. Isso faz com que, dentro das nossas seis Constituições, a gente tenha um pouco de dificuldade de assimilar quais são os direitos.”
“Há a dificuldade de uma elite econômica conservadora em simplesmente obedecer à lei. Eles (elite) não quiseram obedecer à lei do fim da escravidão, trataram seus funcionários ainda como escravos, têm dificuldade em obedecer leis trabalhistas, dificuldade em obedecer leis de trânsito, etc. No Brasil, o que resume o brasileiro é a frase ‘você sabe com quem você está falando?’ Não obedecer às leis no Brasil é um sinal de poder”. – Felipe Valente
A cidadania é um conceito dinâmico que evoluiu ao longo dos séculos, moldado por eventos históricos e influências filosóficas. Hoje, ser um cidadão não se limita apenas à participação política, mas também envolve o reconhecimento e o respeito aos direitos fundamentais de todos os indivíduos.