Integrantes do coletivo falam sobre racismo no mercado da arte e a união que as mantem juntas
“É muito importante se perguntar: somos invisíveis para quem? Quem se beneficia com a nossa invisibilidade?”. Esse questionamento foi feito por Vanessa Ferreira, mais conhecida nas redes como Preta Ilustra, diretora de arte e ilustradora do coletivo Pretas Illustram. Ele reúne ilustradoras negras da capital paulista e região e questiona, como Vanessa, a invisibilidade da população negra não só nas artes, mas no mercado de trabalho como um todo.
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Formada em Publicidade e Propaganda pela Belas Artes de São Paulo, a ilustradora comenta as dificuldades que as integrantes do coletivo enfrentam ao buscar e conseguir empregos: “Sempre estaremos lá como a estagiária, a assistente, a trainee. Quando aprendemos o suficiente para ocupar a posição de um gerente ou de quem assina, saímos desse espaço e temos que recomeçar tudo do zero como assistente”.
Esse constante recomeço faz com que muitas mulheres negras deixem esses ambientes e fundem coletivos, onde têm mais liberdade para criar e se unir a outras mulheres, estreitando laços e criando um mercado próprio. “A gente é invisível no mercado que não nos reconhece, mas somos incrivelmente potentes no mercado que criamos enquanto mulheres pretas”, afirma, orgulhosa.
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O coletivo do qual participa foi fundado em 2019 por Cynthia Mariah, estilista e coordenadora de estudos sobre moda afro-brasileira. Cansada de se sentir a única mulher negra cujo trabalho era reconhecido na arte, procurou ilustradoras negras para lutarem juntas contra a invisibilização a que são submetidas. “Acreditavam que nós não existíamos e, por isso, era muito difícil de sermos contratadas ou convidadas para exposições ou feiras. Acho que todas [do coletivo] já ouviram ‘eu conheço o seu trabalho, mas não o de outras pretas ilustradoras’”, relata a arquiteta Carol Zeferino, uma das 15 integrantes do coletivo.
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A invisibilidade de mulheres negras no trabalho se dá pela própria estrutura do mercado, principalmente da arte, que não oferece referências e caminhos a elas. “Se existimos, é como corpo único no mercado de trabalho, a preta única. Sendo assim, não temos influência para gerar mudanças no sentido de buscar outras pessoas para se juntar a nós e criar conteúdo com uma linguagem negra, periférica e não colonizada que seja aceito e não sofra questionamento”, explica Vanessa.
Ela ainda completa: “Quando falamos sobre invisibilidade, não é porque não temos voz, mas porque nossa voz é silenciada no processo de existir nesses espaços”. Além disso, muitas dessas mulheres não chegam ao ensino superior. “E você espera que uma ou outra seja a salvação de uma comunidade artística inteira.”
União
O encontro de histórias, talentos, confissões e forças traz o sentimento de pertencimento. E é justamente a união das mulheres um dos principais fatores do coletivo, uma vez que não há ajuda financeira externa, elas se mantêm com seus empregos paralelos. “Estamos juntas porque somos mais fortes e, assim, recriamos nossa própria África“, diz a professora de artes Sheyla Ayo sobre o coletivo.
A estudante de design Joyce Pereira também destaca a união do coletivo. Para ela, é importante “estar junto de mulheres negras e ver a potência delas. Se estivermos separadas, vão ver uma ou outra, não todas nós. Estamos juntas porque queremos ser vistas, queremos apoio”. Carol Zeferino ressalta a resistência do grupo: “Acreditamos na luta e que temos de fincar os pés no mercado. Estamos aqui e não iremos arredar o pé”.
O coletivo, além de ajudar as mulheres em suas lutas diárias, é um local de apoio emocional, em que elas dividem suas histórias de vida. “Eu não vou parar meu tempo para ensinar uma pessoa como ela deve tratar uma pessoa preta e a história do povo preto se eu posso pegar essa energia e ensinar uma irmã minha”, diz Carol.
No mês da Consciência Negra, elas lembram quantas empresas fazem propagandas com “fotos de modelos negras, falando de seus funcionários negros. Mas são as mesmas empresas que, durante o ano inteiro, não nos apoiaram”. Sobre a contratação de pessoas negras, Joyce questiona: “O que elas [as empresas] vão fazer com as pessoas negras lá? Qual vai ser o programa para mantê-las? O apoio emocional? Quantos desses estagiários irão virar efetivos? Como ela vai conseguir perpetuar isso?”
Para acompanhar o trabalho das mulheres do coletivo, visite as páginas de Vanessa Ferreira, Carol Zeferino, Cynthia Mariah, Ana Paloma Silva, Joyce Pereira, Sheyla Ayo, Bruna Bandeira, Léia Tavares, Thamú Candylust, Camila Nunes, Alexia Lara, Natália Mota e Doralia Dilla.