Em entrevista, 4 professoras de diferentes ramos desabafaram, falaram sobre suas vivências e deram opiniões sobre a educação em 2020
Superação, loucura, tristeza e caos. Essas foram as palavras que definiram “dar aula na pandemia” para as quatro professoras entrevistadas. Faculdade, cursinho, ensino médio e ensino fundamental, as vivências não são as mesmas, em alguns aspectos até se assemelham, mas a diferença entre o ensino público e privado é notável.
Karina Sbrana é professora de ensino fundamental e ensino médio de uma Escola Estadual em uma cidade no interior de São Paulo. Por lá, o ensino está sendo por meio de um aplicativo que o Estado de São Paulo criou, apostilas de reforço e um grupo de WhatsApp onde os professores e alunos conseguem se comunicar mesmo que desorganizadamente. Segundo ela, tudo na teoria é lindo, mas na prática não. Seus alunos, principalmente os da zona rural, não tem acesso a internet e às vezes nem sinal de celular. “A verdade é uma só, eu como professora, se eu tivesse poder, ano que vem todo mundo estudaria tudo de novo.”
A desigualdade começa aqui. Juliana, Ana Luísa e Susete são professoras da rede privada. Cada uma em uma área: Ensino fundamental I, cursinho e faculdade respectivamente, mas ambas repetem muitas vezes as mesmas constatações. Alunos com dificuldade de acesso à internet? Nenhuma delas precisou se preocupar com isso. “O ensino online desenvolveu habilidades nos alunos que se estivéssemos no presencial não desenvolveria”, disse Juliana Abdala.
Apesar das diferenças, todas são igualmente professoras e não disfarçaram o cansaço e a insatisfação com a educação em 2020. É notório que professor sempre levou trabalho para casa, mas a pandemia complicou ainda mais esse aspecto. Susete Bacchereti, que é professora de psicologia, diz que no presencial, quando acaba a aula, você pega suas coisas e sai, mas no online não, é o tempo inteiro recebendo e-mail e aluno chamando. “É preciso ficar ligada o tempo todo”, disse.
Quando questionadas sobre como foi sair da sala de aula e passar o dia no computador, suspiraram, mostraram olhares baixos e apenas palavras negativas. “Para mim foi terrível, até hoje é. Eu sinto muita falta dos alunos, eu sinto muita falta do contato. Eu brinco com eles e eu digo que eu sou professora porque existem alunos, né?”, contou Ana Luísa, professora de redação.
O psicológico também foi muito afetado. Tanto dos alunos, quanto dos professores. “Eu já fiquei muito desanimada porque alunos tiraram sarro de uma prova que eu fiz, trocaram os nomes. Eu fiquei com muita raiva, até chorei”, contou Karina.
Algo importante de ressaltar é que por mais que as vivências não sejam as mesmas, as professoras entrevistadas têm um pensamento crítico a respeito do lugar em que ocupam. Assim, segundo Ana Luísa, “é um absurdo que tenha alunos que não terão um pingo de prejuízo enquanto nesse mesmo país tenha alunos que não tiveram um dia de aula depois de 18 de março. Isso me entristece muito.”
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Aprendizados
Apesar das dificuldades, o tempo foi passando e tornando essa “novidade”, uma rotina. “A gente meio que se adapta a qualquer coisa, não significa que a gente goste ou queira, mas sim, eu me sinto mais confortável fazendo isso hoje do que eu me sentia no começo”, explicou Ana Luísa. “A gente teve que reaprender muita coisa, se reinventar”, completou Susete. Hoje, as quatro tentam tirar o lado positivo da situação.
Com a pandemia o sentimento do que é “ser professor” foi reformulado. E esse ponto, para elas, foi positivo. O trabalho de cada um passou a ser mais valorizado, é como se o professor “descesse do pedestal” que muitas vezes o colocam, e se aproximasse mais do aluno. “Eu acho que os alunos conseguiram perceber um pouco melhor como os professores são interessados neles, como a gente trabalha para eles. Professor também é gente, também tem uma vida complicada”, desabafou Ana Luísa.
Além disso, outro ponto positivo de toda essa adaptação no âmbito educacional, foi o desenvolvimento dos professores em relação à tecnologia. Todas se mostraram inicialmente aflitas com essa questão, mas no final levaram como um dos maiores aprendizados. “Eu como professora aprendi muito quanto a tecnologia. Consegui montar aulas diferentes que até vou poder guardar para outros anos”, explicou Karina.
Voltas às aulas?
Por fim, pensando na volta às aulas presenciais, essa é mais uma das situações difíceis para os professores. Diferentemente dos alunos, eles não têm a opção de não ir dar aula. Por mais que estejam com saudade e necessidade da sala de aula, o presencial ainda assusta as entrevistadas.
“Eu falo que é um pé de cada lado. Da impressão que por mais que a gente tome todas as precauções parece que o inimigo ta do seu lado”, disse Karina. Já Juliana pensou em outro aspecto: o novo normal. “Eu lido com crianças e tenho medo de como vão reagir ao distanciamento e ao uso de máscaras. Trabalhamos muito com a fala, com o fonema, a máscara vai complicar porque as crianças aprendem muito visualmente”, explicou.
Problemas com internet, falta de um ambiente controlado, transitar entre cômodos, falta de momentos de distração fora de casa, a responsabilidade de conciliar maternidade, matrimônio e trabalho, isso ainda é preferível à volta presencial das aulas nesse momento. “Não dá para você enfiar 70 alunos em uma sala sem janela. Não tem como”, finalizou Susete.
“Esse laço que é muito importante para aprendizagem a gente não perdeu. Quando eles me veem na câmera, eles ficam felizes, isso é gratificante”, Juliana Abdala.
“Toda aula essa minha aluna fica na tela junto comigo. Eu acho muito legal, eu falo ‘ó minha parceira aí’”, Susete Bacchereti.
“Uma palavra de carinho que saia da boca de um aluno muda nosso dia”, Karina Sbrana.
“Quando eu abri os olhos eles estavam todos com as câmeras ligadas, foi muito emocionante, eu até chorei”, Ana Luísa Feiteiro.