Representando 10% da população mundial, canhotos ainda carregam estigmas errôneos sobre uma característica determinada já no nascimento
No dia 13 de agosto, comemora-se o Dia Internacional do Canhoto. Em um mundo com 90% de destros, escrever com a mão esquerda ainda causa certa curiosidade. Estudos buscam explicar o que determina a lateralidade das pessoas e por que, na espécie humana, existe tanta diferença entre o número de destros e canhotos.
Por que canhotos?
A fonoaudióloga, psicopedagoga e mestra em Educação pela Unicamp Valéria Maria Fusch Ferreira explica que ser canhoto ou destro é algo que depende do hemisfério cerebral dominante de cada um. Essa dominância, chamada de lateralidade, é cruzada, ou seja, “em um canhoto, a dominância do hemisfério cerebral é do lado direito; nas pessoas destras, ela vem do lado esquerdo”.
A lateralidade é um fator já determinado no nascimento e não pode ser escolhido ou influenciado. Em média, “a criança consegue entender qual é a dominância dela por volta dos cinco ou seis anos e ela estabelece isso por volta dos sete ou oito anos”, afirma a educadora.
Fatores genéticos também determinam se alguém vai escrever com a mão direita ou esquerda. A chance de ter uma criança destra é sempre maior. Mas, quando um ou ambos os pais são canhotos, a chance do filho ser canhoto é maior do que quando ambos são destros. Ainda assim, a chance de passar a característica é pequena. Valéria afirma que apenas “5% das famílias têm alguém canhoto que passe essa herança genética para outro membro da família”.
Os estáveis 10%
Outro fator considerado é o processo de evolução da humanidade. Analisando instrumentos e fósseis, é apontado que, 500 mil anos atrás, já se observava a proporção de um canhoto em cada dez pessoas. Acredita-se que essa proporção se mantém estável há tanto tempo devido a um equilíbrio entre as forças que atuam no processo de evolução da humanidade.
A pressão competitiva oferecia vantagem evolutiva aos canhotos, que se destacavam em combates por serem uma minoria que atacava de maneira diferente. Já a pressão cooperativa traria uma desvantagem ao grupo que, por utilizar a mão esquerda, destoava da maioria destra. Considerando as duas forças, a população canhota se estabilizou nos 10%, porcentagem que tende a se manter.
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O lado “errado”
Por muito tempo, houve grande preconceito em relação às pessoas que usavam a mão esquerda. Valéria conta que “a regra era que todos fossem destros. A gente não estava acostumado com o ser canhoto, não era normal naquela época”. Ela acrescenta que, “na Idade Média, quando a sociedade descobria que uma pessoa era canhota, ela era queimada como uma bruxa porque fazia tudo com a outra mão, que não era dita normal e aceita pela sociedade”.
Além disso, até meados do século XX, muitos canhotos foram forçados a escrever com a mão direita, já que a esquerda era considerada errada. Nessa situação, “a criança pode até se desenvolver motoramente, mas ela vai ter uma influência que não seria a correta, a pertinente, para o desenvolvimento da aprendizagem dela e poderá sim prejudicar o processo”, afirma a psicopedagoga.
Esse preconceito também pode ser percebido na forma de se referir a canhotos. Em português, a pessoa destra usa a mão direita – o que carrega a ideia de que a outra seria a errada. Em italiano, quem escreve com a mão esquerda é “sinistro”, palavra que se relaciona a algo ruim, anormal. Na França, o canhoto é “gauche”, palavra que também significa atrapalhado.
Vivendo como canhotos
Valéria, que também é canhota, comentou que algumas coisas são mais difíceis para canhotos, já que muitos objetos são feitos pensando em destros. “Eu tive que aprender a abrir latas com a mão direita, porque não tinha abridor para canhoto, então eu faço isso com a mão direita”, exemplifica.
Ela também relata sentir dificuldade com a tesoura – algo comum entre canhotos – mas relembra que já existem avanços, como a tesoura feita para ser usada com a mão esquerda. Esses avanços podem parecer pequenos, mas a fonoaudióloga que trabalha com crianças diz que fazem a diferença. “Os alunos canhotos que eu recebo no consultório já usam a tesoura de canhoto e a gente já percebe o quanto isso facilita o desenvolvimento dessa habilidade do recorte para as crianças”.
Valéria evidencia que os mais novos devem ser incentivados a usar a mão que os deixa mais confortáveis e que o início do desenvolvimento motor é uma etapa essencial. “A educação infantil é um período do crescimento do ser humano de muita importância. É aí que a gente vai estruturar as habilidades cognitivas e motoras desse pequenininho para que ele tenha um processo de aprendizagem muito bem definido”, esclarece.