Esquecidas pelo gênero: conheça a história de mulheres cientistas não creditadas por suas descobertas - Revista Esquinas

Esquecidas pelo gênero: conheça a história de mulheres cientistas não creditadas por suas descobertas

Por Isadora Pacello : outubro 21, 2021

Fotos: IAEA Imagebank, MRC Laboratory of Molecular Biology, Jeremy Keith, Astronomical Institute, Academy of Sciences of the Czech Republic

Para doutora em toxicologia pela USP, discriminação com cientistas mulheres ainda é muito presente na ciência por ser algo enraizado e pouco perceptível

Análise de átomos, estudos astronômicos, descobrimento de espécies e muito mais. O mundo moderno só existe como é hoje graças às descobertas científicas. A ciência tem um papel fundamental na vida cotidiana, mas, por vezes, as cientistas mulheres por trás de conquistas tão importantes não recebem os devidos créditos. Mais grave ainda é saber que um dos motivos para isso acontecer é a discriminação de gênero.

Mariah Ultramari, farmacêutica e doutora em toxicologia pela USP, afirma que ser mulher a leva a enfrentar desafios em sua profissão, inclusive alguns “mais descarados” na pós-graduação. Para ela, esse “é um ambiente bem propício a esse preconceito”. Segundo a cientista, a discriminação contra a mulher é algo enraizado e muito pouco perceptível a olhos não atentos.

“A gente vem na tentativa de melhorar isso. Acho que é uma busca incessante, porque nunca saímos do mesmo lugar que os homens”, diz Ultramari. Ela argumenta que, “nesse tempo, em que as mulheres ficaram de escanteio, deixamos de contribuir diretamente, não só com a parte científica, mas com uma tentativa de fazer uma ciência voltada a algo mais sensível, com uma preocupação de ajudar os outros”.

Como conta a especialista, se hoje em dia a ciência ainda não é plenamente igualitária na questão de gênero, há alguns séculos esse quadro era ainda pior. Diversas cientistas femininas que conduziram estudos relevantes não foram devidamente creditadas por seus trabalhos somente por serem mulheres. Conheça algumas delas:

Ida Noddack, três vezes não creditada

Nascida em 1896 na Alemanha, Ida Noddack foi uma das primeiras mulheres a estudar química em seu país natal. Isso permitiu que ela descobrisse, junto a seu marido, Walter Noddack, e ao cientista Otto Berg, o elemento Rênio (Re), de número atômico 75. No entanto, a descoberta foi creditada exclusivamente a Walter e Otto.

Ida ainda descobriu o elemento de número atômico 43, que chamou de Masurium. Contudo, por não conseguir isolá-lo, a descoberta foi ignorada. Mais tarde, foi atribuída a Emilio Segre e Carlo Perrier, que produziram o elemento artificialmente e conseguiram isolá-lo.

A cientista também foi a primeira a teorizar a fissão nuclear, mas novamente, por não poder comprovar sua ideia, não recebeu crédito por ela.

 

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Lise Meitner e a fissão nuclear

Lise Meitner nasceu em 1878, em Viena, em uma família judia. Apesar das dificuldades para ingressar na universidade por ser mulher, ela se tornou física.

Lise descobriu como realizar o processo de fissão nuclear de elementos pesados, como o Urânio, o princípio da bomba atômica. Tal feito era considerado impossível até então. Porém, seu colega, Otto Hahn, acabou por excluir o nome da cientista do estudo. Ele alegou que visava protegê-la, já que ela era uma mulher judia no contexto do nazismo. Mas, mesmo anos depois, Otto nunca chegou a creditá-la em seus trabalhos.

Nettie Stevens e o cromossomo X

Nettie Stevens nasceu em 1861, nos Estados Unidos. Seu gênero lhe rendeu inúmeras dificuldades, motivo pelo qual só conseguiu iniciar sua carreira como pesquisadora aos 39 anos. Ao estudar o bicho-da-farinha (Tenebrio molitor), Nettie percebeu que as fêmeas possuíam dois cromossomos X, enquanto os machos tinham um X e um Y.

Com isso, ela fez cair por terra a ideia, aceita até então, de que o sexo era determinado pela fêmea, em conjunto com fatores ambientais. Contudo, a cientista nunca recebeu o devido reconhecimento da academia e, mais tarde, o pesquisador Thomas Hunt Morgan acabou ganhando o prêmio Nobel pela mesma descoberta.

Rosalind Franklin e a “fotografia 51”

A britânica Rosalind Franklin nasceu em 1920, em uma família judia, e teve a chance de estudar em uma das poucas escolas que ensinavam física e química às mulheres na época. Formou-se em físico-química na Newham College, uma universidade exclusivamente feminina, e seu PhD tratava da porosidade do carvão, assunto de relevância para a Inglaterra no período da Segunda Guerra Mundial.

Rosalind foi responsável por aprimorar a cristalografia, estudo da disposição dos átomos em sólido, e o conhecimento sobre os raios-X. Trabalhando no laboratório de Maurice Wilkins, conduziu um estudo que registrou a estrutura do DNA no que ficou conhecida como “fotografia 51”. O feito foi possível graças ao seu trabalho e levou ao descobrimento da dupla-hélice da estrutura do DNA.

No entanto, Wilkins pegou para si todo o crédito da descoberta e Rosalind só foi reconhecida pela comunidade científica na década de 1960.

 

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Mary Anning, cientista que virou filme

Mary Anning nasceu em 1799, na Inglaterra. Sua família tinha dificuldades financeiras e procurava fósseis para vender. Desde a morte prematura do pai, quando Anning tinha pouco mais de dez anos, ela se dedicou a essa tarefa. Nunca teve educação formal, mas foi autodidata em geologia e anatomia.

Foi Mary Anning quem encontrou o primeiro fóssil completo de um Plesiosaurus, cujo nome significa “semelhante a um lagarto”. O fóssil era tão diferente do que se conhecia até então que, a princípio, foi considerado falso. Convocou-se uma reunião para debater a questão, mas Anning não foi chamada. No fim das contas, o fóssil foi considerado legítimo.

Ela também encontrou o primeiro Pterosaurus fora da Alemanha, dentre outras descobertas que foram fundamentais para as discussões sobre a extinção das espécies. Mesmo assim, à época, Mary Anning praticamente não foi creditada por sua atuação como paleontóloga. Em 2020, o filme Ammonite dedicou-se a homenageá-la.

 

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Vera Rubin e a luta pelas cientistas mulheres

A estadunidense Vera Rubin nasceu em 1928, e, desde cedo, inspirou-se em cientistas mulheres atuantes no campo da astronomia. Tentou ingressar na Universidade de Princeton, mas o fato de ser mulher a impediu e ela teve de estudar em outra escola.

Rubin lutou pela igualdade de gênero, defendendo a educação e o estímulo das meninas. Em 1963, quando o Observatório Palomar ainda não permitia a entrada de mulheres por não possuir banheiro feminino, ela utilizou telescópios do local e ainda colou uma saia de papel em uma das portas dos banheiros masculinos.

A astrônoma estudou a distribuição de massa na galáxia Andrômeda e o movimento das galáxias. Foi ela quem comprovou a existência de matéria escura no universo, cuja força gravitacional influencia o movimento das estrelas. Ainda assim, não recebeu o prêmio Nobel por seu trabalho.

 

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Jocelyn Bell Burnell, creditada décadas mais tarde

Nascida em 1943, na Irlanda do Norte, Jocelyn Bell Burnell sempre teve vontade de aprender. Estudou na Universidade de Glasgow e foi a responsável pela descoberta do primeiro pulsar, uma estrela de nêutrons pulsante, em 1967. O estudo foi premiado com um Nobel, mas Burnell foi deixada de fora. Somente em 2018, a cientista recebeu o reconhecimento por sua descoberta de cinco décadas antes.

 

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Editado por Julia Queiroz.

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