Em qual passo está o projeto da coleta seletiva em São Paulo que, a princípio, deveria abranger toda a cidade e suas distribuições?
Seleção, de acordo com o Google, significa ato ou efeito de selecionar.
É imprescindível que esse conceito esteja definido, para que a sociedade entenda o significado por trás do que é uma coleta seletiva e de que modo ela é – ou deveria ser – executada. Um artigo disponibilizado pelo Gov , aponta que “a implantação da coleta seletiva é um processo contínuo que é ampliado gradativamente”.
O primeiro passo diz respeito à realização de campanhas informativas de conscientização junto à população, campanhas essas que expliquem a importância da reciclagem e orientem a separação do lixo em recipientes apropriados para cada tipo de material. Posteriormente, deve-se elaborar um plano de coleta, definindo equipamentos, veículos, áreas e a periodicidade de coleta dos resíduos. Finalmente, é necessária a instalação de unidades de triagem, para limpeza e separação dos resíduos e acondicionamento para a venda do material a ser reciclado.
O problema é que, por vezes, a população cumpre com seu papel em se reeducar e separar o lixo, mas os órgãos públicos responsáveis por definir, planejar e executar os planos da coleta, falham enquanto agentes de transformação ecológicos, e falham com a população.
Porém, a coleta seletiva não é seletiva apenas com os resíduos a serem descartados, mas também mediante aos lugares que é feita e executada. Para expor essa situação de modo claro e real, este texto será baseado em dados apurados, e terá fragmentos de depoimentos que, com sorte, nos ajudarão a passar uma visão abrangente da coleta, por diversas perspectivas.
Os dois lados da moeda
Temos como fonte do projeto da coleta, a SP Regula (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de São Paulo), que é responsável pela regulação e pela fiscalização dos serviços delegados da cidade de São Paulo. Segundo a SP Regula, o projeto da coleta foi criado a fim de atender às exigências dos contratos de serviços de limpeza urbana realizados pelas concessionárias LOGA (Logística Ambiental de São Paulo) e ECOURBIS, bem como atender as políticas públicas.
Sua finalidade é, (dentre outros temas), a reutilização dos resíduos, preservação do meio ambiente, geração de renda para os catadores, melhoria da limpeza nos municípios e a promoção de pensamentos ativos de consciência ambiental.
O impacto da coleta no mundo ecológico é indiscutível. Segundo a Resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) N.º 275/2001, foi estabelecido um código de cores para diferentes tipos de resíduos na coleta seletiva, o que facilita a separação e distribuição do lixo e chama atenção para o projeto.
A SP Regula salienta que o projeto deteve de melhorias para São Paulo, ao dizer que: “O atual modelo de Concessão dos serviços de Coleta, de Transporte, de Tratamento e de Destinação final dos resíduos: Domiciliar, Recicláveis e de Saúde abarca as condições estabelecidas e é desejo da administração pública melhorar em todos os aspectos a prestação dos serviços.”
Em contrapartida, Edvilson Antonio Marcelino de Souza (68), que trabalha em uma loja de equipamentos de piscina, mora em uma rua na Zona Leste de SP que não tem coleta seletiva. Edvilson é apoiador de causas ambientais e sempre faz o possível na questão da reciclagem.
Quando questionado sobre a separação dos lixos, ele demonstra querer ajudar, “minha esposa separa tudo o que é reciclado, o que não é reciclado”. Mesmo não tendo o privilégio da coleta, ele ainda cumpre com o seu papel de separar o orgânico do reciclado, mas salienta que a população não ajuda:
“Tá todo mundo misturado, ninguém tá fazendo coleta seletiva, no bairro onde eu moro está tudo misturado, ninguém está fazendo nada que ajude…”
Ainda concordou com a ideia de se juntar com a rua e contribuir se um dia contratarem uma empresa particular para resolver a coleta, simplesmente porque não gosta da ideia dos lixos não serem separados, e ainda propôs “Uma reunião com os moradores para achar a melhor solução para a coleta seletiva, ou colocar em caçambas especiais em pontos estratégicos”
Sobre os ecopontos, o mais próximo de sua casa fica próximo ao Parque Raposo Tavares – o que daria cerca de 10 minutos de carro e quase 20 de ônibus – não sendo muito acessível visto que demandaria a ele mesmo realizar todo o transporte do lixo.
Edvilson sempre luta por um bairro melhor e uma qualidade de vida mais saudável, defendendo a conscientização de outros moradores.
O projeto da coleta sempre muda de rumo quando sai do papel. Dados registrados pelo Atlas Brasileiro da Reciclagem, mostram que o Sudeste possui um dos maiores percentuais de municípios com programas de coleta de lixo implementados, o que é motivo de satisfação para os paulistas. No entanto, ao dizer que “o serviço é oferecido apenas em algumas regiões da cidade, além de faltar um esforço permanente de informação e educação para os cidadãos para melhorar a qualidade e a quantidade de materiais coletados”, ressalta que São Paulo pratica uma coleta de lixo parcial e ainda pouco eficiente.
A SP Regula também nos orientou que existe sim uma fiscalização da coleta, e que é realizada do seguinte modo: “Os contratos de limpeza urbana são fiscalizados consoante a legislação vigente pelo gestor e pelos fiscais de contrato. Existem instrumentos normativos que norteiam a realização das fiscalizações bem como a aferição dos índices de qualidade geral que avaliam a performance dos serviços prestados.”
A questão que fica é, uma vez que os dados mostram que 33,33% dos municípios de São Paulo não tinham acesso à coleta seletiva até o levantamento feito pelo TCE em 2019, será mesmo que a fiscalização está seguindo suas demandas? Afinal, um projeto idealizado para o povo, que não abrange todo o povo, é, no mínimo, falho.
O mesmo relatório do TCE ainda aponta que quase 25% das destinações não tratam ou separam o lixo produzido no estado. A ponto de comparação, segundo relatórios coletados pelo Our World in Data, países como a Itália, Alemanha, França e Estados Unidos alcançam pelo menos um patamar de 20% do lixo destinado para a reciclagem.
Em São Paulo a porcentagem de lixo que chega aos locais capazes de processar e reciclar os materiais é mínima. Segundo o relatório próprio da prefeitura de São Paulo, cidade que sozinha concentra 25% da população do estado, a quantidade de lixo recebida pela coleta seletiva representa, consistentemente, menos de 10% da produção total. Os ecopontos, por sua vez, conseguem ser quase cinco vezes mais eficientes do que a coleta seletiva, chegando a acumular quase meio milhão de toneladas por ano. Entretanto, vale ressaltar que esses resultados estão distantes do ideal.
Então, qual o protocolo?
Os protocolos principais são os famosos “três erres”, ou princípios da sustentabilidade, são reduzir, reutilizar e reciclar. A reciclagem possui medidas que trazem inúmeros benefícios para o meio ambiente. Por esse, e outros motivos, a coleta seletiva se torna tão essencial para a sociedade. Então, como se organizam as pessoas que vivem em lugares de São Paulo onde a coleta seletiva é escassa? A falta do projeto leva a população a buscar outras saídas, como os ecopontos.
Os ecopontos são grandes locais de entrega voluntária, principalmente de material reciclável. Porém, não são considerados pontos oficiais de coleta seletiva, já que aceitam qualquer material que não está mais em uso. Dessa forma, seu principal intuito é evitar o descarte de lixo nas vias públicas e na natureza.
Nesses locais, podem ser descartados móveis usados, resíduos de obras (cimento, entulho, etc) e lixos recicláveis. Os últimos podem ser armazenados em PEVs (Ponto de Entrega Voluntária de Recicláveis), que são grandes containers verdes utilizados no descarte do material.
O site oficial da Prefeitura de São Paulo disponibiliza a busca por ecopontos. Lá, o cidadão coloca seu endereço e descobre o ecoponto mais perto de sua residência. O problema é que, ao analisar os locais de entrega voluntária, é possível perceber que esse serviço não está disponível em todos os bairros e municípios da cidade, assim como a coleta seletiva. O que desmotiva as pessoas é o fato de que, muitas vezes, o lugar mais próximo para descartar o material reunido é distante do local em que moram.
VEJA MAIS EM ESQUINAS
Dia Mundial da Reciclagem: evento de conscientização sobre o lixo têxtil chama atenção na Paulista
Unindo reciclagem e reinserção social, startup dá chance a pessoas em condição de vulnerabilidade
A coleta para além do lixo
Cláudia Gianini (55), é artesã e dona de um comércio, em que trabalha com a reutilização de materiais recicláveis, desde 2001, chamado “Arte e Coisas Pet”. Ela transforma “lixo” em acessórios como brincos, colares e outros, portanto, a reciclagem é essencial em sua vida. Além de ser muito benéfica para o meio ambiente, esta medida sustentável pode também ser uma atividade comercial.
A coleta seletiva influencia diretamente um ecossistema que vai para além do mundo ecológico. Para Cláudia, por exemplo, a distribuição de resíduos não utilizados em seus respectivos lugares é imprescindível em vida socioeconômica, uma vez que a mesma tem seu sustento bancado pela venda de produtos artesanais, que produz com materiais descartados. Em suas palavras, “lixo só vira lixo quando vai pra fora de casa, quando separado em casa é material reciclado”.
“Trabalhar com material reciclado foi o que me chamou atenção. Foram as possibilidades que me inspiraram. Não é uma decisão racional… Nada, nenhuma outra coisa me inspira tanto quanto trabalhar com material reciclado”, explica.
Materiais como cápsulas de café usadas, fundo de garrafas de alumínio, embalagens de suplemento, embalagens de sorvete – e tudo que seja colorido, como conta a artesã – ganham um novo uso quando colocados no pescoço, como colares ou quando colocados no teto, como abajures. Ela possui só um propósito: tornar – literalmente – o mundo melhor.
Ps: ela consegue.
Para obter os materiais inutilizados e ressignificá-los, Cláudia compartilha de que modo faz a sua coleta. As cápsulas de café, ela recebe de pessoas que lhes dão este material e as garrafas pet são coletadas em ecopontos. Já as latinhas são coletadas pela própria artesã em seu prédio, que realiza a coleta. Uma vez com o material em mãos, ela retira o fundo das latinhas e os lacres, transformando-os e dando outras funções.
Ao ser questionada sobre como se sente ao ser uma agente de transformação ao contribuir para a estabilidade do equilíbrio ecológico, a mesma diz:
“Transformada. É assim que eu me sinto. Trabalhar com material reciclado é o que transformou minha vida também. Me sinto realmente transformada e fico muito feliz de poder fazer parte da cadeia de prevenção à destruição do nosso planeta.”
A comerciante defende que, mesmo a coleta seletiva não sendo disponibilizada em todos os lugares, o lixo é responsabilidade de cada indivíduo. Para ela, as pessoas deveriam ter como obrigação o descarte consciente e procurar locais de reciclagem, por exemplo os ecopontos.
“A coleta seletiva é precária, mas não só pela prefeitura, ela é precária dentro das casas. Isso porque a pessoa acha que o lixo não é responsabilidade dela”, afirma.
Embora a reciclagem seja de extrema importância para o meio ambiente, a coleta seletiva foi idealizada para aumentar o descarte regular. Mesmo que a separação e o transporte do lixo reciclado possa ocorrer a partir da iniciativa dos indivíduos, é impossível negar que o projeto deveria atender todas as regiões.
Assim, pode-se dizer que as medidas sustentáveis, como separar os materiais, devem surgir da ética sustentável dos cidadãos. Já a coleta seletiva deve ser responsabilidade da Prefeitura, assim como as falhas no projeto, que não atende todos os lugares.