O que falta para uma 'Nasa' dos oceanos? - Revista Esquinas

O que falta para uma ‘Nasa’ dos oceanos?

Por André Preturlan César, Beatriz Magalhães Castilhone, Luiz Octavio Rodrigues dos Santos e Maria Clara Castilho : outubro 10, 2023

Foto: Pexels/Tyler Lastovich

Atualmente, apenas 20% do fundo do mar foi mapeado e especialistas apontam as dificuldades para a realização de estudos nos oceanos

Segundo os estudiosos, os empecilhos para a exploração dos oceanos englobam falta de recursos e tecnologia, necessidade de educação ambiental e falta de visibilidade pública.

Os oceanos cobrem mais de 70% da superfície da Terra e são responsáveis pelo equivalente a aproximadamente 97% do abastecimento de água do planeta. Apesar disso, apenas 20% das profundezas do mar foram mapeadas, de acordo com dados de 2022 da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, em inglês), dos Estados Unidos.

A importância que os oceanos têm para a humanidade é diversa: sem a sua presença a vida na terra seria impossível, pois 50% do oxigênio consumido pelos seres vivos é produzido por microalgas, parte da flora localizada nas águas salgadas.

Atividades econômicas dependem dos mares, já que energia pode ser extraída das ondas, marés, gradientes térmicos e de salinidade, além das atividades de pesca e maricultura, utilizadas na indústria alimentícia. Muitas cidades litorâneas utilizam como fonte de recursos o turismo costeiro, responsável por cerca de 10% do PIB nacional. 

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Atualmente, o Brasil possui 5,7 milhões de km2 de área marítima, além de ter sua costa banhada inteiramente pelo oceano atlântico.
Foto: Pexels/Matthew Barra

Apesar das semelhanças, os oceanos e mares são diferentes e isso explica uma das dificuldades em explorar essas águas: sua área é muito mais vasta, além de serem consideradas patrimônio da humanidade.

ESQUINAS entrevistou Juliana Rodrigues da Costa, formada em biologia marinha pela UNESP de São Vicente, com mestrado em aquicultura. Ela explica que a principal diferença entre os oceanos, na verdade, é em relação à extensão deles, ou seja, o tamanho e a profundidade que eles possuem.

“Os mares são menores, têm uma média de profundidade de no máximo 1000 metros. Já os oceanos são bem mais extensos. Eles têm profundidade de até 12 mil metros. A média de profundidade de todos os oceanos é por volta de 3.000 metros.”

De acordo com Juliana, as pesquisas marítimas são muito diferentes das pesquisas oceânicas, além das diferentes proporções de espaço e profundidade:

“Como os mares são regiões menores você acaba concentrando algum tipo de pesquisa naquela região como, por exemplo, a região Costeira. Quando você entra numa pesquisa relacionando o oceano, você tem que tentar ver como se fosse algo mais Global, porque os oceanos são considerados patrimônio da humanidade.’’

Atualmente, o Brasil possui 5,7 milhões de km2 de área marítima, além de ter sua costa banhada inteiramente pelo oceano atlântico.

É difícil realizar pesquisas amplas nos oceanos, como explica a bióloga, já que eles englobam áreas muito mais vastas, sendo necessário pensar na jurisdição dessas regiões. “Nenhum país pode falar ‘isso é meu’, na teoria todo mundo é dono dos oceanos. Então você precisa de pesquisas que consigam relacionar todos aspectos de todos os oceanos como um todo, então você precisa de conversas com entre vários países”, afirma Juliana. 

Explorar o fundo dos oceanos significa entrar em locais desconhecidos e com pressão muito alta, além de pouca visibilidade e baixas temperaturas.  É necessário grande investimento de recursos em máquinas, submarinos ou câmeras que possam acessar esses locais de forma segura.

Muito se fala sobre as diferenças de exploração do espaço e dos oceanos. De acordo com o pesquisador Gene Feldman, oceanógrafo da Nasa, “temos melhores mapas da Lua e de Marte do que do nosso próprio planeta”.

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Cientistas já realizaram mapeamentos das superfícies de Mercúrio, Vênus e Marte, com mais precisão do que nos oceanos na Terra.
Foto: Pixabay

O espaço só pode ser explorado por meio de muita tecnologia, mas diferentemente dos oceanos, é possível observar o universo distante por meio de telescópios que alcançam distâncias longevas, até 13 bilhões de anos-luz de distância. Cientistas já realizaram mapeamentos das superfícies de Mercúrio, Vênus e Marte, com mais precisão do que nos oceanos na Terra. 

Embora parte do Universo tenha sido explorada, seu acesso torna-se tão difícil quanto os oceanos, pois o tamanho do cosmos é extenso, além de ser formado por matéria escura, invisível aos olhos humanos.

Quais são as principais dificuldades para a exploração dos oceanos? 

Juliana explica que a principal dificuldade é não ter um órgão especializado em oceanos, como a Nasa existe para o espaço.

“É uma barreira para gente, mas não que ela impossibilite de pesquisas e informações acontecerem. Mas é uma barreira bem grande porque se fosse criado um instituto como por exemplo a NASA que tivesse uma coordenação, um financiamento que é muito alto, a visibilidade dos oceanos, eu acho que como tudo seria muito maior. E aí com certeza as explorações, pesquisas e tudo que envolve os oceanos seriam muito maior. Se a gente tivesse uma agência que conseguisse dar essa visibilidade para os oceanos seria muito mais fácil.”

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Qual a importância dessa exploração? 

O professor da USP Federico Pereira Bandini explica que a exploração dos oceanos pode oferecer alternativas para diversificar a matriz energética. Países querem investir em parques eólicos flutuantes, a partir da extração da energia das ondas, ressaltando que grande parte da matriz energética da terra provém de combustível fóssil (petróleo e gás natural), que não são renováveis.

“Eu acredito que o mar seja a solução para energias alternativas. Países já estão na busca por hidrogênio, pois já estão desenvolvendo carros movidos a hidrogênio. Uma grande vantagem é que a queima de hidrogênio não gera CO2, gera-se água, e o mar é água salgada, nesse caso é preciso investir no processo de eletrólise. Essa medida já é pensada para o futuro”, afirma o professor. 

Com os  avanços tecnológicos, é possível conhecer mais sobre os oceanos?

“A ciência se desenvolve com a tecnologia. Não dá para dizer que você conhece o vermelho, se nunca viu o amarelo. A tecnologia está sempre evoluindo, e eu acredito que nós ainda vamos quebrar paradigmas atuais no futuro. Mas esse avanço só vem com a educação, e educação para todos”, explica Federico.

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A exploração dos oceanos pode ser uma tarefa desafiadora do ponto de vista tecnológico e financeiro, mas só a partir dela será possível entender mais sobre fenômenos naturais relacionados ao oceanos.
Foto: Belle Co/Pexels

Juliana acredita que a conscientização sobre a preservação do meio ambiente e uma educação mais profunda sobre a  preservação dos oceanos, ajudariam a trazer mais visibilidade pública para pesquisas nos mares e oceanos. “Falta uma educação ambiental um pouco mais profunda. A visibilidade pública gerada pela educação ambiental iria abrir portas para mais financiamento em pesquisas voltadas para esta área.

A bióloga também da ênfase na criação e desenvolvimento de novas tecnologias, produzidas por outras áreas, que podem ser utilizadas em pesquisas aquáticas.

“Algo muito importante são as tecnologias que são feitas inclusive para as regiões da atmosfera, por exemplo da Nasa, muitas delas depois são usadas em expedições nos oceanos, que acabam criando novos materiais’’, defende. 

A exploração dos oceanos pode ser uma tarefa desafiadora do ponto de vista tecnológico e financeiro, mas só a partir dela será possível entender mais sobre fenômenos naturais relacionados ao oceanos, além de investimento em novas tecnologias e energias sustentáveis. 

Editado por Mariana Ribeiro

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