“(A pandemia) é especialmente uma época diferente, já que nunca tivemos uma redução de poluentes desde a revolução industrial”, diz doutor em oceanografia física, Hélvio Gregório
De acordo com o doutor Gregório, 37 anos, a pandemia não será um fator de mudança na relação das pessoas com o meio ambiente. “Talvez essa consciência (ambiental) só apareça a partir do momento em que se não preservarmos o meio ambiente nós vamos perder dinheiro. Todos esses estudos que vão ser gerados sobre os impactos teriam de ser absorvidos pela sociedade, mas infelizmente não acredito que isso será uma realidade factível”, ponto.
Nessa mesma discussão, o coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), David Tsai, 35 anos, aponta uma visão mais otimista sobre possíveis mudanças no cotidiano. “Essa experiência vai se manter em algum nível, como aprendizado. Vão ganhar grande importância os meios de transporte ativos, sem aglomeração de pessoas e ao mesmo tempo que promovam o deslocamento coletivo de forma saudável. Além de uma possível mudança nos trabalhos de escritório, com menos deslocamentos e mais reuniões remotas”, comenta.
Apesar dessa divergência, todos os especialistas consultados por ESQUINAS concordam que, caso a retomada da economia seja feita de forma acelerada, todos os efeitos gerados na quarentena serão suprimidos rapidamente. Gustavo Armani, 45 anos, doutor em geografia física, traz um alarme para essa situação. “É questão de dias para voltar a poluição que tínhamos antes. Essas coisas já eram alertadas anteriormente, mas não davam bola, chamam a gente de alarmistas”, afirma.
Para avaliar o cenário e chegar a suas conclusões, os pesquisadores realizam estudos ao redor do país. Em São Paulo, o IEMA mede constantemente os impactos sobre a queda da poluição durante a pandemia. “São Paulo é uma exceção, pois tem equipamentos que medem diariamente (a poluição), já outros estados estão mal equipados. No tocante a poluentes emitidos diretamente por veículos, houve redução na capital como observado em outros lugares do mundo”, explica Tsai, coordenador de projetos do instituto.
Concordando com isso, Luiz Aragão, 46 anos, chefe da divisão de sensoriamento remoto do INPE, diz que haverá uma melhora se essa redução de veículos e poluição continuar a longo prazo. “Esses estudos são focados na direção de uma sociedade mais limpa. Tem efeitos colaterais, mas que podem ser tratados. É chance de mostrar alguns caminhos para o desenvolvimento sustentável, caminho que deve ser buscado. A Terra está atingindo o limite em termos de capacidade suporte. A gente está dentro de uma panela de pressão que está prestes a explodir”, comenta.
Trazendo um outro aspecto para o debate, Aragão, revela um possível efeito negativo para o meio ambiente, caso a quarentena persista por mais tempo. “Reduziu a quantidade de voos. Os aviões emitem aerossóis brancos que diminuem o potencial do aquecimento global. A energia que vem do sol é refletida por esses aerossóis para fora da Terra, reduzindo um pouco o efeito direto do aquecimento global. Quando retirados do sistema se tem mais radiação e maior aquecimento da superfície terrestre”, diz o especialista.
“Essa maior entrada de energia aquece os oceanos, que são as forças motrizes do clima global. Quando o oceano aquece, a umidade migra para o norte, o que gera secas na Amazônia, impactando diretamente na floresta ao decompor árvores que podem aumentar a emissão de gases de efeito estufa”, completa.
Ainda sobre os oceanos, Gregório mostra como todas as pessoas podem ser impactadas. “Todo o carbono lançado na atmosfera tem parte dissolvida no oceano. Quando dissolvido, o gás sofre reações químicas e o meio passa a ter caráter mais ácido. Lentamente o oceano se torna mais ácido. É muito difícil saber se esse curto período é suficiente para frear a acidificação que estamos tendo desde os anos cinquenta”, explica.
Além disso, o doutor em oceanografia física explica como a mudança na qualidade da água afeta a biodiversidade do ecossistema. “Vários animais são compostos por carapaças e conchas, muitas vezes formadas por carbonato de cálcio e, em ambiente ácido, são dissolvidas, prejudicando os animais … prejudicando a cadeia alimentar e o ecossistema como um todo”, alerta.
Para Gregório, no atual momento também existem outras mudanças que impactam o oceano de forma local. “O tráfego de embarcações reduzido gera menos ruídos, menos movimentação de sedimento, menos lançamentos de efluentes e menos gente se deslocando para regiões costeiras, (gerando) ganho na qualidade da água. No dia seguinte eu consigo ver a resposta do ambiente”, relata.