Que faz, afinal, o movimento estudantil na atualidade? Na voz das lideranças, conheça como funciona e quais são os objetivos da luta universitária
Há quem diga que o auge do movimento estudantil é passado. A União Nacional dos Estudantes (UNE) de 2022, é bem verdade, não é a mesma UNE da Passeata dos Cem Mil, das Diretas Já e do movimento Caras-Pintadas. Contudo, o movimento estudantil ainda é uma importante força de mobilização social. A principal luta dessas entidades é pela deselitização e desmercantilização das faculdades públicas e privadas.
Em um contexto político conturbado, a luta do movimento é mais importante ainda. A atual gestão federal corta investimentos na área e insinua que o acesso ao ensino superior deve ser mais restrito – vide declarações do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e do ministro da Economia Paulo Guedes. Buscando entender um pouco mais dos mecanismos e objetivos da luta estudantil, a reportagem de ESQUINAS ouviu representantes das três instâncias do movimento – base (dentro das universidades), estadual e nacional.
Como funciona o movimento
As três instâncias, a despeito da divisão no escopo de atuação, sempre se conversam para lutarem pelos mesmos objetivos. De acordo com os organizadores, uma entidade não pode passar por cima da outra – e até os calendários se alinham. “Acho que é uma relação mais horizontal que vertical. Sempre buscamos ter uma gestão bem companheira”, afirma Tayná Wíne, de 25 anos, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP).
A diretoria da UNE, sempre está em contato com as diretorias das UEEs, que discutem com os diretórios centrais e centros acadêmicos as melhores decisões e movimentos a fazer. Dentro das faculdades, quando os alunos se deparam com algum problema, devem recorrer ao movimento estudantil de instância de base, ou seja, seu centro acadêmico ou diretório central, que deve servir de mediador entre a ocorrência e a solução.
Além de buscar cada vez mais direitos e defender uma educação de qualidade para os estudantes, Wíne acredita ser função do movimento estudantil levar a discussão política até os estudantes. “Não queremos fazer uma ‘lavagem cerebral’ neles, mas incentivar o debate político e assuntos pertinentes aos estudantes”, afirma Tayná. “Hoje em dia existe um sentimento de antipolítica muito forte no Brasil, ainda mais entre a juventude, e a universidade precisa ser um espaço democrático, de debate, de pensamento crítico, então a gente tem como um dos objetivos levar essas discussões aos estudantes”, complementa a presidente.
Durante a pandemia, o movimento estudantil teve que se reinventar completamente, com reuniões on-line e brigadas de solidariedade presenciais. Segundo Beatriz Zeballos, diretora de comunicações do DCE da UNIFESP, os problemas principais rodavam em torno de professores que exigiam câmeras abertas e provas fora do regimento, mas mesmo em outro modelo, os problemas eram resolvidos.
As maiores dificuldades
Entrar na universidade é difícil, mas permanecer nela e sair formado é mais difícil ainda. Esta é uma máxima do movimento estudantil que pauta em muito os debates internos das organizações. Beatriz Zeballos reitera o chavão e afirma que o maior problema enfrentado pelos estudantes hoje é a permanência na universidade. Para ela, o acesso restrito e o custo para se manter nas universidades dificulta que os estudantes consigam sequer terminar seus cursos, mesmo na universidade pública.
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Democracia pelos corredores universitários
A estudante relata que em alguns campi da UNIFESP não existem bandejões e transporte até a universidade, em outros falta água, iluminação ou internet nas salas e corredores. “Em alguns campi não tem ônibus. Tem casos de estudantes que pediram carona para ir e aconteceram coisas horríveis. Tem outros que levamos pra reitoria, e eles não resolvem”, conta a estudante.
Enquanto isso, Wíne pondera que o maior desafio é a inadimplência. Tayná vê a recente conquista do perdão de até 92% da dívida do FIES, o programa de financiamento estudantil do governo, como uma das maiores vitórias do movimento estudantil dos últimos anos. Entre outras, é possível listar a conquista de cotas para negros, indígenas e pessoas com baixa renda em universidades públicas e a possibilidade de acesso no ensino superior por meio do Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, e muitas outras causas.
Mobilização e conquistas
A despeito das conquistas que contaram com participação ativa dos estudantes, muitos têm a impressão de que as organizações estudantis estão enfraquecidas. Uma das explicações para essa suposta perda de relevância, segundo Wíne, é a multiplicidade de estímulos que a internet traz. “Os estudantes continuam agindo e se preocupando, mas por conta desses vários focos, perdemos visibilidade”, complementa a presidente da UEE-SP. Para Zeballos, “os estudantes nunca pararam de protestar e lutar pelos seus direitos, se mobilizando em todo o país”.
No último semestre, manifestações contra os cortes na educação ocorreram em todo o país, especialmente no dia 9 de junho. Sob as hashtags #9J e #TiraAMãoDaFederal, o movimento se espalhou nas redes sociais e levou milhares de estudantes, especialmente das universidades federais, às ruas.
Em São Paulo, a mobilização aconteceu em frente ao Theatro Municipal e seguiu até o Largo S. Francisco, e contou com figuras como o deputado federal Orlando Silva (PCdoB) e Bruna Brelaz, presidente da UNE. Além do fim dos cortes, as organizações estudantis pediam o impeachment e a prisão do Presidente Jair Bolsonaro.
Convite à politização
Segundo pesquisa do Instituto Semesp, 61,8% dos universitários brasileiros dividem seus dias entre estudo e trabalho. Sendo muitas vezes a única renda de sua casa, não têm tempo suficiente para conciliar sua rotina e participação política em quaisquer movimentos sociais, embora possa se solidarizar e ver a importância da causa.
Segundo Tayná, “é difícil participar politicamente hoje”, mas a luta não deixa de ser importante. Para os estudantes alheios às organizações, seguem breves recados dos nossos entrevistados:
“O estudante é sempre sinalização de mudança, de futuro. No Brasil, nos momentos chaves da luta política, os estudantes sempre tiveram papel de muito destaque. Seja na redemocratização, na Assembleia Constituinte, estavam sempre nas linhas de frente das batalhas. Por isso, é de extrema importância que se mobilizem e lutem pela mudança.” (Orlando Silva, deputado federal pelo PCdoB-SP e ex-presidente da UNE)
“É muito importante a gente se mobilizar enquanto estudantes, porque só assim a gente vai ter uma universidade que, depois de uma pandemia, tenha condições básicas: luz, água e todas as outras necessidades que temos. Só se mobilizando a gente vai conseguir derrubar os cortes.” (Júlia Aguiar, vice-presidente da UNE)
“Todos os estudantes querem entrar na universidade para mudar sua vida, ser bem-sucedido, mas, além disso, precisamos ter a consciência de que a gente precisa retribuir o conhecimento que a gente tá adquirindo pra nossa sociedade, inclusive para aqueles que não tem tanto acesso assim, para o jovem da periferia poder também sonhar em entrar na universidade.” (Tayná Wíne, presidente da UEE-SP)
“É essencial que a gente se organize, se movimente, porque senão nada muda. O estudante, quando tá parado, tá sendo exatamente o que o governo busca. Com o acesso à informação que o estudante tem, o mínimo que ele pode fazer é levar essa educação para o povo. As pessoas tão fechadas no seu mundo, mas elas têm que ter o mínimo de humanidade e se revoltar com o que está acontecendo hoje no Brasil. Se a gente pode fazer manifestação, vamos fazer manifestação. Porque, quando tirarem esse direito, vai ser muito pior.” (Beatriz Zeballos, diretora do DCE-UNIFESP)