Muito além do sexo: as questões não debatidas na educação sexual - Revista Esquinas

Muito além do sexo: as questões não debatidas na educação sexual

Por Gabriel Chilio Jordão, Laísa Lie Matsubara e Larissa Barreto Rangel : janeiro 19, 2021

Segundo pesquisa da Bayer, 60% jovens buscam a internet como um meio de tirar suas dúvidas sexuais

Como o próprio nome diz, a educação é o que nos afasta da ignorância, é o que existe entre ela e o conhecimento. Quem afirma isso é o sexólogo e professor de educação sexual João Luiz Vieira. “Muitas pessoas confundem educação sexual com incentivo a fazer sexo”.

Desde o início de 2020, o Brasil e o mundo atravessam uma crise sanitária sem precedentes. Por conta disso, escolas e, consequentemente a educação, foram obrigados a rever as prioridades de ensino. Com a educação sexual não foi diferente.

Sendo um assunto que ainda é um tabu em muitos lares brasileiros, a escola desempenha um papel de “complementar essa educação cotidiana” das casas, como aponta a sexóloga e ex-diretora do Instituto Kaplan Maria Helena Vilela. “A escola, diferente da família, traz conteúdos sistematizados e específicos a atingir um determinado objetivo”, conta. Como lembra João, “muitas vezes o problema vem exatamente da falta de comunicação”.

Além da falta de debates sobre o assunto e um novo formato de aulas, a educação sexual nos dias de hoje esbarra em questões como a liberdade de fontes (nem sempre confiáveis) oferecida pela internet, uma tendência a masculinizar o ensino e uma estereotipia do assunto por boa parte da esfera política brasileira.

Desconectando-se

Uma pesquisa realizada pela empresa farmacêutica Bayer revela que os pais não são nem a segunda opção quando os jovens precisam tirar dúvidas sobre sexo: 60% deles buscam a internet, 15%, os amigos, e somente 8% recorrem aos pais. O acesso à internet pode facilitar a busca por conhecimento, mas tem um outro lado. Segundo Maria Helena, os jovens que buscam informações na web “muitas vezes podem ir para pornografia.” Ela continua ao apontar que esse adolescente aprende a fazer sexo de uma forma que não é real, porque tudo é encenado.

A internet pode levar a uma visão fora da realidade sobre o que é sexo. Apesar disso, tem seus benefícios. Nascido de um grupo de amigas que sentiam que suas dúvidas não eram suficientemente respondidas, o projeto Entre Nós, que surgiu durante a quarentena, busca por meio das redes sociais “disseminar a informação”, como conta uma das fundadoras, Barbara Arpini. “Nosso objetivo é compartilhar informações básicas, coisas que têm na bula, e a partir disso gerar discussões”, diz Maria Eduarda Alves Flores, outra integrante do grupo.

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Um ensino masculinizado

Outra fundadora do coletivo, Carolina Zimmer afirma que a educação sexual é voltada para o masculino. As mulheres não têm abertura para falar sobre isso, e os homens falam apenas da parte deles. Em meio a isso, a educação sexual da forma que é feita hoje também “não trabalha outras dimensões como a violência que existe em relacionamentos amorosos, o ideal de amor romântico, dependência emocional, esses tipos de nuances que existem na sexualidade”, como relata Nicole Campos, gerente técnica de programas da ONG Plan International, voltada à promoção dos direitos das crianças. Ainda de acordo com ela, é um ensino predominantemente biológico e anatômico.

Apesar da importância de conhecimentos gerais sobre o corpo, ignorar outros aspectos do ensino da sexualidade pode contribuir para a formação de indivíduos que não estão cientes de que suas ações podem interferir na dinâmica de futuros relacionamentos. Maria Eduarda, do Entre Nós, traz o exemplo de seguidores homens que vieram agradecer o esclarecimento promovido pela página, pois estavam reproduzindo comportamentos tóxicos sem saberem.

Conhecendo o próprio corpo à distância

Na pandemia, a desigualdade de renda é outro obstáculo no acesso à informação. Mesmo com os projetos que buscam levar conhecimento sobre sexualidade a regiões mais pobres do Brasil, como o Norte e Nordeste, o contato com essas pessoas tem sido difícil. Como mostra Nicole, apenas 30 a 40% dos beneficiados tem condições de manterem contato online com a ONG. Um caminho descrito pela gerente tem sido incentivar a criação de redes de comunicação nas regiões mais carentes, onde os adolescentes “reproduzem conteúdo confiável que aprenderam com a gente”.

Para professores e outros instrutores, a aplicação de conteúdo à distância tem se provado um desafio. Como comenta João, “por uma telinha, seja de computador ou celular, é muito diferente do presencial”. Maria Helena, por sua vez, acredita que a melhor forma de se abordar o assunto em aulas remotas seja por meio de grupos menores e com atividades criativas, para que o aluno se sinta engajado com a aula e tenha coragem de se questionar.

Comentando as diferenças em relação ao ensino à distância, a sexóloga aponta que no modelo presencial é mais fácil de “perceber” o aluno e criar dinâmicas entre grupos para que ele perca a vergonha.

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