Proposta de Emenda Constitucional gera debate na internet e busca alteração em direito fundamental previsto na Constituição
A possibilidade de pagar mensalidade para estudar em uma universidade pública no Brasil pode se tornar real com a PEC 206/2019. Apresentada pelo deputado federal General Roberto Peternelli (PSL/SP), o projeto nasce com o intuito de diminuir a desigualdade social no país.
O projeto foi aprovado pela CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) em dezembro de 2019. Em agosto do ano seguinte, o deputado Kim Kataguiri (UNIÃO/SP) foi designado relator e, em setembro, foi publicado o primeiro parecer acerca da proposta. O segundo foi divulgado recentemente, no dia 18 de maio e, após a fala de Kataguiri, a Proposta de Emenda à Constituição inflamou a oposição e se tornou alvo de muito debate.
A proposta
Uma grande parte do projeto foi justificado a partir de um viés econômico. Fundamentado a partir de um estudo feito pelo Banco Mundial, encomendado pelo Governo Federal e publicado em 2017, aderiu-se à ideia de que o fim do ensino superior gratuito e a adoção de sistemas de financiamento e bolsa são formas de minar a “perpetuação da desigualdade no país”.
O relatório, intitulado “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, sugere que o Governo deverá manter o subsídio, porém apenas aos 40% mais pobres. Enquanto isso, os alunos de classe média devem pagar uma taxa mensal ao longo do curso, ou após formados, já pressupondo que os alunos já se formem endividados. Esses estudantes teriam acesso a formas de financiamento dentro das universidades, como o Fies, por exemplo.
Esse modelo já existe e está em vigor em países ao redor do mundo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou um estudo com 29 países, concluindo que 20 destes cobram mensalidades dentro do ensino público.
Sobre as formas de financiamento já existentes hoje, Fábio Canton, advogado e professor de graduação e mestrado na FMU, afirma: “O estudante sai da faculdade extremamente endividado em um mercado em crise”.
O advogado completa admitindo a importância das políticas, mas questiona a ideia de implementar um modelo estrangeiro de cobrança de mensalidades em universidades públicas: “Achar que a forma que se aplica nos Estados Unidos no Brasil é uma ilusão. Isso já acontece nas universidades privadas, mas num universo restrito com mensalidade caríssima”.
Definição dos valores
A emenda prevê que a definição das mensalidades será feita posteriormente pelo Ministério da Educação. Nesse contexto, o MEC poderá estabelecer faixas regionalizadas, sendo sugerido no documento oficial o seguinte cálculo: “o valor máximo das mensalidades poderia ser a média dos valores cobrados pelas universidades particulares da região e o valor mínimo seria 50% dessa média”.
“O atual modelo de financiamento das universidades públicas brasileiras, na prática, transfere renda de pobres para ricos”, afirma o deputado Tiago Mitraud (NOVO/MG) em entrevista ao jornal Gazeta do Povo. A principal preocupação indicada pelos idealizadores e apoiadores da emenda é de que as classes mais baixas estariam arcando com a educação de quem tem condições de pagar, e estes usufruem gratuitamente. “A PEC 206 vai na direção correta, pois ajuda a inverter essa lógica”, finaliza.
“O sistema educacional brasileiro público superior é uma verdadeira máquina de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos”, ressalta Kataguiri em fala para a Radioagência, reiterando o argumento favorável ao projeto.
Canton, no entanto, não vê a questão dessa maneira. “Deve-se tratar a desigualdade por baixo, o grande foco é dar condições a quem vem do ensino público a fazer o vestibular da Fuvest, por exemplo”, destacou o advogado. “Quando isso estiver consolidado, a ideia de cobrar mensalidade pode ser algo a se pensar”, continua.
De acordo com a PEC, o valor das mensalidades poderá retornar para as universidades em forma de auxílio e bolsas para estudantes mais carentes e o subsídio da própria universidade. Dentro do texto proposto de modificação da Constituição, não é indicado qual seria o recorte de renda para cobrança de mensalidades, nem como seria fiscalizada.
Fábio questiona a transparência do projeto e quanto a possibilidade de que a medida que o valor das mensalidades exonere o valor investido pelo Estado. “É preciso que a população e a sociedade saiba qual é o projeto, sua finalidade, se isso significa acréscimo de dinheiro para universidade, ou que o investimento se mantenha o mesmo, exonerando o Estado. Deve-se ter clareza dos porquês e para onde”, declara o advogado.
Com os recentes cortes na verba da educação por parte do governo federal, algumas universidades públicas declararam risco de fechamento pela falta de recursos. Dessa forma, a PEC transfere para as universidades a responsabilidade de gerar renda para seu custeio.
Andamento no Congresso PEC
O processo de criação e aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional é muito extenso. Após ser criada e proposta na Câmara dos Deputados, ela é encaminhada para a CCJC, onde é avaliada a constitucionalidade da matéria. Nessa etapa, ela pode ser arquivada em plenário – caso seja inadmissível -, ou aceita, indo para uma Comissão Especial que analisará o conteúdo da PEC. Caso aprovada, haverá uma votação na Câmara, para então decidir se entra em vigor ou não.
Após o segundo parecer, que tem como objetivo esclarecer a PEC em seus pormenores e, assim, provar sua legitimidade, a proposta apareceu com mais força nas mídias. Diante da exposição, deputados da oposição pediram a retirada dos votos, com destaque para partidos como PT, PCdoB, PP, PSB, PDT e PSOL.
A deputada Maria do Rosário (PT/RS) requereu “audiência pública para debater a PEC”. Com a falta do relator, por licença médica, a votação do projeto pela CCJC teve de ser adiada, e o requerimento da deputada Maria do Rosário foi acatado pelo presidente da comissão, Arthur Oliveira Maia (UNIÃO/BA), e a audiência irá ocorrer antes que a PEC seja votada.
Até o momento não houve definição da data da audiência e da votação, e o projeto estará fora da pauta do Congresso até que as datas sejam definidas.
“Educação como direito” PEC
Quando questionados acerca do que a PEC pode significar no futuro, ambos os entrevistados alertam do perigo que pode ser olhar para educação com uma visão econômica como a proposta – em um momento político em que muitas estatais essenciais têm sido privatizadas.
“Quando vai no rumo da privatização, na intenção de popularizar para ter mais alunos, a educação se torna negócio. A qualidade de ensino que se dane”, afirma Canton. Ratier segue na mesma linha do advogado: “devemos olhar para a educação como direito, não como mercadoria”.
O jornalista traz em pauta a importância da luta pelo projeto de curricularização da extensão – adendo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) resolução 7 de 2018 do CNE (Conselho Nacional de Educação), que busca maior aderir mais jovens às universidades, além de dar aos projetos de extensão um fim social e cultural prático. “Esta pauta é mais importante (que a referida PEC), mas não trará visibilidade em ano eleitoral”. Canton também cita a questão política, e diz que esta proposta “passa pela conveniência de grupos políticos durante as eleições”.