Integrantes da rede pública do Piauí relatam dificuldades de ensino e de aprendizagem por conta da paralisação dos profissionais da educação no estado
Já é junho de 2022 e, paralisados há mais de 100 dias, professores reivindicam o pagamento de reajustes salariais dos anos de 2019 (4,17%), 2020 (12,84%) e 2022 (33,24%), como também cobram melhorias na infraestrutura das escolas e na qualidade da educação, levando muitos estudantes do ensino médio da rede pública a ficarem sem aulas regulares desde fevereiro deste ano. Segundo Edimar Nascimento, secretária de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Piauí (SINTE-PI), o reajuste para os profissionais da educação não é efetivado desde 2019. “Alguns professores já retornaram sob pressão do governo em cima dos servidores e pelo decreto que determinava a retirada do local de trabalho e o corte de ponto, mas a greve continua”, completa Edimar.
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Entretanto, a Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) afirma a urgência do retorno presencial para as salas de aula, a fim de evitar eventuais prejuízos aos estudantes, de modo que os 200 dias letivos sejam cumpridos. Além disso, em pedido de liminar, o Governo do Estado do Piauí acusa o movimento grevista dos professores como ilegal por não se encontrar nos quesitos preenchidos da Lei de Greve e por se tratar de um serviço público essencial.
No entanto, a secretária de comunicação, em defesa dos profissionais, alega que a defesa da greve seguiu toda documentação necessária por parte do Sindicato perante a justiça, o que desconfiguraria a ilegalidade do ato.
Consequências da greve
Jair Pinheiro, professor de Filosofia formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), afirma que a greve é um passo importante na luta pelos direitos dos profissionais da educação, mas destaca também os riscos do movimento a longo prazo: “O movimento é legítimo, todo trabalhador deve lutar pelos seus direitos, no entanto, a sociedade escolar, pais e alunos, não perceberam ainda o quanto isso tem prejudicado o processo de aprendizagem.”
A greve somada com os prejuízos causados pela paralisação das escolas no período da pandemia, tem deixado muitos estudantes aflitos, principalmente aqueles que deveriam estar se preparando para os vestibulares.
Muitos estudantes ficaram ociosos ou dedicaram-se a outros compromissos que não fossem os escolares, fato que distanciou o foco dos alunos em seus estudos. Marcos Vinicius de Sousa, de 17 anos, estudante da rede estadual em Passagem Franca do Piauí, está cursando o terceiro ano e durante o momento de paralisação não estudou por estar desestimulado. “Não estudei nem um pouco durante a greve. Fiquei assistindo filmes, dormindo, foi tipo um período de férias. No meu caso, não busquei recursos nenhum na internet, mas entendo que ela é uma fonte para buscarmos conhecimento”, afirma.
A aluna Claudyana Lopes, 16 anos, já no segundo ano do ensino médio da rede municipal de Teresina, relata suas dificuldades voltadas às matérias de cálculo e de naturezas: “Veio tudo muito junto, a gente perdeu o foco e desacostumou com a rotina da escola. Tenho muita dificuldade em matemática e não estou conseguindo acompanhar física, química, biologia. Não tivemos uma base muito boa.”
O estudante de 16 anos, Kayo Victor Furtado, também segundo ano do Ensino Médio da rede estadual, comenta que não se sente preparado para as provas e que as dificuldades de aprendizagem também afetaram sua saúde mental:“Não sei de nada dos assuntos, não estou conseguindo me concentrar e tirei 1,0 em física. Vi as minhas primeiras notas e tive crise de ansiedade, fiquei desapontado comigo mesmo.”
Diversos jovens também optaram por desenvolver novas habilidades durante o período de greve. Claudyana, por exemplo, conta que aproveitou o tempo para fazer curso de inglês e Photoshop, mas que, futuramente, pretende iniciar, de modo presencial, cursos de redação e de matemática.
Lucas de Deus, também de 17 anos, estudante da rede municipal de Teresina, também utilizou o período para fazer um curso de marketing digital, oferecido pela sua escola, como forma de se reinventar e estimular os estudantes a explorar outras potencialidades. O jovem também conta que sempre se manteve participativo na campanha de volta às aulas.
Apesar das atividades extracurriculares, Lucas também relata os principais obstáculos para acompanhar as matérias por conta da falta de regularidade das aulas. “No início, a escola não passou atividades pra gente. Alguns professores mandavam mensagem no grupo da sala só para avisar que iam sair do grupo. Mas hoje a carga horária está normal.” Lucas comenta que quando não há aulas, a diretora de sua escola aplica atividades na sala de aula, mas que não é suficiente para repor os prejuízos, uma vez que nem todas as matérias eram cobradas, fato responsável pelas suas dificuldades em compreender alguns assuntos dados atualmente.
Estímulo e acompanhamento
Atualmente, a greve está acontecendo de maneira parcial pelo Estado. Segundo Edimar Nascimento, menos de 50% das escolas retornaram suas aulas. O professor Jair Pinheiro aponta isso como um fato desestimulante, visto que “os alunos em algumas situações vão para a escola apenas para assistir uma aula”, o educador ainda completa que esse fator corrobora com a evasão escolar: “Isso favorece o abandono. Estamos saindo de uma pandemia que perdura mais de dois anos. Os alunos que estão concluindo agora nem tem motivação para fazer o ENEM. Possivelmente esse ano letivo será concluído em 2023.”
Com o intuito de reduzir os abandonos, a pedagoga Maria da Cruz Bezerra explica como funcionam os aplicativos que estão sendo usados em algumas escolas públicas para diminuir a evasão: “Temos dois sistemas de monitoramento da frequência. Nossa evasão, hoje, é zero. Diariamente, o MOBIEDUCA faz a chamada na sala e coloca no sistema. Quando o aluno falta, a mensagem vai direto pro celular do pai. No IESDUC, o professor registra a frequência do aluno e os conteúdos do dia.”
A saída encontrada por muitas instituições foi aumentar a carga horária para repor os assuntos. Kayo Victor conta que as aulas da sua série foram estendidas para os sábados. Na escola em que a Maria da Cruz atua, a saída foi aumentar o horário individual de cada aula de 50 para 60 minutos.
Outro fator destacado pela pedagoga foi a retirada de algumas disciplinas da grade curricular pela SEDUC, o que evidenciou mais uma problemática do sistema educacional público: “Estamos trabalhando de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, mudamos a carga horária. A própria SEDUC diminuiu a aula de algumas disciplinas e colocaram disciplinas eletivas, mas não tem profissional para atuar”. Maria ainda acredita que o momento expandiu o abismo criado entre as escolas públicas e privadas.
A instabilidade deixou muitos alunos reflexivos com a situação delicada do ensino no estado. “A culpa em si não é das escolas, é dos governantes. A educação é o patrimônio mais importante que nós temos e me sinto triste porque a escola é um ambiente incrível”, afirma Kayo.
Marcos Vinicius conta que “a greve é um reflexo do cenário político do país, que não investe na educação e por isso, há perda de conhecimento”.
O professor Jair Pinheiro, ainda relata que o cenário é “muito triste e desalentador”. O pedagogo ainda comenta sobre a participação do governo na perpetuação do problema: “Percebo o descaso das autoridades constituídas em relação à educação. Há muito tempo que deixou de ser prioridade, infelizmente. Parafraseando o filósofo alemão Immanuel Kant, ‘o ser humano é aquilo que a educação faz dele’. Atualmente esse entendimento está reduzido a nada.”