Viajar o mundo, aprender novos idiomas, vivenciar outras culturas, tudo isso faz parte da rotina de um correspondente, cargo que traz muitas responsabilidades e também alguns perrengues
Para Denise Odorissi, correspondente internacional em Israel, a profissão sempre foi um sonho. A oportunidade de juntar o jornalismo e o desejo de morar fora parecia uma proposta interessante. Denise, que também trabalhou em Londres, cobriu o funeral da Rainha Elizabeth II para o canal de televisão CNN Brasil.
Marcia de Toni, ex-correspondente pela BBC de Londres e professora de jornalismo, comenta que atuar em outros países nunca foi um sonho tangível: “Eu não pensava realmente que eu podia ser uma correspondente internacional”. Mas, o desejo de morar fora e aprimorar o inglês para a profissão a conduziram até a BBC. A jornalista entrevistou o então presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso dentro do Palácio de Buckingham.
Heloísa Villela, jornalista em Nova York, conta que, no início de sua carreira, não tinha nenhuma perspectiva de se tornar correspondente internacional, foi para os Estados Unidos apenas para aprender inglês. Heloísa é atua em Nova York há 35 anos e cobriu acontecimentos como o atentado de 11 de setembro.
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Para Luiza Duarte, que já foi correspondente na França, em Nova York e na China, a profissão era sua única referência de carreira internacional, mas, ao mesmo tempo, algo muito distante, “algo reservado para jornalistas com décadas de experiência”. Movida pelo desejo de conhecer novos países e culturas, Luiza se tornou correspondente de forma inesperada. Durante sua carreira, a jornalista cobriu acontecimentos como o terremoto do Nepal em 2015.
Os primeiros passos
O início da carreira como correspondente internacional de cada uma das personagens teve suas peculiaridades, mas todas tinham um tópico em comum: o sonho de um dia morar fora.
Depois de se formar na faculdade e já ter alguma experiência na área, Heloisa decidiu tirar um ano para ir aprender inglês em Nova Iorque. “Eu não tinha nenhuma perspetiva de virar correspondente, não era essa a ideia. Ia para os Estados Unidos para ficar um ano aqui, lavar prato, fazer faxina, fazer qualquer coisa”.
Hoje, aos 60 anos, já são mais anos morando nos Estados Unidos do que no Brasil. Aos 25, sem nunca ter saído do país, encontrou dificuldades para adaptação. O dinheiro era pouco e ganhava mais à medida que escrevia as matérias. Heloísa conta que na maioria das vezes, as entrevistas eram feitas pelo telefone, principalmente pelo frio da cidade em outubro, mês que Villela chegou na cidade. Como estratégia, fazia uma lista de pelo menos 20 perguntas, para esgotar o assunto ao máximo. Ela anotava as respostas que entendia e no final escrevia de acordo com o que as informações proporcionavam.
“O meu compromisso primordial comigo mesma era escrever só o que estivesse correto, para não perder credibilidade. Então a matéria podia ser muito sucinta ou muito modesta, mas errada não era! E assim eu fui crescendo e desenvolvendo o idioma.”
Denise trabalhou 15 anos na Record TV antes de sair do Brasil. Depois de passar por todos os jornais da emissora decidiu que iria tirar um tempo fora. “Eu informei a chefia que iria morar fora. Nesse período, a CNN Brasil entrou em contato comigo falando que eles iriam ter uma posição em Londres e se eu tinha interesse. Eu fui no final de 2019, fui a primeira correspondente da CNN Brasil em Londres, fiquei do comecinho de 2020 até o ano passado.”
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Sobre a adaptação, Denise não encontrou tantas dificuldades por consumir muito a cultura inglesa. Porém, outro fator que colaborou foi ter amigos que já moravam na Inglaterra. O maior desafio foi no campo profissional, pois a equipe é reduzida e é necessário ser rápido nas tomadas de decisões. “Você precisa ter muito mais independência, você precisa administrar as verbas de produção que vão te disponibilizar.”
Em contrapartida, quando chegou no Oriente Médio, achou que não teve um grande choque. “Eu estou tentando entender por quê eu não levei um grande choque”, comenta. Apesar de ter mais contato com a cultura inglesa, Denise se sentiu mais ‘em casa’ no clima quente e sente que as pessoas são mais comunicativas.
Assim como Denise, a oportunidade surgiu de forma inesperada para Luiza Duarte. Enquanto morava na França, começou a fazer matérias para publicação no Brasil. As mudanças tiveram um custo emocional de adaptação para construir novas relações e aprender sobre o local. Duarte conta que o idioma mais difícil, sem dúvida, foi o mandarim, que começou a estudar em Hong Kong.
Já Márcia de Toni, teve uma história parecida com Heloísa, quando decidiu ir para Londres. “Surgiu muito o desejo, depois de cinco anos trabalhando com jornalismo em Porto Alegre, de aprimorar meu inglês. Então eu decidi ir para Londres para aprender inglês, conhecer o mundo, viajar pela Europa e retornar para o jornalismo no Brasil com mais experiência”, afirma. Durante o tempo em que estudava, surgiu a oportunidade de fazer um teste na BBC, ela fez e foi aprovada: “Foi aí que comecei a trabalhar com política internacional, com cobertura, questões relacionadas à política, economia, sociedade, cultura. Passei a fazer tanto para BBC, quanto para jornais no Brasil como freelancer”.
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Momentos marcantes
Heloísa Villela relembra alguns momentos de sua carreira como correspondente em Nova York e destaca algumas de suas reportagens favoritas, como a entrevista inusitada que fez com o cantor Gilberto Gil ao final de um show. “Eu dei uma de penetra e entrei no backstage na maior cara de pau e consegui chegar na porta do camarim do Gilberto Gil. Bati na porta, ele abriu, eu falei em português e ele me atendeu. Ele me deu uma entrevista ali. Eu fiz a matéria pro jornal e ele foi uma graça, maravilhoso como ele é”, conta.
A jornalista relata também uma viagem que fez para o Quênia na época em que o futuro presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, estava quase confirmado como candidato à presidência pelo Partido Democrata. “O pai do Obama é do Quênia, então fui na cidade onde o pai dele nasceu, conheci o irmão mais velho por parte de pai, fui na casa dele, conheci a escola onde o pai dele estudou e fiz uma série de matérias pelo Quênia, que foram incríveis”, diz.
A correspondente cobriu também o atentado de 11 de setembro, o furacão Katrina e o terremoto do Haiti. “Foram coberturas fortes, dolorosas, difíceis, mas muito importantes”, conta.
Por fim, Heloísa destaca a importância das pequenas matérias, como a que fez com um homem que desenvolveu uma tecnologia que permite à pessoa controlar todo o computador só com os olhos. “Às vezes a gente faz algumas coisas que a gente não sabe onde vai chegar, e de repente chega lá em que está precisando. Isso é muito gratificante pra gente também, você ver algum resultado concreto do trabalho que você faz, você levar uma informação útil para as pessoas”, finaliza.
Márcia de Toni relembra também algumas de suas histórias como correspondente em Londres e começa destacando sua primeira viagem ao leste europeu. “Eu viajei sozinha com um gravador no inverno, viajei para 11 países e com uma enorme responsabilidade de trazer uma série de reportagens que seria transmitida no Brasil por várias emissoras, inclusive aqui ela foi transmitida pela CBN”, conta.
A jornalista comenta que a viagem exigiu muito dela, e que cobrir o dia a dia como repórter se mostrou muito gratificante. “Eu tive acesso às pessoas, entrei na casa delas. Essa oportunidade de ser convidada para entrar na casa de alguém, conversar com as pessoas, que são coisas que você só faz se você é jornalista. O jornalismo te permite isso, ‘me conte a sua história’”, diz
A ex-correspondente conta que fez diversos trabalhos importantes, como uma entrevista exclusiva com o presidente do Brasil à época, Fernando Henrique Cardoso, dentro do Palácio de Buckingham. “Para mim foi muito especial, porque eu entrei no Palácio de Buckingham como uma jornalista, pela porta da frente, para entrevistar o presidente brasileiro. E eu conduzi sozinha a entrevista”, relembra.
Márcia diz também que teve mais uma oportunidade de adentrar pelos portões do Palácio de Buckingham, desta vez para cobrir o “Chá da Rainha”, evento que ocorria todos os anos nos jardins do palácio em homenagem às pessoas que ganhavam destaque na sociedade britânica. “Me lembro que, quando eu era estudante de inglês, eu passava de ônibus ao redor do palácio para ir para escola e ficava imaginando como seriam os jardins. Naquela época (década de 90) não dava para visitar igual hoje em dia, então eu ficava só sonhando”, conta.
Márcia lembra a importância que esses acontecimentos geraram em sua carreira e em sua vida: “Em dois anos, eu era uma pessoa que não era ninguém, e de repente eu, como jornalista, entrevistando o presidente brasileiro lá dentro do Palácio e depois finalmente conhecendo os jardins durante o ‘Chá da Rainha”.
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Denise Odorissi recorda sua cobertura mais marcante no Reino Unido: o funeral da Rainha Elizabeth II. A jornalista destaca que embarcou para Londres com o desejo de cobrir a morte da monarca britânica: “Jornalisticamente falando, é uma cobertura muito importante. Mas, para mim, era uma coisa que iria acontecer dali há muito tempo”.
A correspondente conta que no dia do falecimento da rainha, dia 8 de setembro de 2022, ela estava de folga e recebeu um alerta do canal de televisão Sky News de que havia algo de errado com a monarca. “Eu estava levando a minha cachorra pra fazer xixi, assim, sem nenhuma condição de aparecer em público, muito menos aparecer na televisão. De repente, apareceu no celular um alerta de que os médicos estavam preocupados com a saúde da rainha”. Denise explica que, nesse momento, percebeu que alguma situação grave poderia estar acontecendo e relembra que quando se deu conta da cobertura que estava prestes a fazer ficou tensa. “O funeral da rainha acho que é a cobertura que todo mundo que estava lá mais esperava fazer”, afirma.
A jornalista conta que ligou na redação da CNN e avisou que iria se dirigir ao Palácio de Buckingham. “Cheguei lá duas e pouco da tarde, comecei a entrar ao vivo falando ‘Olha aqui está muito tenso’. Um monte de gente começou a ir para o palácio, uma comoção ali, porque todo mundo já estava entendendo o que estava acontecendo”. Denise diz que provavelmente naquele momento a rainha já tinha morrido, mas, por conta dos inúmeros protocolos existentes dentro da família real, a verdadeira situação ainda não podia ser divulgada.
“Eu lembro que já tinha entrado ao vivo um monte de vezes e, de repente, o perfil oficial da Família Real divulgou no Twitter que ela tinha falecido, isso era um pouco antes das seis da tarde”, conta. A correspondente lembra que não estava ao vivo na hora e teve a sensação de que todo mundo viu a notícia ao mesmo tempo: “Foi meio que uma catarse coletiva, todo mundo olhando o celular e vendo que a rainha tinha morrido”. Ela conta que depois de ler a notícia, entrou ao vivo. “Eu botei o fone correndo, falei podem me chamar e não parei mais. Aquela cobertura de 11 dias foi incrível jornalisticamente falando, essa foi a mais marcante para mim, eu acho que eu fiz uma boa cobertura”.
Luiza Duarte relembra algumas de suas experiências mais marcantes como correspondente e destaca a cobertura do movimento civil em Hong Kong, em 2019, e o terremoto do Nepal, em 2015. “O lockdown em Nova York com a pandemia de 2020 também. Foram momentos históricos e desafiadores”, acrescenta.
Mercado e dicas
Sobre o mercado de trabalho para correspondente internacional atualmente, as jornalistas afirmam que mudou bastante e há muito mais trabalhos como freelancer do que contratos com os custos pagos por uma empresa.
Heloísa vê a área com bastante pessimismo, para ela, a mídia está passando por uma crise, a qual há muitas vozes, mas pouco dinheiro para investir. Durante seu tempo em Nova Iorque, viu o mesmo processo acontecer no país norte americano, porém as empresas não fecharam. Entretanto, nos EUA há uma crise dos jornais regionais, fato que ela enxerga como negativo. “Eles cobrem as notícias locais de uma maneira que os jornais nacionais não cobrem, muita coisa acaba se perdendo”, diz.
Para quem sonha em entrar nesse mercado, Villela aconselha saber onde quer ser correspondente, estudar o idioma e a história política daquele país e entender muito bem a origem.
Luíza Duarte aposta no infinito de possibilidades da internet e destaca a perda do monopólio das TVs. “Hoje, a parte técnica necessária para produzir e distribuir conteúdo audiovisual de alta qualidade tornou- se muito mais acessível. Matérias feitas com um smartphone regular tem qualidade profissional.”
Porém, alerta para os perigos do mercado invadido e da desinformação. As dicas de Duarte para quem deseja ser correspondente são ter curiosidade e pensar fora da caixa, se especializar em uma região, aprender línguas estrangeiras e ter vontade de gerar informação relevante e de qualidade.
Para Denise Odorissi, o correspondente precisa entender que ele inteiro é uma redação. “Ele que tem as decisões, ele que sabe se precisa de um cinegrafista freela. E, por isso, para ser correspondente é interessante você ter passado por muitas funções antes”.
Apesar da crise econômica e de ser mais caro para as emissoras manterem jornalistas em outro país, as \possibilidades de trabalhar como freelancer aumentaram pelas facilidades proporcionadas pela tecnologia. Assim como as demais, Denise aconselha estudar inglês e acompanhar o noticiário internacional e político do Brasil, para saber como os assuntos afetam o país. “O olhar do correspondente é um olhar de fora pra dentro e você precisa estar aberto para o mundo.”
Por fim, Marcia de Toni confirma que o corte de custos de muitos veículos levou a diminuição da quantidade de cargos como correspondente internacional. A crise na mídia brasileira leva a coberturas feitas com convidados para falar na televisão e com as agências de notícias.
Mas, para aqueles que realmente sonham, Marcia acredita ser um ambiente promissor, porque as novas tecnologias permitem fazer o próprio material. Entre as dicas: “Primeiro, deseje profundo, se você não desejar ser correspondente, você não será. Você vai ter que realmente sonhar com isso”. A segunda dica é estudar inglês e chegar em um nível avançado de compreensão e escrita. A terceira é estudar história e geopolítica, conhecer os países e saber o que está acontecendo no mundo.
Por fim, “se você seguir essa estrada, você já tá preparado. O último ingrediente: coragem. Tem que ter coragem de enfrentar um novo desafio num país diferente. Agora, se você tem tudo isso, no final é uma grande satisfação porque você está vendo o mundo, você está no mundo. E você vai se enxergar diferente, você vai se ver melhor, vai saber o que que você é, a tua cultura brasileira, o que que é a tua cultura regional, o que que é da tua personalidade, o que é humano. Então se você tem todos esses elementos, me parece que o próximo passo é pé na estrada”.