Pandemia levou produtores do Cinturão Verde a buscarem soluções para a queda nas vendas e desperdício de mercadorias
Nem pequenas vilas de produtores rurais no meio da mata Atlântica escaparam do caos causado pelo novo coronavírus. Mesmo sem estruturas urbanas e aglomerações populacionais, o subdistrito de Quatinga, em Mogi das Cruzes, narra um dos principais sintomas sentidos pelo Cinturão Verde de São Paulo em meio à pandemia: a crise econômica. A crise representou um problema nunca antes visto pelo setor. Muitos produtos, poucos compradores. Com o fechamento de restaurantes, bares, feiras e até do grande CEAGESP, o encalhamento de mercadorias começou a ser constante, fazendo com que o desperdício de alimentos virasse uma rotina desesperadora para os pequenos produtores.
“A pandemia começou a afetar nosso negócio desde o início da paralisação. Nos primeiros dias, chegamos a ter uma queda de 70% nas nossas vendas. Tivemos que jogar bastante coisa fora”, relembra Fabio Hagio, 38, que desde os 12 anos trabalha no ramo. Ele produz verduras como alface e rúcula e vende suas mercadorias para feirantes, distribuidoras, empresas de processamento e alguns minimercados.
Com o fechamento de estabelecimentos por conta do isolamento social, revela apenas estar vendendo para os mercados, o que também o impacta financeiramente. “Eu, como produtor, me sinto perdido. Temos que continuar trabalhando, porque somos os primeiros da cadeia. Se pararmos, o reflexo será muito grande. Ficamos de mãos atadas. Se plantamos, temos prejuízos, se não plantamos, não temos como nos sustentar”, desabafa.
Fabio não é o único nessa situação. Simone Silotti, 54 anos, dona do sítio Quintal da Coruja e produtora agrícola da região, diz que o desespero começou ainda em março. “Na última semana de março nós estávamos desolados. As estufas lotadas, os canteiros lotados, não sabíamos o que fazer, para quem enviar”, lembra.
Ela explica que muitos queriam doar esses alimentos, mas faltavam recursos para custear o transporte da grande quantidade de mercadorias. Assim, muitos produtores do Alto Tietê tiveram de “derrubar” as produções, passando o trator nas plantações para diminuir os prejuízos com a manutenção dos alimentos. “Isso foi necessário pois os custos são muito altos. Dispensar funcionários, desligar os motores e fazer a descontinuação de nutrientes para as plantas e para o adubo são formas que o produtor têm de conter os prejuízos”, afirma.
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Para Simone, embora dolorosa, essas talvez sejam as atitudes mais corretas para os trabalhadores rurais nesse momento. Mesmo assim, ela conta não ter conseguido seguir esses passos: “O certo para um trabalhador que tem folha de pagamento e contas de luz altíssimas é mandar derrubar imediatamente, passar trator em tudo. Mas e a coragem de dar essa ordem sabendo que na cidade temos pessoas passando fome?”
Ela destaca, ainda, a baixa escolaridade do trabalhador rural e sua elevada faixa etária. “Dispensar essas pessoas é muito cruel”, conclui, comentando a dificuldade de encontrarem novos empregos no “asfalto”.
Sem conseguir assumir essa postura, após um mês de queda livre, no dia 25 de abril, a produtora se viu com um decréscimo de mais de 80% em suas vendas. Seus vizinhos tampouco tinham melhores notícias. Alguns já se deparavam com uma queda completa por conta da dependência de feiras e restaurantes que estavam fechados. A coragem citada por Simone não apareceu, mas outra nasceu de sua inquietação. “Chorei muito, orei, pedi a Deus que me desse uma ideia. Até que ela apareceu. Conversei com os produtores e disse: ‘não derruba nada, vamos doar toda essa mercadoria’”, conta, mostrando o texto da vaquinha online que colocou no ar ainda naquela noite.
Escrita por ela, a nota da vaquinha virtual para os agricultores de Quatinga informa que o propósito do apoio financeiro é fazer com que eles possam continuar produzindo. Mas o objetivo final é a doação. A grande intenção é repassar os alimentos para comunidades carentes e bancos de alimentos, além de contribuir com as famílias envolvidas no plantio.
Simone começou a buscar apoio para o crescimento do projeto e locais para receber as mercadorias. “Procurei ajuda da Secretaria da Agricultura, da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS), e da Codeagro. Apresentei o projeto na expectativa de que o governo comprasse os produtos e doasse às comunidades e bancos de alimentos. Infelizmente, essa ajuda ainda não chegou”.
Contatados por ESQUINAS, os órgãos governamentais do setor não se pronunciaram sobre o assunto nem comentaram as medidas protetivas para os trabalhadores rurais nesse momento.
Sem esse apoio, Simone precisou agir sozinha, procurando comunidades e bancos de alimento para fazer as doações. “Uma amiga me sugeriu a comunidade de Caboré, que fica aqui no extremo da zona leste. Eu vi que a situação era muito precária, então comecei a priorizar essa comunidade”, conta. Notando diversas problemáticas de saneamento básico nesses locais carentes, a produtora ressalta, ainda, a importância de alimentos naturais como verduras — sua especialidade — nas cestas básicas, já que a imunidade da população é um fator importante, principalmente na crise pandêmica atual.
Se desperdício zero era o lema, foi dito e feito. Já foram nove toneladas de alimentos frescos doados e mais de 30 mil reais arrecadados. Inclusive, após a repercussão, muitas empresas tomaram conhecimento da vaquinha e entraram em contato para colaborar. “É muito importante que os empresários que se disponibilizam a doar entrem em contato com a gente e incluam frutas, legumes e verduras na cesta básica. Eles vão estar ajudando muito o pequeno produtor, que nesse momento continua sem conseguir escoar sua mercadoria”, destaca Simone.
Uma das grandes parcerias conquistadas foi com a Fundação Banco do Brasil. A ação, iniciada em 6 de maio, atenderá 24 entidades da região de Mogi das Cruzes durante 60 dias, possibilitando que agricultores da região entreguem dez mil cestas básicas. “A iniciativa apoia o processo de comercialização dos produtores do Cinturão Verde de São Paulo, minimiza o impacto da pandemia e promove geração de trabalho e renda”, informa a empresa.
“Graças à ideia da Simone de montar uma vaquinha online, conseguimos diminuir nosso prejuízo. Continuamos jogando um pouco fora, mas a grande parte foi para doação”, afirma Fabio. Além disso, a iniciativa possibilitou a manutenção dos funcionários das propriedades. “Tenho que pensar não só na minha família, mas nas dos meus funcionários. São aproximadamente sete famílias que dependem desse serviço que eu emprego. Então, estamos falando, em média, de 30 pessoas fora a minha família. Temos uma responsabilidade em relação a isso”, diz o produtor.
“Ajudar o pequeno produtor é, na verdade, contribuir para a sustentabilidade ambiental, já que somos, sim, guardiões da zona rural. É uma ação de sustentabilidade ambiental, social e econômica”, finaliza Simone.