Economista e doutora em saúde pública da UFBA aponta estudos sobre a gripe espanhola que mostram recuperação mais rápida com isolamento precoce
Os últimos dias foram de discussões sobre a necessidade do isolamento total para combater a pandemia do novo coronavírus. O presidente Jair Bolsonaro vem se opondo à ideia. Ele defende o chamado “isolamento vertical”, em que apenas os integrantes de grupos de risco para a doença — idosos e pessoas com doenças crônicas, por exemplo — ficariam reclusos. “Não é a maneira adequada de tratar a pandemia”, afirma Erika Aragão, professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora da Rede CoVida — parceria entre UFBA e Fiocruz para estudar o surto de coronavírus.
Economista e doutora em saúde pública, Erika se refere não apenas aos impactos sanitários, mas também aos aspectos sociais e econômicos da pandemia. Estudos recentes amparam a hipótese de recuperação mais rápida das atividades produtivas em cidades que optam pelo lockdown precoce na epidemia de gripe espanhola, 102 anos atrás.
“A maioria dos países têm adotado o isolamento total com bons resultados. Os que tomaram essas medidas mais rapidamente estão conseguindo conter o contágio”, afirma ela. O exemplo chinês é emblemático. Segundo relatório da OCDE — Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico –, os números de novos casos entraram em queda 27 dias após a implementação do lockdown em Wuhan, epicentro da pandemia. Na província de Hubei, onde fica a cidade, a quarentena iniciou em 23 de janeiro, quando havia 444 casos. Na outra ponta, Itália e Espanha são exemplos de países que estão pagando o preço por terem demorado a agir. Atualmente, passaram a China na quantidade de mortes.
O isolamento vertical deixaria idosos, portadores de comorbidades e pessoas que testem positivo para covid-19 em quarentena, enquanto o resto dos cidadãos manteria a maioria de suas atividades. É um grupo muito numeroso. Segundo o IBGE, são ao todo 30,9 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Desse total, 26 milhões moram com outras pessoas — maridos, esposas, filhos e netos que precisam sair para trabalhar ou estudar. Sem contar os portadores de doenças crônicas. Aproximadamente 14 milhões de pessoas são diabéticas — metade não é diagnosticada, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes. Em resumo, milhões de pessoas seguiriam sob o risco de contrair covid-19 trazido para casa por pessoas próximas.
A especialista alerta, ainda, para as barreiras econômicas e tecnológicas da alternativa. “Para um eventual isolamento vertical, seria necessário testagem em massa e monitoramento de 100% da população, com multas pesadas”, afirma. “A Coreia do Sul monitorou as pessoas via satélite, remotamente. Nosso país não tem esse nível de tecnologia.”
Na defesa do isolamento total, Erika ressalta a vantagem relativa do Brasil pela adoção precoce das quarentenas. “Estamos um mês atrás da Europa na chegada do vírus. Podemos ver o que eles estão sofrendo e quais medidas são necessárias”. Segundo a especialista, a maioria da população está respeitando a quarentena e o Ministério da Saúde tem tomado medidas eficientes para preparar a rede de hospitais — consideradas as limitações de financiamento do SUS. Sua estimativa é de que as atividades sejam retomadas ao menos em parte entre o final de maio e início de junho. “Mas pandemias são dinâmicas e essas previsões estão sujeitas a alterações”, pondera.
A economista e doutora em saúde pública questiona o argumento de que as quarentenas seriam prejudiciais à economia. Na realidade, elas podem estimular o efeito inverso — quando comparadas a não fazer nada durante a pandemia ou optar pelo isolamento parcial. Um estudo recém-publicado sobre a gripe espanhola de 1918 analisou a velocidade das medidas de isolamento adotadas pelas cidades durante a epidemia. Concluiu que a rápida implementação das estratégias agressivas de isolamento social conferiu um aumento de 4% nos empregos após o fim da pandemia e acelerou a recuperação econômica dos Estados Unidos.
No Brasil, é preciso cuidar para que as pessoas possam efetivamente ficar em casa. As populações de regiões periféricas e de favelas são motivo de preocupação. Erika diz que o projeto de renda mínima para trabalhadores informais é importante, mas insuficiente. “Nas comunidades, há pessoas que seguem não liberadas do trabalho. Outras sofrem com falta d’água, essencial para a higiene contra o coronavírus. Até agora, faltam ações mais efetivas do poder público”, conclui.