Unindo reciclagem e reinserção social, startup dá chance a pessoas em condição de vulnerabilidade - Revista Esquinas

Unindo reciclagem e reinserção social, startup dá chance a pessoas em condição de vulnerabilidade

Por Artur Scaff, Daniela Nabhan, Esther Zolfan, José Guilherme Romero, Manuela Dacca, Maria Luisa Bolanho e Sérgio Jomori : fevereiro 11, 2022

Container da Molécoola.

Para além da intervenção ambiental, facilitadora busca ressignificar vidas vulneráveis a partir da reciclagem

Um relatório da World Widelife Fund Brasil (WWF Brasil) constatou que, em 2019, fomos o quarto país que mais gerou resíduos plásticos, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia. Do montante de 11,3 milhões de toneladas de plástico, apenas 1,3% foram recicladas e, para completar, o Brasil também figurou como a sexta nação no ranking de descarte de plástico no mar. O cenário é péssimo e, nesse contexto, surgem soluções como a Molécoola, startup de reciclagem fundada por Rodrigo Jobim que vem inovando, para muito além dos impactos no meio-ambiente, o modo de pensar e fazer descarte do lixo no país.

Início inesperado

Era fevereiro de 2017 quando tudo começou. Rodrigo Jobim, administrador de empresas, viajou para outra cidade para resolver questões de negócios com uma outra corporação. Quando chegou, percebeu que havia sido colocado em contato com uma pessoa que cuidava do setor de embalagens e resíduos pós-consumo, completamente diferente do que ele iria tratar inicialmente. Um agendamento errado fez com que o consultor de empresas abrisse a cabeça para a questão ambiental e para os cuidados que temos de ter com os resíduos que geramos no mundo. E assim nasceu a startup, primeiro ocupando apenas um período do dia de Rodrigo, mas depois se tornando seu principal foco de trabalho e mobilizando inúmeras pessoas para uma reciclagem mais consciente e efetiva.

O foco da Molécoola é o impacto socioambiental e o principal objetivo da empresa é incentivar as pessoas a introduzirem hábitos de reciclagem e de consumo consciente em troca de pontos de fidelidade oferecidos por empresas parceiras. Além disso, a organização possui várias estações espalhadas pelo Brasil para recolher todo o material reciclável.

reciclagem

Container da Molécoola.
Acervo Pessoal

Através dessas microfranquias, são geradas oportunidades de trabalho para pessoas em situação de vulnerabilidade, transformando-as em microempreendedoras e reinserindo-as no meio social. Até hoje já foram coletadas mais de 600 toneladas de materiais recicláveis e 100% deles foram corretamente destinados, gerando assim um ciclo de fidelidade ambiental que beneficia a todos.

Para além da reciclagem

A startup também atua na parte de conscientização sobre o processo de reciclagem. Além de ter um protocolo de como os materiais devem chegar até os seus pontos de coleta, há uma preocupação sobre o conhecimento das pessoas em relação a toda a problemática que existe por trás do consumo. Rodrigo relatou que passou a entender mais sobre a reciclagem quando a empresa começou a operar, porque, segundo ele, existe um problema sério de desinformação por parte dos consumidores. “Toda hora tem um artigo com dicas de reciclagem e uma parte não desprezível das dicas são dicas erradas. É chocante. O maior problema que temos em relação ao uso pós-consumo é educacional.”, ressalta Jobim.

A despeito do cenário nacional ruim quanto ao descarte do lixo, é possível perceber uma melhora na destinação de resíduos no Brasil na última década. Segundo a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), o número de municípios que contam com o serviço de coleta seletiva passou de 56,6% para 73,1%. Em São Paulo, em 2018, foram coletados 60 mil resíduos para reciclagem, que equivalem a 842.082 árvores e 156.891 barris de petróleo que não precisarão ser utilizados.

Iniciativas nacionais como a Molécoola são mais do que necessárias para reverter a situação calamitosa que vivemos. A startup, por meio de seu programa de fidelidade ambiental, promove a educação sobre o meio ambiente para pessoas e empresas, criando um projeto de conscientização a longo prazo.

Intervenção social

Além das esferas ambiental e educativa, a empresa também tem uma forte atuação no âmbito social. Seus operadores, os responsáveis pelos containers espalhados pelo Brasil, vêm todos de situações de vulnerabilidade, como ex-carroceiros, ex-presidiários e ex-moradores de rua.

O objetivo não é apenas empregá-los, mas sim trazer um propósito para essas pessoas e realmente engajá-las numa causa. Renata Rabello, gerente de operações da empresa, afirma: “A gente procura pessoas que queiram abrir um negócio, desenvolver esse negócio, e que não tenham uma oportunidade formal. Que estejam fora do mercado de trabalho por questões sociais ou por questões econômicas. Então a gente procura dar oportunidade para quem está à margem da sociedade”.

Esta proposta de reinserção social conta com parcerias de projetos e ONGs. Segundo Renata, moradores de rua que procuram por emprego, por exemplo, em geral não conseguem por não terem um endereço residencial. Entretanto, não basta apenas acolhê-los: “Se você só cuida do morador de rua e não dá uma condição de trabalho, ele não vai sair daquilo nunca”. É nesse momento que ONGs como a Reciclázaro entram em ação. O projeto, nascido na Igreja de São Lázaro, recebe moradores de rua e, além de abrigá-los, procura entrar em contato com empresas que tenham condições de abrir portas para uma oportunidade de trabalho.

Rodrigo Jobim relembra um comentário feito por um repórter a respeito do projeto: “A maior competência de vocês é a capacidade de conexão e agregação das organizações em torno do modelo de vocês”. Desse modo, a Molécoola não é apenas uma empresa focada em seus serviços e no produto final, mas um ambiente humanizado que visa o bem-estar coletivo.

Vulnerabilidade e recomeço

A Molécoola também chega às pessoas por meio de indicações entre os próprios operadores, que procuram ajudar amigos e conhecidos. Patrícia, que possui um container da empresa, é egressa do sistema prisional e chegou ao atual trabalho por meio de Bruno, seu esposo e também operador. “Minha vida mudou, mudou bastante. Eu morava na rua, hoje em dia eu tenho minha casa, eu pago meu aluguel, pago minha água, minha luz. Eu me sustento, não preciso mais de ninguém. É um futuro para mim”, diz Patrícia.

Antes da oportunidade na startup, ela enfrentava a crônica dificuldade de egressos do sistema prisional no processo de reinserção no mercado de trabalho. “Quando eu saí eu me senti inútil por não estar trabalhando. As pessoas não deixam trabalhar porque é presa, a Molécoola não quis saber o que eu era, ela abriu a porta pra mim pra ter uma vida certinha, sabe? Pra não voltar pra vida do crime, me ajudou bastante.”, declara.

Patrícia já havia trabalhado com reciclagem, mas não de maneira detalhada: “Eu sabia que tinha que separar. Para mim, plástico era plástico, papel era papel, mas não é só isso. Quando cheguei, aprendi a separar melhor os materiais. O Jonatan, meu treinador, me ensinou”, afirma Patrícia.

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Jonatan, o treinador de Patrícia, também chegou à empresa por meio de uma ONG parceira – ele é ex-dependente químico e já esteve em situação de rua. Ao procurar ajuda, encontrou uma entidade em que recebeu atendimento psicológico e um apoio que, relata, nem sempre conseguiu na própria família. Ele mora perto da estação em que trabalha, então diz que seu dia começa com “15 minutinhos no ônibus”.

Opera das 7 às 15 horas, atende os clientes, separa os materiais, pesa cada um separadamente e os destina às respectivas empresas responsáveis pela reciclagem dos produtos. Diz que, apesar da correria e desafios que enfrenta cotidianamente, gosta muito do trabalho. “Eu saí totalmente da minha zona de conforto, de tudo que eu tinha feito na minha vida, mas é uma empresa que estava olhando pra mim como eu sou e não só pelo que eu poderia dar pra ela”, diz.

“O Rodrigo acreditou para caramba em mim e no meu potencial, não como dependente, mas como uma pessoa”, comenta Jonatan. Agora já estabelecido como franqueado da empresa há anos, diz trabalhar intensamente. No seu dia a dia separa e faz triagem de todos os materiais que chegam à estação, faz a captação do resíduo pós-consumo, o organiza e envia de volta para a empresa de uma maneira diferente: separado, triado, pesado e já com o valor da reciclagem.

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Rodrigo Jobim, Patrícia Vasconcelos, Bruno Emanoel e Renata Rabello em um conteiner da Molécoola.
Acervo Pessoal

Benefícios para todos

A Molécoola funciona à base de patrocínios e empresas parceiras, que, além de financiarem parte do projeto, participam do programa de fidelidade. O funcionamento da startup é simples: os clientes se cadastram no site, levam seu resíduo pós-consumo para um dos pontos de reciclagem espalhados pelo Brasil e, após a separação correta do material, retiram pontos referentes à quantidade de material levado. Esses pontos podem ser trocados por descontos ou benefícios em empresas parceiras, como supermercados e atacadistas.

Ao explicar esse funcionamento, Jonatan traz uma atenção especial ao fato de ser um processo, que ele chama de troca, que envolve diversas pessoas e depende da cooperação de todos. “Então todos nós participamos ativa ou não ativamente e isso é muito importante para nós. Isso [essa troca] é diário porque todo dia você tá aprendendo. Nunca trabalhei com reciclagem na vida. Não entendia nada, né? Foi um desafio diário, todos os dias estou aprendendo, estudando sobre tudo. Todo dia tem desafio. E é muito bom”, comentou. “Esse é nosso dia a dia. A correria nossa.”

Dados atuais, como os do Senado, que mostram o aumento de 12,4 milhões de toneladas de resíduos sólidos no país, ainda evidenciam a grande necessidade de intervenções efetivas. Por isso, empresas como a Molécoola buscam amenizar os efeitos desses resíduos no mundo, concomitantemente com a iniciativa social que o projeto preza. Rodrigo mostra enorme preocupação com a educação da população a respeito da reciclagem e quer expandir a empresa para o Brasil inteiro, instalando 5 mil pontos de coleta desses resíduos pelo território nacional.

Editado por Juliano Galisi

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