“As Paralimpíadas não acabaram dia 5. Elas continuam’’: conheça a importância do patrocínio para os atletas - Revista Esquinas

“As Paralimpíadas não acabaram dia 5. Elas continuam’’: conheça a importância do patrocínio para os atletas

Por Karina Almeida e Vitória Prates : setembro 18, 2021

Paratletas relatam dificuldades em conseguir apoio financeiro e afirmam que ajuda é essencial para alavancar carreira e ganhar visibilidade 

“Eu recebo parabéns pelas minhas conquistas, mas não o patrocínio. É muito difícil”, conta Esthefany Rodrigues, 22 anos, atleta da natação paralímpica. Como outros paratletas no Brasil, ela relata nunca ter conseguido um patrocínio direto: “Já mandei muitos e-mails, entrei em contato com diversas empresas, mas o que falam é que não tem como ajudar ou que já estão com a grade de atletas fechada”.

Esthefany participou dos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020 e alcançou o 7º lugar nos 200m medley. Ela estava entre as 260 pessoas que compunham a delegação brasileira. Segundo a Comissão Paralímpica Brasileira (CPB), nenhuma participação do País na competição foi tão expressiva quanto a deste ano. Mesmo com tamanha importância, muitos paratletas ainda enfrentam desafios quando o assunto é a parceria com empresas como forma de viver do esporte.

“Sem recurso não tem como trabalhar”

Muitos atletas dependem da chamada Bolsa Atleta, programa criado pelo governo em 2005 para atletas brasileiros de alto rendimento que mantém resultados bons em competições nacionais e internacionais. Contudo, nem sempre é o suficiente. “Se a gente não guardar um dinheirinho ali, fica bem difícil”, argumenta Esthefany.

As parcerias, além de cobrirem custos, têm papel importante no desempenho de atletas. “Nos ajuda a ter uma performance melhor e a não se preocupar com isso. Dormimos pensando ‘será que amanhã eu vou ter dinheiro para comprar meu suplemento ou para ir ao treino?’”, comenta a jovem.

Para Claudio Massad, 36, atleta da seleção brasileira paralímpica de tênis de mesa e que atuou como comentarista do SporTV durante a transmissão dos Jogos, os recursos de patrocínios permitem o desenvolvimento do esportista. Além de materiais, ressalta que são necessárias viagens, inscrições e cuidados específicos que envolvem gastos. Sem dinheiro você não faz nada”, frisa.

Assim como Esthefany, Massad conta que durante a carreira sempre foi muito difícil conseguir patrocínio. Quando não é possível fechar as parcerias, os atletas buscam alternativos, como outros empregos, rifas, doações e bolsas governamentais.

“Existe ainda a falta de um olhar seletivo e atento, tanto da iniciativa privada, quanto do poder público”, comenta ele sobre a falta de apoio. Para o mesatenista, é obrigação do governo investir em esporte. Além disso, em sua visão, empresas precisam entender que o patrocínio é um investimento indireto em saúde, educação, cultura, inclusão e bem-estar social, segurança e em muitas outras áreas sociais.

Luiza Fiorese, 24, jogadora de vôlei sentado, comenta: “Ser atleta profissional hoje ressignificou muito a minha vida”. A paratleta conseguiu seu primeiro patrocínio através de uma inscrição na internet. Na época, a construtora MRV estava realizando uma campanha para patrocinar atletas olímpicos, e ela enviou um vídeo dizendo: “Não sei se esse patrocínio vai abranger também paratletas, mas eu espero que sim, porque a mulher atleta precisa de incentivo, mas a mulher atleta deficiente precisa de muito mais do que isso”.

Para Luiza, é importante entender que o atleta precisa conseguir viver com tranquilidade apenas através do esporte, mas que isso só é possível com as parcerias. “A gente ainda precisa muita divulgação e que as pessoas nos vejam. As marcas têm um papel fundamental de nos colocar como atletas, como ídolos, como pessoas que são referência”, afirma.

Patrocinadores e oportunidades

“A minha esperança é que o mundo corporativo e a iniciativa privada entendam que há outras alternativas para ganhar com o crescimento da sua marca”, comenta Haldane Teixeira, 60. Ele é CEO da CrediHabitar, empresa belo-horizontina de crédito imobiliário e patrocinadora de Gabriel Araújo, paratleta da natação, que conquistou duas medalhas de ouro e uma de prata em Tóquio.

“A gente também não tem que ficar só dependendo do governo. Eu acho que tem todo um mercado privado e o mundo corporativo que tem muita condição de ajudar esse pessoal”, explica. Ele enfatiza que a relação empresa-atleta às vezes consiste em uma estratégia de negócio.

A parceria com o nadador começou em 2019, quando Gabriel ainda estava evoluindo a nível paralímpico.“Vimos no Gabriel uma oportunidade muito grande de ajudar ele a subir degraus. Normalmente, o patrocínio só chega em um nível em que alguns degraus já foram alcançados”, lembra o CEO.

“A gente não está patrocinando medalhas. A gente estava patrocinando uma história’’ – Haldane Teixeira.

Foi Débora Moroni, 36, CMO da Credihabitar, quem apresentou o garoto aos diretores. Natural de Corinto (MG), mesma cidade de Gabriel Araújo, a executiva conta que conhece a mãe e a história de vitórias do garoto desde muito cedo. “Era um menino de 17 anos com os mesmos sonhos e expectativas de um adolescente”.

A ideia de apoiar Gabriel surgiu de uma conversa entre ela, sua mãe e a mãe dele. Na parceria, a empresa e o medalhista se divulgam e se impulsionam por meio das redes. “O Gabriel foi uma porta que se abriu para a gente se desenvolver como gestores, diretores e implantar a nossa missão de impulsionar sonhos e pessoas”, diz.

paratletas

Haldane Teixeira, Gabriel Araújo e Débora Moroni.
CrediHabitar

Durante a pandemia, a empresa optou por manter a parceria. Após o sucesso dos Jogos, a empresa já estuda possibilidades de gerar outros patrocínios de paratletas. “Existem outros ‘Gabriéis’ necessitando desse apoio nesse começo e estamos hoje analisando de que forma podemos fazer isso”, explica Haldane .

Incentivo aos paratletas: “Quantas vidas por aí podem ser salvas pelo esporte?”

“Gostaria que as pessoas soubessem de que há uma força dentro delas que é capaz de realizar grandes feitos, que não há o “impossível” quando se trata de sonhos”. – Daniel Dias

O nadador paralímpico e maior medalhista brasileiro, Daniel Dias, 36, conta que no começo da carreira dependia da ajuda dos pais para manter-se no esporte. Só conseguiu patrocínio ao disputar sua primeira Paralimpíada, em 2008. Para Dias, os patrocínios, além de possibilitarem maior dedicação ao esporte, ajudam a “aumentar a visibilidade do esporte paralímpico, do talento dos paratletas brasileiros e a capacidade das pessoas com deficiência’’.

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Lara Lima, 18, paratleta do halterofilismo, afirma que os patrocinadores são de grande valor em qualquer fase da carreira: “Nem todo mundo tem condição de poder pagar sua passagem, medicamento, um lugar, um técnico e outros”. Ela ressalta que depois de descobrir o mundo do esporte sua vida mudou. “Ajuda não só no físico, mas no psicológico e na situação financeira, dependendo do caso’’, explica.

Lara acredita que as Paralímpiadas vieram para ajudar as pessoas com deficiência e também para que as outras pessoas entendessem que elas são capazes e iguais. “O problema não é ser deficiente, é a pessoa pensar que a gente não é capaz de fazer alguma coisa”, diz.

Essa mentalidade é compartilhada por outros paratletas. Para Claúdio Massad, os Jogos são uma forma de mostrar a importância da igualdade na sociedade e no esporte: “É super importante, plausível e necessário para a gente se envolver, mostrar para o deficiente físico que ele pode ser atleta, que tem todas as capacidades e possibilidades. Estamos cansados de ouvir sobre superação, a gente se supera todo dia como todo mundo’’.

“Acho que a gente precisa desses ídolos mais plurais, de pessoas que inspiram outras pessoas. Eu quero ser uma mulher que inspira outras mulheres independente se são deficientes ou não’’, acrescenta Luiza Fiorese. Segundo ela, o esporte salvou sua vida e pode fazer o mesmo por outras pessoas, o que falta é o incentivo e a visibilidade.

Agora, em sua recém anunciada aposentadoria, Daniel Dias conta que pretende participar mais de seu Instituto. A iniciativa contribui para o fomento do esporte paralímpico brasileiro e o medalhista tem grandes projetos em mente. “Vou continuar a ministrar as minhas palestras e clínicas de natação e sigo na atuação como membro do Conselho Nacional de Atletas e da Assembleia Geral do Comitê Paralímpico Brasileiro”, diz.

Cláudio, Esthefany, Lara, Luiza e outros grandes talentos, no entanto, já olham para 2024, ano dos Jogos Paralímpicos de Paris, na França. “Meu objetivo é pegar uma medalha. Na verdade, esse é o objetivo de todos”, lembra Lara. Os paratletas continuam sempre treinando, com patrocínio ou não. Por isso, o patrocinador Haldane afirma: “As Paralímpiadas não acabaram no dia 5. Elas continuam’’.

Editado por Julia Queiroz.

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