Calçade e Léo Miranda comentam a abordagem da mídia e o impacto da opinião de torcedores sobre análise tática no futebol brasileiro
Na Copa do Mundo de 2018, Gabriel Jesus foi duramente criticado pela torcida da seleção por não ter marcado gols. Enquanto isso, ele era elogiado pelo treinador, Tite, por cumprir exatamente o papel solicitado pelo técnico. Pode ser que os brasileiros estivessem mal acostumados com centroavantes goleadores em copas anteriores. Mas não há dúvida de que sobra paixão e falta análise tática no futebol brasileiro – muitas vezes da própria mídia.
“Quando as peças não produzem e as coisas vão mal, é preciso entender mais sobre a função (do jogador) e o que se espera dele, por que ele está sendo escalado e o que ele está entregando”, diz Paulo Calçade, jornalista esportivo dos canais Disney, em entrevista a ESQUINAS.
Para o também jornalista Léo Miranda, analista tático no Globo Esporte e na SporTV, “é comum a torcida esperar gols do atacante, mas a imprensa deve entender e ensinar isso ao torcedor. Só que o torcedor é apaixonado, aí a gente tem um confronto entre razão e paixão”.
Segundo Miranda, é papel do jornalista esportivo abrir os olhos dos apaixonados: “A torcida deposita esperança naquele camisa 9, então imagino que essa tensão entre o que o torcedor quer e o que o técnico quer vai estar sempre presente. Às vezes, temos que nos perguntar: ‘nós estamos vendo o futebol na lupa do torcedor ou na lupa dos técnicos?’ Qual é o meio termo entre as duas coisas? Talvez o nosso trabalho seja achar esse meio termo’’.
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Falta de especialização
Para muitos, um resultado ruim pode significar um time ruim. “Acho que é impossível desassociar uma coisa da outra, o resultado justifica tudo. Não é uma visão correta, mas é algo que predomina, tanto na mídia quanto com os torcedores”, opina Calçade.
Miranda diz que alguns jornalistas esportivos comentam os assuntos de uma forma específica para que o público se sinta representado. “A mídia é um reflexo dos torcedores, ela vende o que o público quer ouvir.’’
Analista de desempenho formado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e em processo de conclusão de um curso de especialização em Portugal, ele questiona a falta de formação sobre análise tática no futebol brasileiro por parte dos profissionais. ”Se muita gente não tem especialização nessa área, o problema é dessas pessoas ou da formação oferecida? Eu mesmo fiz todas as formações oferecidas aqui no País e estou fazendo fora. A diferença é abissal, em Portugal é mil vezes melhor que no Brasil”, afirma.
Segundo o jornalista, a formação no Brasil não deixa a desejar apenas para jornalistas. Como exemplo, ele lembra uma fala do jogador uruguaio Giorgian De Arrascaeta, que comparou as “ideias de jogo” de Rogério Ceni, atual técnico do Flamengo, às do portugês Jorge Jesus, que atualmente comanda o Benfica. Miranda considera a comparação “tosca”: “Não é pelo passaporte, ele (Jorge Jesus) teve formação, educação melhor.’’
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País do futebol?
Se o Brasil é o país do futebol, os brasileiros se sentem no direito e dever de comentar o esporte. “O Brasil país do futebol é uma das maiores mentiras já inventadas. Nos estaduais pelo Brasil, tem jogo que tem mais gente em campo do que fora assistindo, onde que é o país do futebol? A Inglaterra tem estádios lotados, a segunda divisão inglesa é uma das maiores bilheterias do mundo. Esse é o país do futebol, a Inglaterra: estádio lotado, jogo que todo mundo quer ver”, afirma Calçade.
Segundo ele, “o Brasil é o país em que um monte de gente vive como sanguessuga e puxa saco do futebol. O torcedor brasileiro só gosta do time dele e vencendo. Quando o time dele está uma draga, ele desaparece. Nós não temos nada de país do futebol. Desde 2002 não ganhamos um título e a chance de passar de 2022 é imensa. Vamos para 20 anos sem título, estamos fazendo muita coisa errada aqui.’’
Jeitinho brasileiro
A cultura da análise tática no futebol brasileiro, muito pautada no “imediatismo e achismo dos torcedores”, envolve a mídia, a diretoria e os clubes. “Mas será que é uma culpa só da imprensa ou as pessoas também têm essa cultura? Muito do papel de educar da imprensa é também mudar uma cultura que não acaba de um dia para o outro. Há pouco interesse de mudar, tanto dos veículos, das pessoas, de todos. É muito mais lucrativo continuar esse frenesi de ‘achar um problema’, isso dá audiência”, diz Miranda, que considera pretensioso fazer esse revisionismo.
Calçade criticou a cultura citada pelo analista e as diretorias dos clubes de futebol: “O sistema em que os clubes estão montados é um sistema de sócios, de conselhos. Esses conselhos são representantes da torcida, é gente que não entende nada, bulhufas, de futebol. Os conselhos pressionam os dirigentes. Quando tem uma derrota, você tem que dizer para a torcida e para o conselho ‘me livrei do cara, vamos contratar outro’. Nossos alicerces do futebol no Brasil são muito pobres no entendimento do jogo. Para quem acompanha o dia a dia internacional, principalmente a imprensa europeia, conhece muito mais futebol do que aqui”.