Campeã brasileira por nove anos consecutivos e recordista no Mundial de Remo Indoor em Boston começou na natação para se recuperar de um acidente
“No remo, eu me encontrei. Ali, acho que é o único momento que eu tenho meu, e aí se torna uma coisa só entre mim e o barco. Já pensei em parar várias vezes, mas é uma coisa que você não consegue mais se libertar. O remo, para mim, é tudo.”
Os Jogos Paralímpicos de 2020 renderam 72 medalhas para o Brasil. Mesmo com as dificuldades apresentadas pela pandemia, o país foi representado nos esportes paralímpicos. No caminho de reabilitação de pessoas com deficiência, um dos fatores mais importantes é o esporte. Esse foi o caso de Claudia Santos, remadora de 44 anos, que começou no esporte para se recuperar de um acidente e se tornou campeã mundial.
História no esporte: da natação ao remo
Claudia começou no esporte paralímpico pela natação, em 2005, como forma de recuperação de um acidente de carro sofrido cinco anos antes, no qual perdeu a perna direita. Cerca de um ano depois, testou o remo pela primeira vez a convite de seu treinador e, na época, não gostou muito.
Mal sabia ela que, no ano seguinte, voltaria a treinar e, alguns meses depois, se tornaria campeã no Mundial de Remo em Munique, na Alemanha. “Quando eu cheguei no final, eu não sabia quem tinha ganhado, aí a moça que estava ao meu lado olhou para mim e me deu parabéns. Quando olhei para o telão, eu estava lá e descobri que eu tinha ganhado”, conta rindo.
Depois de chegar tão longe, resolveu seguir no remo definitivamente. Claudia competiu em diversos campeonatos nos anos seguintes, sendo campeã brasileira por nove anos consecutivos, campeã recordista no Mundial de Remo Indoor em Boston 2012 e vice-campeã mundial na Nova Zelândia em 2010, sua competição favorita. Nas Paralimpíadas, participou em 2008, em Pequim, 2012, em Londres, 2016, no Rio e, em 2021, em Tóquio, finalista em todas edições.
Pandemia e treinamento de remo
Com a chegada da pandemia de covid-19, no começo de 2020, os treinamentos tiveram de ser adaptados e o contato com o remo passou a ser escasso. Com a ajuda do remoergômetro, um aparelho que simula a atividade, Claudia pôde continuar com os treinamentos de sua casa, mas o medo da contaminação ainda era presente.
Cesar Moreira, de 39 anos, treinador de para-remo que a acompanhou nas Paralimpíadas em Tóquio, diz que aspreocupações se estendiam também aos técnicos. “Tudo antes de chegar lá foi muito tenso. Todos os dias fazendo teste de covid. Se desse positivo, acabou o sonho. Teve gente cortada porque testou positivo. E se os técnicos estivessem com covid? O atleta teria problemas”, explica.
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Paris é o mais novo objetivo de Claudia. Mesmo já estando entre as seis melhores do mundo, ela insiste que não é sua última Paralimpíada. À medida que os tempos classificatórios diminuem, a concorrência aumenta dentro do hall do esporte. Daqui para frente, são mais três anos de foco e treinamento para conquistar uma medalha.
Segundo a atleta, “o que leva o esporte é o sonho. Enquanto há sonho, há esperança. O sonho de todo atleta é ter uma medalha paralímpica, não importa a cor. É por isso que eu insisto e é por isso que eu vou tentar a próxima edição”, projeta.
Esporte e reabilitação
Trabalhando com Claudia desde 2007, Cesar é treinador da seleção brasileira de para-remo desde 2012. Mas sua história com o esporte paralímpico é anterior a isso. Durante seu período como treinador no Clube de Regatas Bandeirantes, Cesar trabalhou com alunos com deficiência, mas percebeu certo despreparo de sua parte.
A partir desse momento, sentiu a necessidade de se aprofundar no tema da reabilitação física no esporte. “Você tinha a base da faculdade de educação física, de esporte adaptado, mas nada a fundo sobre cada deficiência. Eu queria ir para um lugar onde eu aprenderia a lidar com a deficiência, descobrir como eu poderia melhorar a vida das pessoas”, relata.
Em 2010, começou sua pós-graduação na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), onde era o único educador físico entre seus colegas. Lá, a maioria buscava se especializar em reabilitação por meio da fisioterapia, enquanto Cesar buscava fazer a diferença por meio do esporte.
Adaptação e inclusão
O educador físico também entende a importância do esporte como forma de inclusão de pessoas com deficiência. Segundo ele, a escassez de profissionais na área deve-se a uma falsa noção de que o treinamento dá “muito trabalho” por necessitar de adaptações. Cesar, porém, desmente essa visão e afirma que a rotina de exercícios e prática do esporte é quase a mesma, com algumas adaptações que variam de acordo com a necessidade de cada um.
O treinador ainda reforça a necessidade da quebra do preconceito e da ideia de “pena”, ainda muito presentes na vida daqueles que possuem algum tipo de deficiência. “Em época de competição, recebo muitas mensagens do tipo ‘só de vocês saírem do Brasil, já são campeões’. Opa, espera aí! Só é campeão, se torna conhecido, quem ganha medalha. Por que isso não vale para quem tem deficiência?”
Ainda assim, Cesar ressalta a importância do esporte como forma de alcançar uma melhor qualidade de vida. Isso se reflete no trabalho que ele desenvolve há mais de cinco anos no Instituto Remo Meu Rumo para a reabilitação de crianças e adolescentes com deficiência – hoje, contando com cerca de 150 alunos.