Em meio ao isolamento social, mundo dos jogos esportivos online anda na contramão de outros setores e vem se fortalecendo desde 2020
A pandemia influenciou negativamente diversas áreas da vida e setores da economia, mas no mundo dos games, a situação foi diferente. Segundo a plataforma especializada Newzoo, o público de esportes eletrônicos, ou E-sports, deve ultrapassar 474 milhões de pessoas no mundo em 2021, o que corresponde a um crescimento de 8,7% em relação ao ano de 2020.
Entre os jogos mais populares no Brasil, está o FIFA, game eletrônico de esportes mais vendido no país e no mundo.
Caique “Tuzzy” Barral é um dos expoentes do grande crescimento dos E-sports – e do FIFA – na pandemia. Fundador da equipe Tuzzy E-sports e dono da página do Instagram Tuzzy Fifa, ele fala do engajamento espontâneo nesse momento conturbado:
“É um movimento que a gente se orgulha bastante. Foi lá que a gente começou a produzir conteúdo de FIFA, etc. A gente se orgulha muito do engajamento que tem lá. Tem mês que bate mais de 4,5 milhões de impressões, e é tudo orgânico.”
O crescimento do cenário dos games no Brasil se mostra uma tendência desde 2014. Contudo, o momento atual tem um papel fundamental nesse processo:
“A pandemia, sem dúvida, acelerou muito no crescimento de todos os E-sports. É fato que as pessoas em casa, sem o esporte tradicional, ficaram procurando o que assistir, o que torcer. Eu tiro muito dos jornais que a gente fez que geralmente tinha aquele mito do gameplay não dar muita audiência. Mas estão aí as transmissões do campeonato que a gente realizou, pelo menos, que desmentiram esse fato. A galera gostou de ver os campeonatos on-line, gostou de acompanhar, de torcer. Então imagino que tenha sido isso com todos os E-sports também”, conta Caique.
Uma reorganização perante as dificuldades
Destacando a importância da pandemia como causadora de muitas mudanças, Barral revela que não era tão envolvido com os jogos virtuais competitivos e com o cenário dos E-sports. Ele dava valor a outros projetos nessa área, como a criação de conteúdo em sua página no Instagram:
“Antes da pandemia, eu não estava tão ligado nos E-sports. Eu tinha um time que começou em 2019 com apenas três atletas, e um outro trabalho. E com a pandemia cresceu muito [a visibilidade], pois antes quem competia adorava, mas quem não era competidor não acompanhava todas as etapas como hoje em dia.”
Com mais visibilidade, o time conseguiu trazer novos atletas e passou por um processo de reformulação. Além disso, o fundador da Tuzzy diz que não existiam muitos campeonatos ou torneios que poderiam estimular o crescimento dos E-sports e que, em função de pedidos da comunidade de atletas profissionais (neste caso, a do FIFA), começou a organizar com a sua equipe mais eventos competitivos para dar ritmo de jogo aos atletas, após reflexão sobre como poderia ajudá-los com a paralisação dos eventos presenciais.
“Antes da Pandemia, existiam menos campeonatos. A gente não desenvolvia tantas competições profissionais. A gente era muito defasado nisso, tanto que começamos a fazer, porque a comunidade dos profissionais começou a reclamar, a pedir por mais campeonatos”, relata.
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Nova geração
Segundo o Lance!, o aumento da popularidade dos E-sports atraiu uma nova gama de jogadores e beneficiou muitas empresas. Para Caíque, isso ocorre na medida em que, após ter mais tempo para refletir e para jogar, pessoas que não cogitavam ser profissionais podem ter pensado em começar a competir:
“Na pandemia, a galera está descobrindo como ‘ser bom em um jogo’ pode trazer bons frutos para os jovens. Hoje, quando aparece qualquer campeonato, por menor que seja, a garotada já corre para participar e ver realmente o ‘quão bom’ eles podem ser.’’
Renato Dorta, jogador de rápida ascensão nos E-sports, é outro exemplo de como a pandemia e os games tiveram uma relação positiva. O jovem conta que jogava FIFA 18 e que tinha sempre resultados muito bons, apesar de ainda não ter, na época, a idade mínima para competir, nem conhecimento sobre o cenário profissional do jogo.
Ele destaca que 2020 foi o ano da grande mudança, em que emergiu no cenário profissional e disputou seu primeiro campeonato. A partir de setembro, quando a temporada do FIFA 21 começou, ele mergulhou no jogo com o foco necessário para ser atleta.
“Eu já cheguei a desistir disso antes de começar a pandemia. O meu começo de jornada nos E-sports foi em setembro de 2019 e já quis parar em dezembro. Frustrações, mentalidade, tudo isso influenciou a querer parar e cheguei a pensar que isso não é pra mim. Esse era o meu pensamento desde o começo de 2020, até chegar a pandemia e o isolamento social. Por gostar muito de FIFA e não poder sair de casa, voltei a jogar e aí pensei que poderia aproveitar este tempo preso em casa”, diz o jovem.
Reacendendo a chama
Nesse novo momento de sua vida, com contrato válido junto a Tuzzi até junho de 2022, Renato pretende seguir: “Deu certo. Consegui ganhar todas as etapas necessárias para participar dos torneios oficiais, ser reconhecido, ter vídeos de jogadas, estar nos sites oficiais do jogo.”
O espaço cedido aos E-sports nas transmissões dos canais de televisão, como o Sportv, também fomenta o crescimento da modalidade. Isso também influencia os novos jovens a terem mais vontade de participar do cenário profissional dos jogos.
“Tudo que tem divulgação e profissionalização é importante e acaba se tornando algo grande. A molecada, principalmente a nova geração, joga um jogo igual ao que todo mundo sempre jogou, só que ela vê os campeonatos oficiais, quer ser boa no jogo, conhece os nomes dos jogadores profissionais e dos streamers famosos. E [a molecada] vê os atletas sendo reconhecidos mundialmente e isso é uma influência muito grande. Então tem muita gente que vê aquilo, se encanta, quer ser igual, quer participar dos campeonatos, até porque imagina ganhar dinheiro e ser reconhecido pelo jogo que você ama e joga todo dia?”, conclui Renato.
Mais do que apenas videogame: treinamentos e saúde
Um dos tabus dos E-sports é a ideia de que estes jogos não são modalidades esportivas. Mas, ser atleta dos jogos online é muito mais do que jogar videogame.
Conforme os pesquisadores Seth Jenny, Douglas Manning, Margaret Keiper e Tracy Olrich, autores do artigo Virtual(ly) Athletes: Where eSports Fit Within the Definition of “Sport”, esses games, dado o declínio da prática de atividades físicas pelas pessoas, “podem potencialmente preencher a lacuna entre atividades sedentárias e esportes físicos por meio de jogos de vídeo baseados em movimentos”.
Soma-se a isso a definição do estudioso M.G. Wagner, de que trata-se de “uma área de atividades esportivas em que as pessoas desenvolvem e treinam habilidades mentais ou físicas no uso de tecnologias de informação e comunicação”.
O jogador Caique Barral diz haver um preconceito no cenário dos E-sports:
“O fato de o pessoal achar que os atletas apenas jogam videogame o dia inteiro, pensamento que pode vir de pais, amigos e etc. A gente tenta sempre conversar quando pode com esses grupos citados, para mostrar que não é uma ‘brincadeira’, mostrar que é um esporte que pode gerar um retorno pro atleta.”
Barral explica que há toda uma preparação física dos atletas para que eles possam suportar as condições às quais estarão sujeitos durante o longo período das partidas e, eventualmente, até jogarem melhor.
Em comparação com a necessidade de preparo físico dos atletas de Fórmula 1 para estarem em condições de disputar as corridas, ele exemplifica como ficar sentado jogando videogames em alto nível não é tão simples quanto parece:
“Não é igual a estar trabalhando, porque você está lá naquela tensão, pendulando entre jogar, esperar o próximo adversário e torcer pelos amigos. Ou seja, o desgaste físico é, guardadas as devidas proporções, bem parecido com o de um piloto de Fórmula 1”.
É esporte e traz benefícios
Os E-sports também trazem uma série de benefícios para os atletas que o praticam, tanto na questão da necessidade de exercícios físicos, quanto para desenvolvimento de estratégia:
“Não é só jogar videogame, ainda mais competindo profissionalmente, é necessário ter um condicionamento físico e mental quase igual ao de atleta, até porque as posições podem gerar problemas crônicos. Se você está bem fisicamente, tem mais ânimo para ficar sentado por três ou quatro horas, você não se cansa tanto, sua lombar e pescoço não o incomodam em excesso”, afirma Barral.
“E a verdade é que além do físico essa rotina ajuda bastante o mental, visto que o corpo dita o ritmo da mente, permitindo que o atleta tenha mais calma e um poder de decisão cada vez melhor. Então, aqui na Tuzzy vamos sugerir que os atletas façam no mínimo de meia hora a uma hora de exercício diário, seja uma caminhada ou treino na academia, além de serem acompanhados, a partir da próxima temporada, por uma equipe de psicólogos para cuidar do bem estar mental”, finaliza.
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Jogador casual e jogador profissional
Os tipos de jogadores existentes, o casual e o profissional, possuem papel fundamental na comunidade. Os pro players, por exemplo, têm a função de sempre manter o jogo em alta por conta das competições. Quanto mais a cena profissional se engrandece, mais forte a comunidade fica.
Nesse contexto, Barral conta como os jogos podem ajudar as pessoas ainda mais no período de pandemia.
“Eu já recebi relatos de pessoas que estavam com problemas psicológicos, como depressão e ansiedade. Mas com o videogame ganharam sentido de vida, pois tem amigos virtuais que os esperam o dia todo para jogar. Acredito que com a pandemia, doenças psicológicas se agravaram e o videogame foi uma válvula de escape de muitas pessoas.”
Gustavo “Lugu” Toledo é vice-campeão da FIFA eClub World Cup 2020, a maior competição de FIFA 21 organizada pela própria desenvolvedora do jogo (EA Sports), normalmente disputada em LAN (presencialmente) em um super evento realizado na Europa. Porém, com a pandemia, esse formato mudou e o torneio ocorreu pela internet, tornando inviável a disputa dos confrontos de jogadores de continentes diferentes.
Para ele, os jogos de videogame foram muito importantes para manter a saúde mental das pessoas durante o período da pandemia: “Nesse mundo que a gente tá vivendo, com muitas notícias tristes, acho que o videogame dá uma acalmada mais no nosso dia a dia. No fundo acaba ajudando bem nosso bem estar, principalmente a cabeça.”