Torcedores e jornalistas relatam experiências e opinam sobre o modelo recém implementado no continente e que tem dividido opiniões
Em 2019, a Conmebol anunciou a mudança de formato na final de suas competições, Libertadores e Sul-Americana, que, de uma disputa em dois jogos, cada partida sob mando de campo de um dos finalistas, passou a ser disputada em jogo único em campo neutro. A mudança no formato da final é um reflexo da cultura europeia, já que as competições da UEFA possuem este modelo consolidado.
O presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, explicou em comunicado oficial, em 2018, o motivo da mudança, que tem como objetivo uma maior projeção do futebol sul-americano a nível global. “Mais que uma partida, este será um grande evento esportivo, cultural e turístico que trará grandes benefícios para o futebol sul-americano, seus clubes e seus torcedores. Esta emocionante alteração oferecerá um espetáculo desportivo de classe mundial e uma melhor experiência em casa e no estádio. Em termos de desenvolvimento, projetamos maiores receitas para o torneio e para os clubes finalistas”, disse Domínguez, no site oficial da entidade.
ALTA DOS PREÇOS DA FINAL
A experiência turística, cultural e esportiva é atrativa aos olhos dos torcedores, como relatou Henrique Stockler, torcedor do Atheltico que foi a Montevidéu no ano passado (na final da Sul-Americana) e irá a Guayaquil neste ano (na final da Libertadores).
Apesar do ponto positivo, a final fora do País traz alguns empecilhos, como, por exemplo, a locomoção e o gasto monetário não só com a viagem, assim como com hospedagem, ingresso, alimentação, entre outras coisas necessárias. “Além de você ter um custo absurdamente alto para ir até lá de avião – ir de outra maneira é muito difícil –, tem que pagar o ingresso, que é muito caro, acomodação, transporte e alimentação. Quem não tem condição financeira para ir, fica muito distante do seu time.”, disse Stockler, em entrevista a ESQUINAS.
A questão financeira impossibilita muitos torcedores de irem ao estádio assistir à final, já que a maioria da população brasileira não ganha uma renda que seja condizente ao preço cobrado pelo pacote completo da viagem — ingresso do jogo, passagem, alimentação e outros custos, planejados ou não. O salário mínimo no Brasil é de R$1.212, enquanto o ingresso da final da Libertadores tem preço médio de R$1.023, o que corresponde a 84,4% do valor do salário mínimo.
Apesar de ser um momento único e uma experiência diferente, a competição está cada vez mais elitizada e as pessoas não têm condições financeiras de embarcar nessa aventura. E isso não acontece só na Libertadores, é um problema também na Sul-Americana, campeonato que não é tão valorizado na América do Sul. “De avião foi quase impossível conseguir passagem, as passagens triplicaram de preço assim que o São Paulo se classificou para final da Sul-Americana e além do mais tinham pouquíssimos voos. Valores absurdos até mesmo para Buenos Aires. Fora de logística para um curto prazo em relação à semifinal e final. De caravana também era complicado por conta do trabalho (levariam dias na estrada com sinal ruim e precário). Mesmo no home office ficaria difícil”, disse o torcedor são-paulino João Cavalcanti, que não conseguiu ir à final da Sul-Americana de 2022.
Em comparação às competições europeias, que servem de inspiração ao modelo, o acesso do público é mais democratizado pelos valores estarem mais adequados à realidade da população. O valor médio do ingresso da final da Champions League 2022/23 foi de 380 euros, enquanto o salário mínimo da Espanha e Inglaterra, local de origem dos clubes presentes na decisão, é de 1.050 e 1.863 euros, respectivamente, o que equivale a 36,2% do salário mínimo dos espanhóis e 20,4% dos ingleses. Além disso, a facilidade de locomoção pela Europa é maior, já que as distâncias entre alguns países são mais curtas e é possível viajar de trem, possibilidade inexistente na América do Sul.
DIFICULDADE EM VIAJAR PELA DISTÂNCIA
Como já mencionado, na América do Sul as possibilidades de viagem são menores em comparação ao continente europeu. Sem trens que conectam os países de maneira mais rápida, passagens aéreas com preços altíssimos, resta, para quem não tem um poderio financeiro grande, viajar de ônibus ou carro. Porém, a partir disso, entra em pauta as distâncias dos países, que será maior nesta edição devido a sede ser no Equador, em Guayaquil, e não em um país mais próximo, como, por exemplo, aconteceu na edição passada em Montevidéu, no Uruguai, que faz fronteira com o Brasil. O athleticano Henrique Stockler comenta sobre essa dificuldade vivenciada por quem deseja ir no evento:
“A locomoção por terra é praticamente impossível, sei que tem gente da torcida organizada que vai de ônibus, mas é muito difícil, e isso deixa muita gente de fora. Assim você tem uma limitação aérea para chegar em Guayaquil, e para isso precisa pagar caro, não é todo mundo que vai ter dinheiro para fazer uma viagem dessa. Isso acaba tirando a possibilidade de muita gente de ver o seu clube do coração numa final”.
O AMOR E AS DIFICULDADES
No entanto, mesmo que não seja fácil lotar os estádios, sempre temos a presença dos forasteiros torcedores que fazem de tudo e mais um pouco para se deslocarem até o lugar das finalíssimas. ESQUINAS entrevistou a torcedora do Flamengo, Carol Borges, que esteve no estádio da final única nas duas oportunidades (2019, 2021) e também estará nesta terceira, no próximo dia 29 de outubro. Apesar de entender a dificuldade da nova dinâmica implementada pela Conmebol, Carol reitera que o amor pelo clube foi maior que todas as dificuldades nas três ocasiões e revelou perrengues atravessados na final de 2019, em Lima:
“Em 2019 eu tinha comprado a final que ia ser no Chile e como eu disse, eu sempre compro bem antes o pacote, e começou a guerra civil. Eu chorava todo dia vendo o Jornal Nacional para ver se ia mudar (de lugar) ou não e mudou para Lima. Como mudou para Lima já com o Flamengo finalista, as passagens estavam muito caras. Eu tinha comprado muito antes e tinha pago bem barato na hospedagem e nas passagens pro Chile. Eu só consegui ir para Lima assistir à final ficando 10 dias lá.”
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A ELITIZAÇÃO DAS ARQUIBANCADAS NA FINAL
Carol Borges, assim como a maior parte dos torcedores que vão ou deixam de ir à final, se indignam com a elitização do preço das entradas, que afasta da final alguns torcedores que estiveram presentes durante toda a campanha. “Sem dúvida eu acho que elitiza sim o público, exatamente pelo custo que tem você se deslocar até outro país. Conheço várias pessoas que foram a todos os jogos da Libertadores e não vão poder estar na final por conta de planejamento financeiro e planejamento de trabalho”, comenta Carol.
O narrador João Guilherme, do Grupo Disney, com o experiência em sete finais de Libertadores, conversou com ESQUINAS sobre a questão da elitização dos jogos:
“Se você analisar, não só no futebol, em todo planeta os eventos estão cada vez mais elitizados, a diferença é que nós estamos no Brasil e na América do Sul, onde boa parte da população não é privilegiada financeiramente. Nós estamos numa região que não é muito desenvolvida, então a maior parte do público não tem acesso. Em relação a final única, eu acho muito difícil você não fazer um evento para a elite. A solução seria o público local ter acesso com ingressos mais baratos e ao longo da competição baratear os ingressos também, mas aí tem os custos envolvidos de estádio. O futebol está cada vez mais caro para ser feito e isso faz com que os preços se tornem altos e afaste o povão cada vez mais”.
Henrique Stockler, torcedor do Athletico, comenta sobre a elitização das arquibancadas já ser uma realidade no Brasil e como isso ocorre no estádio de seu clube do coração:
“Acho que os estádios no Brasil já estão elitizados. Aqui temos dois planos de sócio, um de R$90 e outro de R$150, dependendo do lugar onde você fica no estádio. E isso já elitiza um pouco a torcida que vai. Se você paga o sócio, você tem direito a uma cadeira e pode ir em todos os jogos que o Athletico jogar em casa, mas têm pessoas que não possuem condição de pagar um plano de sócio e o ingresso avulso é muito caro”.