"O que vai ficar depois é um legado macabro”, diz infectologista sobre Brasil sediar a Copa América - Revista Esquinas

“O que vai ficar depois é um legado macabro”, diz infectologista sobre Brasil sediar a Copa América

Por Guilherme Fonseca : junho 3, 2021

Jornalista esportivo e infectologista não enxergam ganhos que justifiquem o País como sede da Copa América no estado atual da pandemia

Domingo, 30 de maio. A Copa América, torneio continental de seleções organizado pela CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol) e que seria sediada na Argentina, é suspensa. Segundo o governo argentino, o motivo foi o agravamento da pandemia da covid-19 no país.

Segunda-feira, 31 de maio. O Brasil aceita o convite para sediar a Copa América. Jair Bolsonaro, Presidente da República, declarou que “no que depender de mim, de todos os ministros, inclusive o da Saúde, já está acertado, haverá [o torneio]”, em evento no Palácio do Planalto no dia 01 de junho.

De acordo com Jamal Suleiman, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, a competição internacional deve ser qualificada como um grande evento e, como qualquer outro, “não deve ser realizado nesse momento da pandemia no país”.

Importância econômica

O jornalista esportivo Ubiratan Leal, dos Grupos Disney, acredita que a Copa América seja um torneio “100% inaceitável” e que até mesmo sem pandemia seria “um absurdo”, já que o país foi sede da competição há menos de dois anos. Para Leal, “o Brasil não tinha nada a ver com isso”.

Ele também aponta a importância de competições como o Brasileirão e a Libertadores em que “as emissoras pagam os clubes e os patrocinadores pagam para ter a marca na camisa”, o que ajuda o futebol a sobreviver como atividade econômica. Por outro lado, não é o caso da Copa América, “um torneio em que o dinheiro vai todo para a CONMEBOL e não tem a ver com a sobrevivência do futebol brasileiro”.

Veja mais em ESQUINAS

Futebol na pandemia: especialistas e torcedores falam sobre volta do público aos estádios

“Ao seguir na pandemia, o futebol ajudou a matar muita gente”, diz Breiller Pires, dos canais Disney

“O tsunami chegou. Se o futebol não parar agora, vai parar depois”, diz comentarista Paulo Calçade

Risco sanitário de sediar a Copa América

Um evento internacional de futebol na pandemia não põe em risco a saúde apenas dos jogadores, mas “delegações inteiras, imprensas de outros países que chegam em sabe-se lá em que condições”, diz Ubiratan. Como exemplo, o jornalista citou uma Data-FIFA passada, em que um surto de covid-19 no Palmeiras acabou afetando o Atlético de Madrid, Espanha. “O lateral do time brasileiro, Vinã, foi para a Seleção Uruguaia e acabou contaminando Luis Suárez, atacante uruguaio do clube espanhol que, quando voltou para o Atlético, infectou a equipe”, explica.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by Luis Suarez (@luissuarez9)

Dentro e fora de campo, o discurso das autoridades esportivas e políticas é de que a Copa América seguirá todos os protocolos de segurança possíveis. Até o dia 02 de junho, a CONMEBOL informou que cinco seleções e árbitros já receberam, ao menos, uma dose da vacina contra a covid. O infectologista não considera que isso seja ineficiente, mas afirmou não ser um bom cenário. “As Olimpíadas, que são de uma complexidade infinitamente maior, ainda estão em discussão, mesmo com as delegações vacinadas. Queria tentar entender então qual a lógica de agilizar a realização de um torneio regional”, questiona Suleiman.

O especialista esclareceu que, para receber um evento desse porte com a maior segurança possível, deveria ser exigida a vacinação de pelo menos 70% da população antes de permitir aglomerações. Hoje, o Brasil tem cerca de 25% da população com ao menos uma dose. Além disso, Jamal destacou a importância de infraestrutura para controle sanitário, com o rastreamento de pessoas que foram para esses eventos através de testagem em larga escala e controle dos infectados.

Por que o Brasil para a Copa América?

Depois de a Colômbia e a Argentina, países inicialmente escolhidos, terem recusado sediar a Copa América, a CONMEBOL escolheu o Brasil como país realizador do evento. Ubiratan Leal acredita que a escolha por parte da Confederação Sul-Americana aconteceu porque “ela sabe, como o mundo inteiro, que o governo brasileiro é negacionista e quer encarar o vírus ‘na porrada’, não na ciência”.

Em meio a uma pandemia que registra mais de 465 mil mortos e 16 milhões de casos no Brasil, há dúvida sobre o que o país poderia ganhar com um evento desse porte no cenário atual. Para o comentarista dos Grupos Disney, o torneio esportivo pode ser usado pelo Governo Federal para “vender a ideia de que está tudo normal e de que a pandemia é frescura”.

Leal também vê que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também está interessada no evento em terras nacionais para “recuperar o cartel político”. Ele diz que “a CBF era muito poderosa na política na época do Ricardo Teixeira (ex-presidente da instituição). Com toda a bagunça que aconteceu depois, o Brasil perdeu muita força e influência no futebol internacional”.

Até o momento, estados como Pernambuco, Rio Grande do Norte e Minas Gerais se recusam a receber jogos do torneio, com a justificativa de não considerarem prudente a realização de eventos assim. Jamal não vê, no momento, uma cidade brasileira capaz de receber esse tipo de evento. O infectologista ainda ressaltou que o problema não está no “dia do evento” mas sim no subproduto. “10 a 14 dias depois, o impacto que vai ficar é um legado macabro”.

Encontrou um erro? Avise-nos.