Um espetáculo chamado Paulette Pink - Revista Esquinas

Um espetáculo chamado Paulette Pink

Por Beatriz Henrique, Edgar Marques, Gabriel Oliveira, João Rafael Souza Balmant e Yasmin Junqueira : janeiro 18, 2023

Da pequena cidade de Santa Adélia até o palco de um grande teatro na Alemanha: quem é Paulette Pink, a mulher vestida de cor-de-rosa que encanta a cena queer paulistana?

O rosa não sai de cena em nenhum momento, está presente até mesmo nas bochechas coradas pós-ensaio quando iniciou a conversa com a reportagem. Junto com suas perucas, maquiagens, quadros e coroas, a rainha Paulette Pink demonstrou o quão feliz é sendo ela mesma: drag, transsexual e, principalmente, artista.

A história de sua arte não se resume apenas nesse texto. Paula Sabbatini é muito mais que todos os vídeos, imagens, músicas, makes looks aqui apresentados. Ela é resistência; ela é real. A montagem de Paulette Pink, apenas uma de suas incríveis representações, não faz jus à pessoa que Paula é.

No dia a dia, como tratou durante a entrevista, ela tem problemas comuns, lida com vizinhos e tem diversas contas para pagar. Além de realizar performances surpreendentes, trabalhou como figurinista em vários musicais, carrega uma bagagem enorme como precursora do movimento drag, estampou diversas campanhas de marcas nacionais e performou em locais icônicos, como o programa do Silvio Santos.

Paula Sabbatini deve ser apresentada como uma referência no mundo drag, mas também como exemplo de personagem que merece ter sua história contada. Descrevendo sua trajetória, contar suas experiências foi muito mais que uma entrevista: foi um espetáculo.

O início da história de Paulette Pink

Visagista, formada em teatro e artes plásticas, ex-síndica e drag queen são apenas algumas das características que abrangem Paula Sabbatini, a Paulette durante a noite.

“Essa sou eu, Paulette Pink em 50 tons de pink”

Abrindo as portas de seu apartamento na República, São Paulo, Paulette revela um pouco da sua história de vida, ilustrada nas paredes coloridas e pinturas espalhadas por sua sala. Conta que o início de sua carreira foi, na realidade, uma história de vingança contra sua mãe, que não a deixou se vestir de Barbie na infância.

De acordo com Paula, o ato de se caracterizar de mulher surgiu deste episódio que havia ficado aprisionado como uma grande frustração. “Parece uma coisa mágica que vem para fora, eu preciso me transformar, é aí que a Paulette Pink surge”, fala.

O despertar artístico se deu graças a uma história de carnaval que não foi assim tão colorida. Quando ainda criança, Paula teve a oportunidade de ajudar sua mãe a bordar vestidos de Barbie para suas irmãs comemorarem a data, convencida de que também poderia se vestir daquela forma.

No entanto, só recebeu permissão para participar da festa se fosse vestida de palhaço. “Quando me olhei no espelho, ao invés de ver uma linda Barbie, eu vi um monstro.” Sentindo-se traída por sua mãe, Paula relata que aprisionou a frustração até se mudar para São Paulo, onde se formou em teatro (Universidade de São Paulo) e artes plásticas (Universidade Estadual Paulista).

“A primeira vez que eu me montei foi quando fiz meu primeiro vestido de Barbie e saí para me vingar da minha mãe.” Na sua noite experimental, montada pela primeira vez e inserida em um cenário boêmio, foi pega de surpresa ao ser convidada para uma boate badalada e cheia de fotógrafos. O evento se chamava “Noite Ilustrada de Erika Palomino”, renomada jornalista da época. No dia seguinte, seu rosto e peruca rosa estavam estampados em todos os grandes jornais da cidade. E naquele momento, sua vingança estava concretizada.

Além de todo o preconceito após se assumir, a drag não teve uma infância fácil, porém ela conseguiu tirar o melhor disso, que foi a criação do que seria seu futuro, a Paulette Pink. Sobre a criação da personagem, a artista diz: “Quando eu criei a Paulette, ela era toda cor-de-rosa, com cabelo rosa, roupas rosa, era minha boneca cor-de-rosa que eu não conseguia ter, a boneca que minha mãe não deixava eu possuir, então eu visualizei em mim aquela boneca, aquele corpo perfeito, cor-de-rosa…”

“Uma drag da melhor qualidade”

Como dito pela apresentadora Marília Gabriela na entrevista com o apresentador João Kleber, Paulette é uma “drag da melhor qualidade”. Além da citação feita pela apresentadora em seu programa “De Frente com Gabi”, Paula tem várias experiências com comerciais e programas de TV, como campanhas para General Motors e Paul Mitchell, entre outras. Na televisão, tem uma vasta experiência com programas de auditório — participou do “Domingão do Faustão”, do “Domingo Legal” quando ainda era apresentado por Gugu Liberato, foi assistente de palco no programa “Beija Sapo” com Daniela Cicarelli, se apresentou no quadro “Transformistas” do programa Sílvio Santos e também no programa Roberto Justus e fez parte de uma ótima matéria no programa “A Liga” no quadro Fanáticos, onde revelou seu fanatismo pela Cher. Para coroar toda essa trajetória, em 2017 Paulette foi a mestre de cerimônias da vigésima-primeira Parada Gay de São Paulo, ao lado da cantora Daniela Mercury. É notória a vasta experiência da artista e como vem demonstrando seu talento em território nacional há um bom tempo, além de diversificar muito a cultura brasileira.

Veja mais em ESQUINAS

No Dia do Orgulho LGBTQIA+, conheça 5 personalidades marcantes do movimento

Entenda o que é “pink money” e como as marcas utilizam essa estratégia problemática de marketing

“A conscientização é um dos nossos objetivos”: fertilização in vitro viabiliza a dupla maternidade para casais LGBTQ+

O significado de ser drag

Paulette, com sua enorme experiência, não se escondeu de nenhum questionamento, e definiu o que na opinião dela significa ser uma drag queen: “Eu acredito que todos nós nos vemos de outra forma. Por exemplo, eu falo do ego, da autoafirmação, tem muita gente feia que se olha no espelho e se acha linda, e tem muita gente que não se contenta em ser o que é, então ela busca outra forma de ser, talvez eu veja a fundo dessa maneira, onde eu não consigo conviver comigo mesma sendo assim, porque eu acho tudo muito chato”.

Disforia de gênero

Agora mudando o tom da entrevista, Paulette compartilhou um problema sério que atinge a comunidade transexual, a disforia de gênero. Que consiste na pessoa não se sentir bem com o que vê no espelho, e buscar cirurgias, que são muitas vezes caras e inacessíveis. O problema em si não reside em não se sentir bem, mas sim no fato de muitas trans se automutilarem, como no caso que a drag apresentou: “Teve uma amiga minha que aplicou um monte de anestesia e cortou o próprio pênis”. A paulistana ainda reforçou que a Disforia é uma doença psíquica, e deve ser tratada seriamente.

O renomado psiquiatra americano George R. Brown diz: “A disforia de gênero envolve um sentimento forte e persistente de que o sexo anatômico da pessoa não corresponde ao seu sentimento interno de ser do sexo masculino, feminino, misto, neutro, ou qualquer outro que a pessoa se identifique(…)”. Além disso, o doutor Brown reafirma o que Paula relatou sobre a angústia sentida pela pessoa, e sobre como a doença em seu estado grave causa a vontade de procedimentos estéticos no portador que podem resultar na automutilação.

Paulette Pink

Cher

A visagista explica que, conforme o público se cansava da figura caricata de Paulette, seu maior desafio era criar novos personagens. E graças à grande semelhança, seu primeiro trabalho de imitação foi da cantora Cher. Paula começou a estudar os tons, performances e, acima de tudo, a aparência da cantora. “Foram apenas 25 cirurgias plásticas”, compartilha.

A repercussão dos seus vídeos foi tanta que acabou contratada por um importante teatro transgênero na Alemanha como sósia da famosa cantora e atriz. “A Cher foi me assistir lá, me levou uma peruca que guardo até hoje.” Questionada sobre sua relação com a artista estadunidense, Paula revela que inicialmente não era sua fã, apenas era parecida com ela, mas que Cher se tornou papel importante em sua realização como mulher: “Ela me trouxe aquela coisa que eu não tinha, a sensualidade”.

Paulette Pink

O dia em que Paulette entrou para a história

Além de drag queen, Paulette é atriz, cantora, maquiadora e figurinista. A artista fez parte de inúmeros musicais, e o que não é muito comentado é sobre um prêmio vencido em 2016 pela paulistana. Essa premiação, além de ser um reconhecimento do ótimo trabalho, é um feito histórico, a primeira trans a subir no palco do Teatro Bibi Ferreira. Sobre aquela situação, ela comentou: “Eu fiz um musical chamado ‘Forever Young’, com Carmo Dalla Vecchia, Fafy Siqueira, Claudia Ohana, onde eu fiz o visagismo, eles se transformam todos em velhinhos de 80 anos, então eu criei aquelas maquiagens de látex, com aqueles cabelos implantados como se estivessem carecas, tudo isso eu aprendi a fazer, e foi o único prêmio que esse musical ganhou, e eu fui a primeira transexual a subir no palco do Bibi Ferreira e ganhar o prêmio de visagista”.

Lady Gaga

Quem não conhece a famosíssima artista nova-iorquina Lady Gaga? Além de possuir inúmeras músicas populares, a norte-americana esbanja prêmios e participações em diversos filmes, além de ter muito envolvimento com moda. Mas o que pouca gente sabe é que no ano de 2020 ela foi acusada de plágio pela drag queen Paulette Pink, que sobre o assunto disse: “Lady Gaga se inspirou em sete figurinos meus, com comprovações. Roupas que eu desenhei, eu criei”. Porém Paulette não se sentiu tão incomodada com o ocorrido, já que a artista começou a curtir alguns tweets da Drag. O incômodo da paulistana foi com a mídia brasileira, sobre a qual afirmou: “Pena que os veículos e a mídia brasileira não dão o reconhecimento, porque eu sou transexual”. E ainda continuou: “Então transexual no Brasil não tem valor”.

Paulette Pink

Além de cantar, dançar, atuar e se produzir, Paulette também pinta. A artista recebe encomendas, como um quadro de cachorros, e tem algumas artes autorais em sua própria casa, como a pintura dos anjos em sua cozinha. Por conta da busca pela estética perfeita imposta pela sociedade, suas obras carregam influências desse padrão. É possível notá-lo nos narizes de seus anjos, que são pequenos, finos e simétricos. Além disso, a drag brincou: “Têm cara de travestis, falaram para mim, engraçado que todos os meus anjos têm ‘cara de travestis’, com nariz quebrado, plastificado. Eu tive que fazer três vezes para ficar assim”. Sobre os padrões, ela contou que não se sentia bem com seu nariz, pelo fato dele ser grande, e desejava um nariz mais delicado, e usou a frase: “Eu queria o nariz da Barbie”.

Paulette Pink gravou seu nome na história de diversas maneiras. Batalhando desde o começo de sua vida, ela nunca desanimou e conseguiu mostrar seu talento para o mundo. Diversas experiências, premiações, para hoje ser reconhecida dentro da cena drag queen brasileira. O rosa tirado de uma situação muito difícil hoje é símbolo de sua vida. Uma mulher com tantas realizações, conquistas e resiliência é uma grande inspiração para toda a luta transexual nacional. Por fim, é notório que Paula Sabbatini rompeu a barreira de ser apenas relevante dentro da comunidade LGBTQIA +, e está na história da cultura brasileira.

Editado por Anna Casiraghi

Encontrou algum erro? Avise-nos.