Adesão à Otan representa ruptura numa política histórica de neutralidade na região da Escandinávia; redesenho geopolítico e questão turca entram em debate
No dia 18 de maio, Finlândia e Suécia entregaram oficialmente seus pedidos de adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma aliança militar entre nações ocidentais que tem como um dos principais objetivos a proteção externa de seus aliados. Esse ato rompeu com a posição neutra preservada por estes países desde a Guerra Fria.
Após o início da guerra da Ucrânia, no dia 24 de fevereiro, Finlândia e Suécia se sentiram vulneráveis a possíveis ataques, por se localizarem perto da Rússia. Com isso, surgiu o interesse de acabar com a neutralidade histórica cultivada pelos dois países diante dos conflitos mundiais.
Entretanto, para que as duas nações ingressem na Otan, é necessário que todos os países da organização aceitem a entrada desses novos aliados – justo nesse processo, a Turquia se revelou contrária aos ingressantes.
A oposição turca Otan
No dia 13 de maio, antes mesmo da Finlândia e da Suécia fazerem seus pedidos oficiais de adesão à Otan, a Turquia já se mostrou contrária à entrada dos países nórdicos a aliança, com a justificativa de que os dois abrigam pessoas ligadas ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), considerados como terroristas pelo presidente Recep Tayyip Erdogan.
O conflito entre turcos e o PKK vem desde 1984, quando o partido passou a aliciar uma luta armada contra a Turquia na busca da criação de um Estado curdo. O embate da etnia curda com os comandos turcos, por sua vez, é bem mais antigo, remontando ao redesenho político do Império Otomano ao fim da Primeira Guerra Mundial. A questão é sensível aos dois povos e reverbera em conflitos por toda a região do Oriente Médio, tendo arestas visíveis, por exemplo, na Guerra Civil Síria, em curso desde 2014.
Ainda não está clara a dimensão da influência da Turquia nas decisões do bloco militar ociddental. Para o geógrafo e professor Maurício Toma, “a Turquia sempre caminhou entre “dois mundos”, teve sua relevância tanto para a Ásia quanto para a Europa, mas creio que não tem forças políticas ou mesmo economias para influenciar nas decisões dos países envolvidos”.
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Efeitos da adesão
Caso o veto proposto pela Turquia seja driblado e haja a adesão dos países escandinavos à Otan, as projeções de uma nova estrutura no desenho geopolítico da Europa seriam de uma concentração maior de países europeus participantes da organização. Mas, como explica Maurício, “a Suécia e a Finlândia são países considerados pacíficos e neutros, que mesmo durante a Guerra Fria, mantiveram-se nesse patamar de diplomacia”.
Toma observa que um efeito mais brusco da adesão, nesse cenário, só seria observado em caso de “retaliação direta por parte dos russos”. Por momento, as consequências não irão muito além da dilatação de países europeus que fazem parte da Otan ao redor da Rússia.
Quanto a um possível fortalecimento da aliança militar, Maurício questiona o impacto dos novos membros em relação ao bloco. “É difícil saber o grau de influência dos países escandinavos nesse cenário, eles não possuem grandes populações ou mesmo grande poderio militar. Só de ter os Estados Unidos e aliados poderosos como França, Reino Unido, Itália e Alemanha, a Otan já é muito forte”, pontuou o professor.
Impacto imediato
Maurício acredita que “estamos numa espécie de ‘mini guerra’ com o atual conflito no Donbass, iniciado a partir da invasão russa ao território da Ucrânia”. O geógrafo reitera que o embate pode perdurar até perder forças midiáticas, mas que a atual conjuntura ainda é muito imprevisível e a adesão de Suécia e Finlândia não mobiliza tanto o tabuleiro.
Entre as possibilidades futuras, podemos nos deparar com cenários ainda turvos. “Caso a Ucrânia não receba suporte massivo, talvez perca territórios para Rússia, assim como ocorreu com a Crimeia. No entanto, se os Estados Unidos entrarem diretamente com suas tropas, talvez o conflito descambe para um conjunto de alianças, e aí sim, os rumos seriam de proporções globais”, declara Toma.
Futuro da guerra
A Guerra da Ucrânia pode se estender para muito além do que se imagina, mas todos os poderes geopolíticos concentram esforços em possíveis soluções desde já. Para Maurício, “a resolução mais paliativa seria todos cederem em algum sentido”.
O professor sugere uma conciliação entre interesses do ocidente, representados pela Otan, e da Rússia. “A Ucrânia poderia ingressar na Otan, mas com o compromisso de não instalar bases dos Estados Unidos; a Rússia, por sua vez, poderia ceder, tirando suas tropas da Ucrânia e ficando só com a Crimeia, já anexada na prática, além de restabelecer o fornecimento de fertilizantes e gás natural para as nações”, pondera Toma. A solução, porém, esbarra nos próprios perfis personalistas de Putin e Zelensky.